terça-feira, 21 de junho de 2011

THINA CURTIS E SUA ARTE

(Por Diego El Khouri)


Thina Curtis. Fanzineira ativa desde os anos noventa. Responsável pelo primeiro Fanzinada que ocorreu no Brasil (e foi esse ano em sampa, dia 29 de março) em comemoração ao dia internacional do fanzine.

Você está na produção de fanzines desde os anos noventa. De lá pra cá o que mudou na cultura alternativa?

Mudou muito, até devido a essa necessidade atual através dos meios de mídia rápida e globalizada.Isso possibilita inúmeras ações, fato que antes era meio difícil, até mesmo pq os contatos eram feitos por conta e no boca-a-boca.


 Spell Work já é um clássico. Um painel interessante e profundo do que se está produzindo no país. Além de fortalecer a cena o que pretende com esse fanzine?

 Obrigada, imagina, temos muitos fanzines incríveis pelo Brasil afora, de vários segmentos que são conhecidos lá fora e pouco por aqui e vice versa.
Acho que o que pretendo já é o que está acontecendo.É reunir pessoas que estão fazendo algo, são articuladores,ativistas, multiplicadores, não só do meio alternativo, mais também como cidadãos conscientes.Na edição #8 mesmo foi a prova real que isso é possível,um time e tanto do underground.


O Fanzinada que se realizou em 29 de março desse ano (2011) que comemorou o dia mundial do zine foi um marco na cultura alternativa. O que te levou a ter essa iniciativa e como foi o evento?

 Foi realmente comovente para mim!Há tempos venho tentando reunir o pessoal, mais a incompatibilidade de datas,locais e outras coisas sempre adiava este encontro.
Sempre senti a necessidade de reunir não só os fanzineiros(as)mais artistas no geral que estão por aí fazendo seus trabalhos e não tem muito espaço para divulgarem também, e quando começamos a nos mobilizar e vi que estava começando a dar certo senti um frio na barriga!Era um sonho muito antigo, devo agradecer muito aos meus amigos e parceiros que abraçaram a idéia, a Olga e o pessoal do Gambalaia por apoiarem.O evento reuniu muita gente fera,todo mundo junto somando multiplicando.Foi a prova que quando se quer algo é possível.
Reunimos poetas, grafiteiros, cineastas, atores, desenhistas, cartonistas entre outros artistas e claro muito fanzineiros(as).
O evento rendeu e fortaleceu novas e fortes amizades, e também novos projetos e convites para participar com a Fanzinada em vários locais do Brasil e também fora. E claro comemorar essa data pela primeira vez por aqui foi histórico!


Fanzine é um tipo de revista que existe desde 1929 não aliado as grandes mídias. Por que ainda muitas pessoas não conhecem esse tipo de trabalho?

 sinceramente não sei te responder o que acontece.Hoje em dia até entendo que a nova geração já nasceu com a internet e suas ferramentas, também muita gente conhece fanzine com outros nomes:como jornal, revista, folhetim etc...
E também temos que levar em conta que no nosso país as pessoas ainda lêem muito pouco, e o acesso a informação ainda é impreciso.

O documentário  Fanzineiros do Século Passado produzido por Marcio Sno, que inclusive você participa, mostra a força que está o zine hoje no país com esses trabalhos de lembrança e divulgação  e a importância que ele teve no Brasil. Nos fale dessa película e como era possível divulgar essas revistas antes do advento da internet?

 Realmente o documentário do Márcio Sno já é uma referencia nacional para todos nós que fazemos fanzines.É emocionante assistir todos aqueles depoimentos, o doc veio consolidar o revival dos zines.eu sempre fui muito a shows, eventos literários, e alí era distribuído para pesoas que gostavam e muitos eram leitores assíduos e também pelas cartas que era vital para nossa comunicação e também era muito prazeroso.Fiz muitos amigos e trocavamos muitas cartas, idéias, presentes era um intercâmbio que possibilitava você ter acesso ao que estava acontecendo,informações a saber por exemplo o que acontecia no RJ,MG,Brasília,Recife,Argentina,Europa... tenho amigos que se tornaram grandes amigos até hoje.Tb possibilitava as ações aconteceram.
Eu mesma organizei vários eventos com shows, poetas, exposições,zines entre outras coisas através de cartas e horas no orelhão(com direito a saco de fichas)e gente olhando feio na fila (rs).
 Existe competição e intrigas no meio alternativo?

 Eu pessoalmente tive poucos problemas nessa longa jornada,há muito tempo atrás o que acontecia era muitas pessoas serem muito radicais e não entenderem que o fato de você por exemplo gostar e se identificar com um estilo de música, não devia se misturar com outros e algumas desavenças foram por isso,por bobeira, mais eram umas discussões intensas tb!Mesmo pq o fanzine é muito livre e você não se prende muito a isso quando faz fanzines.

Acredita no fim do livro impresso?

 Não. O prazer de se ler um livro, sentí-lo,carregá-lo é indiscutível,acredito que as pessoas até comecem a ler mais os e-books como complemento, mais não deixem de ler, de comprarem 
seus livros.

Qual o por que de produzir arte?

 Paixão,necessidade, conhecimento, liberdade, válvula de sobrevivência.

Que retorno o fanzine te dá?

Um retorno que como sempre brinco com as pessoas mais próximas, é algo que mastercard não paga!É muito legal este vinculo que você cria com as pessoas, o reconhecimento e não estou falando em dinheiro, são valores reais, uma troca de energia, satisfação, carinho e amizade das pessoas que você vai conhecendo. Eu posso dizer que evolui muito como pessoa depois que conheci e comecei a fazer fanzines. Uma artista engajada e intensa em suas produções alternativas de muito conteúdo e força. 


Você está pretendendo levar pra Goiânia o Fanzinada. Como será esse novo evento? O negócio é rodar o país?

 Puxa!Já estamos articulando isso e creio que irá dar certo né Diego?É bom a galera de Goiânia ir se preparando, que estamos chegando pra zinar tudo!Estamos analisando algumas possibidades, mas vem muita coisa boa por ai hein! Sim, já surgiram alguns convites para alguns lugares, o Rogério, (Oficinativa) por exemplo, participou de uma ocupação em (Piracicaba-sp),a idéia é circular mesmo,não só aqui no Brasil como na América latina também.
Também estamos articulando um evento que promete render muitos frutos e reunir a galera do Brasil e América Latina Num espaço virtuoso:a Fanzinoteca Mutação do grande Law Tissot, já temos apoio da Ugrapress, alguns zineiros(as) já estão se preparando para o evento vamos torcer para dar certo.



Qual a sua grande imprudência?

Sou um ser humano como todo mundo,tenho minhas imprudências,nada exagerado.
Talvez minha maior imprudência seja viver a vida como eu quero, sou aquariana convicta. Gosto de liberdade e pago um preço grande por isso, atormenta e assusta um pouco as pessoas. Sou uma pessoa deteminada, sei o que quero e sei meus limites...
Sou um ser humano como todo mundo,tenho minhas imprudências,nada exagerado.
Até a Fanzinada-Goiania!!!
Thina Curtis
Spellworkfanzine.blogspot.com

domingo, 19 de junho de 2011

ENTREVISTANDO SOLANGE VENTURI

(Por Diego EL Khouri)




Solange Venturi, carioca, "artista plástica. Formação: Parque Lage. Professores: João Magalhães e Nelson Leirner. Exposições: "Mão Dupla", MAC de Rosário - Argentina; "Projéteis Contemporâneos" - FUNARTE - Rio de Janeiro; 8.Salão Nacional Victor Meireles (SC); 8.Salão da Bahia; "Projeto Castelinho", Castelinho do Flamengo; "ZOOM", MAC de Campinas; Salão de Goiás; "O Ovo", curadoria Nelson Leirner, Parque Laje. Premiada no LVI Salão Paranaense - 
Curitiba PR".






Uma das propostas de sua arte é trabalhar  com os objetos já  construídos e não instantâneos. A idéia de movimento permeia boa parte de sua obra. Uma influência clara do trabalho fotográfico de Muybridge. Além da idéia de movimento, da repetição, o que mais sustenta sua arte?


A minha arte recebe influência de todos os lados, vem de dentro, vem de fora. Copio, invento, perverto. Não persigo unidade nem coerência, faço o que me dá na cabeça


A fotografia e a pintura são duas artes que por vezes se estranham. Uma fronteira difícil de romper, porém a todo momento você faz essas interferências.  Desenho com fotografia, pintura e fotografia, etc. Como trabalhar com fronteiras tão diferentes?

Na minha fotografia tem uma fase em que copio os modelos da História da Arte, criando uma tensão nas imagens clássicas, fazendo algumas interferências externas, mas procurando manter as cores da pintura, as poses. Isso se consegue com a fotografia. Na verdade, aquela primeira pintura foi cópia de um modelo vivo, e a fotografia é a cópia dessa cópia. Então, as  fronteiras acabam se  esbarrando, já que tudo é cópia e o original tá morto. Eu misturo tudo, ligado pelo mesmo fio condutor.



Nós fale da obra que fez você levar o prêmio no LVI Salão 
no Paranaense.

Ah essa aí, tenho uma certa dificuldade em falar dela. É um trabalho muito abstrato embora  o objeto, o boneco, seja figurativo. É um trabalho que fala do feminino, mas não só. É uma série onde o personagem (boneco) vai colocando as entranhas para fora enquanto uma fenda cada vez maior vai  se abrindo à sua frente. Fala do esvaziamento, do buraco  que todos nós  algum dia entramos ou entraremos, é inevitável. Fala também do próprio ato da criação em que você vai botando tudo prá fora e no final fica um vazio até começar tudo de novo. Viu? Acabei falando muito...


Você diz que  durante um bom tempo na EAV (Escola de Artes Visuais do Parque Lage)  foi uma  ouvinte constante  das palestras ministradas por Paulo Sérgio Duarte, Fernando Cocchiaralle, Ana Bella Geiger e Charles Watson. De que forma eles influenciaram sua arte?
 
Como eu disse mais acima, a influência vem de todos os lados. Então, receber informações também é  super importante pra ajudar a entender e a formar o discurso, mas na hora da criação  o que conta é o embate   de você com você mesmo, com a obra que tá sendo parida. E aí ninguém te salva... Não tem filosofia, não tem história da arte.
 
Há  uma discussão atual sobre o que é arte boa e ruim. Uns apontam a arte como função, outros como entretenimento. Você fica de qual lado? Há outros caminhos além desses?

Pra mim a arte não tem finalidade nenhuma, é um delírio do artista que precisa colocar pra fora suas ansiedades criativas. Primeiro faço pra mim, depois  é que sinto necessidade de mostrar ao outro. Se você quiser  muito atribuir um sentido, poderia te dizer que  a função da arte é fazer pensar. E aí, arte- entretenimento tá fora. Um vídeo do Bill Viola, por exemplo, mais incomoda do que diverte . Sou a favor da arte que causa desconforto, o que pouco se vê hoje em dia onde  tudo tá pasteurizado e politicamente correto. Vou a uma  coletiva  de arte contemporânea e raramente saio impressionada .É  tudo dejà vu, o discurso tenta substituir o trabalho em nome do conceito. Não que eu seja contra trabalhos conceituais . O Duchamp, mestre maior, pouca visualidade tinha em seus trabalhos. O que tem um urinol de ¨visual¨? Mas a idéia era genial. Ou você tem uma idéia genial que vira um trabalho ou então parte para um trabalho orgânico, visceral. O que fica no meio do caminho é uma merda.


O cabelo e o pêlo estão  presentes em sua arte quase sempre. Uma idéia explicita do erotismo, aquele erotismo às avessas, estranho e intenso. O que pretende com isso?

Não sei  bem o que pretendo. Você falou bem  quando disse erotismo às avessas, um  curador falou em erótico-não erótico, em buraco do corpo. Gostei dessas expressões. Na  verdade, o pelo é só mais um elemento, um material que uso. Acho que a questão presente no meu trabalho ta ligada ao corpo, identidade, sexo e morte, entre outras. Eu tenho outros trabalhos onde não tem pelos e são feitos com carimbos sobre papel e desenhos. Também já fiz muitas pinturas enormes,a maioria se decompôs, mofou. Mas o  corpo e suas questões  está no centro de tudo .  
 
Como você vê essa geração sem utopias?

Os utópicos são muito ingênuos. Essa geração é mais safa. Eu mesma fui muito boba e acho que ainda sou. Os meus sobrinhos, por exemplo, na faixa dos 14, 15, 22, são super espertos, sabem de tudo. São crias da Internet, recebem informações de todos os lados e não acho isso ruim, não. Acho que o  melhor tempo vai ser sempre esse em que estamos vivendo. Não sou saudosista não. Se você tem sede, vai buscar na fonte. Seja em qualquer geração, tem que  fazer suas escolhas. Tem espaço pros sonhadores e também  pros suicidas...


Praticamente todas as capas dos CDs do músico underground Rogério Skylab (seu marido) foram feitas por você. Falar de Skylab e não falar dessas capas é quase impossível. Como foi a produção dessas capas, desde a escolha do tema até a  forma de utilizá-las ?

 
Eu não escolhi nada, nem fiz os trabalhos pensando nas capas dele. Com exceção do Skylab 5 e 6. Eu fazia meu trabalho e ele sempre acompanhando tudo, acabava escolhendo algum para a capa dos seus cds. Simples assim. Quanto aos 5 e 6, as fotos foram feitas, especialmente, para aquele fim. O tema do nosso trabalho tem afinidade, daí  a escolha das capas, eu acho.

O que te motiva a criar?

Uma pulsão interna  nos leva a criar e o racional organiza isso dando o nome de arte. Senão seria só loucura.
  
Ainda vivemos sobre o signo da contracultura?

Não. Não acredito em  contracultura, malditos, underground. Hoje é cada um por si e Deus contra todos. Vivemos sob o signo do bizarro.

 Como deseja morrer? 


Abraçada ao Rogério.


quarta-feira, 15 de junho de 2011

LEITURA

(Por Glauco Mattoso)
Diego, neste final de semana leram para mim alguns de seus textos e
poemas, corroborando a impressão que eu ja tinha: numa poesia revoltada
não podem faltar o vinho, as putas e putos e a raiva contra os patrões,
sem fallar em outras raivas das quaes estamos todos de sacco cheio.
Metrificada ou não, a poesia mais contundente é essa, em que desabafamos
nossa propria vivencia, creio eu. Os conformados que cantem sua amada ou
a graça de Zeus... (risos)
 
Bem, aqui copio, como promettido, a poesia daquelle jovem, chamado
Victorio, com quem tive contacto ha algum tempo. Divirta-se! GLAUCO
 
 
[I]
 
Há mil razões, mil causas e mil modos
Para dignificar-se um cego: todos,
Porém, são falsos, cínicos, mentidos,
Já que na treva em que ora estão sorvidos
A auto-suficiência não habita:
Um homem cego é só um parasita
Dos demais -- não vê, não luta, não vive,
E, sendo a vida este intrincado aclive,
É ele a carga baldada, o peso morto
A quem exclama o outro: "Isto eu não transporto!".
Nos povos bárbaros um cego fora
O que é, e não o que se crê agora,
Nestes tempos de hipócrita altruísmo:
Ele, Glauco, é o judeu, eu, o Fascismo,
E, se é pois justo este aparente agravo,
Não seja ele um igual, mas um escravo,
Obedeça ao senhor, seja submisso
E prestativo, pois é vantajoso
Que assim o faça, já que eu sou mais forte
E a minha ira é mesmo a sua morte.
Assim a vida, seja embora austera,
Fez d'um a presa e d'outro fez a fera;
E os cegos, porque a natureza o queira,
A segunda não são, mas a primeira.
 
 
VOZES DE UM CEGO
 
A solidão deste Universo escuro
Está em mim, o breu inexplorado,
Onde nem Lua nem celeste forma,
 
Ou estrela de luz, archote puro,
Emitem seu clarão adamascado,
E tudo nesta sombra se conforma.
 
Há só o Tempo, ao qual eu me seguro,
Mas, que, além de me ter só torturado,
Em sopro, em treva, em morte -- me transforma!
 
 
[II]
 
Às vezes, triste a vaguear me vejo,
Sem rumo, e cabisbaixo, e pensativo,
E penso que na vida o mais da sorte
Nem ter espírito é, é ser vazio
Como os abismos infernais da morte.
Nestas horas de dor, o meu consolo
É lembrar-me de quem, inda mais que a mim
Sofrido e solitário, pena e chora,
Quem, excepcionalmente, os duros ferros
Do destino no lombo exp'rimentou
Mais que outro algum. Lembrar-me das desgraças
Alheias é o remédio que me cura,
Ver que há ferida inda mais podre e escura
Que a do meu peito é como, enfim, ter paz.
Por isso, Glauco, eu gozo a tua dor
E sou sincero no que digo; escuta:
Assim é o coração de todo o sádico:
O seu prazer do pranto, puro e simples,
Não se faz, é preciso que a tal lágrima
Carregue em sua essência mais profunda
O alívio dos pesares que o maltratam.
E é belo ver o corvo de asas negras
A roçar no sorriso dos felizes.
A catástrofe, a guerra, os acidentes:
A minha infãncia isto me faz sentir
E celebrar grandiosas hecatombes.
Minha alma apocalíptica festeja
As valas sepulcrais da cremação.
Quando a gente se cala, ao som das nênias,
Eu sinto então que a minha vez chegou -
Não de morrer - mas de exultar, que agora
Já posso eu rir de quem de mim zombou.
Oh, Glauco, esta cegueira que te oprime
Faz de ti um amigo, um salvador,
Encontro eu dor maior que a minha dor
E posso, enfim, brindar - será meu crime?
 
 
///
 
[SONETOS]
 
 
SONETO I [dezembro/2007]
 
É a última porteira: eu, que hei sonhado
Tanto e tão alto, a percorrer a vida
Nas linhas d'um soneto; endurecida
Eis de minh'alma o sonho exterminado.
 
Depois de Tasso amante e Dante irado,
Ora cruzo com Glauco, alma-perdida,
E venho a descobrir, apodrecida,
A musa que hei já tanto celebrado:
 
Era uma sexta-feira, um filme eu via,
Quando, por um delírio ou um acaso,
Vejo as Nove filmadas n'uma orgia,
 
Eu quase já descreio do Parnaso,
Mas, surpresa maior, eu não creria:
Eis o Glauco a comer bosta n'um vaso!
 
 
SONETO II [dezembro/2007]
 
"Que as lágrimas me enxágüem todo o rosto
"Nesta manhã em que a piedade aflora
"Em mim, bem como o rosicler da aurora
"Que diz que o Sol o globo há já transposto.
 
"Oh, mágoas santas, oh, santo desgosto!
"Estou, de fato, a ouvir o que ouço agora?
"Quão triste este poeta que além chora
"Fazendo-se humilhar, a contragosto!"
 
Glauco, meu caro Glauco, é crueldade,
Sim, matar um cego, este parasita
Que se nutre, por vez, no alheio pão.
 
Mas, tendo íntegra a sua liberdade,
Fazê-lo de putinha israelita
Não é pecado algum, é diversão!
 
 
SONETO III [janeiro/2008]
 
Um cego assim, figura turva e obscena,
Que com prazer estranho se maltrata,
Excita-me, sim, a ânsia escravocrata
Do carrasco feroz, que não tem pena.
 
Vem, ceguinho, que eu sou a tua hiena;
Lava-me com teu sangue esta chibata
Veloz, que ora em teu lombo se arrebata
E fere, uma vez não, uma centena!
 
Queres a minha pica em tua boca?
Eu não te a dou! Pois antes quero em troca
Purgar os teus pecados com o ferro!
 
Deus fez-me, em vida, o teu cruel senhor,
Para que eu desfrutasse a tua dor,
Já que a tua existência é só um erro.
 
 
SONETO IV [janeiro/2008]
 
Pudera eu consentir-te de bom grado
A massagem - mas não! que até me peja
Deixar fazer um cego o que deseja,
Sem antes bem lhe ser o mal cobrado.
 
Qual pode alguém, na escuridão lançado,
Falar o quanto anela, o quanto almeja!?
Queres que um pé na tua boca esteja?
Antes tira o que nele está calçado!
 
É um coturno escuro e impiedoso
Que ao toque de teus lábios se enfurece.
Oh, divina visão, divino gozo:
 
Ei-lo que sobe aos céus e logo desce,
Co'a sola no carão já lacrimoso
Do cego a sussurrar a última prece.
 
 
SONETO V [janeiro/2008]
 
Da humilhação que passa, Glauco, sinto
O germe da loucura em mim nascendo,
Você -- chorando amargo, eu -- rindo e vendo,
Por seu pesar, se me aquentar o pinto.
 
Quando Deus o criou, disse: "Consinto,
Consinto que este nasça e vá vivendo
Em paga de ir chupando -- e se lambendo --
Milhões de porras, como um cão faminto!
 
Um cego é a imagem viva do boquete:
Cativo de quem vê, por mais que afete
Ser dono do nariz, chupa calado;
 
É como ter um servo, ou um briquedo,
A gente diz: "Engole" -- e ele, com medo,
Fela a nossa fraqueza, e o seu pecado.
 
 
SONETO VI [janeiro/2008]
 
Quando a tua alma, Glauco, libertada
Puser-se da telúrica opressão
E, toda em luz e amor, em fé e paixão,
Erguer-se aos céus, no canto da alvorada;
 
E quando à funda cova for baixada
A esquife onde teus sonhos viverão;
Na fria ardósia tumular, ao chão,
Leia-se então esta inscrição borrada:
 
"Aqui repousa um ente torturado:
"Foi vítima do mundo e do Destino,
"Chupou, sem ser, porém, jamais chupado.
 
"Epíteto de bêbado e suíno.
"Já morto, ocupa-se por ser mijado
"Na unção divina do porrão divino."
 
 
SONETO VII [janeiro/2008]
 
Figura nova, excêntrico truão:
Declama em dáctilos como um latino,
E ao pé d'um jambo rápido e ferino
Expõe - estranho - em verso, a felação.
 
Em tratados imensos, como um cão,
Late em troqueus, mirrado e feminino,
E após imiscuir o seu ensino,
Canta de pés, em métrica canção.
 
São jâmbicos, peônicos, dactílicos,
Para acabar em temas necrofílicos,
Ou bosta, enfim, qual queira se dizer!
 
Que triste, Glauco, um cândido anapesto,
Servindo-lhe de forma, ou de pretexto,
Para tudo estragar, tudo foder!
 
 
SONETO VIII [fevereiro/2008]
 
Um charuto entre os lábios, teso rosto,
Bem como um coronel de seringal,
Rijamente apoiado em duro encosto:
Austero, grave, varonil, brutal!
 
Menos disposto ao Bem que ao Mal disposto:
Um coração malévolo, abissal:
Eis n'alguns traços o borrão suposto
D'um sádico vulgar -- vulgar boçal!
 
E embora haja aí tanta estupidez,
Assim deseja o Glauco o seu tirano,
Quiçá lhe saia um preto, um africano,
 
Ou bicho de mais torpe sordidez!
Pois sei que o cara, em tudo que já fez,
É puto de guinéu -- não de romano!
 
 
SONETO IX [fevereiro/2008]
 
Das ânsias que lhe invadem o desejo
E borbulham, e fervem, loucamente,
Cego, o Glauco, em delírio permanente,
Imagina algum pé, sabor de queijo.
 
Enlevado a sonhar, então, sem pejo,
Brada, à janela: Um pé! por Deus clemente!
E a ver que não replicam, descontente,
Murmura: Um pé... é tudo o quanto almejo.
 
Eis que lhe bato à porta e, ao vê-lo triste,
A causa indago, então, que lhe chateia,
Ele me diz: Bastava-me uma meia...
 
E pede a minha, e, de tal forma, insiste,
Que eu digo: Mas não uso! - Ele baqueia,
O coração dispara, não resiste!
 
 
SONETO X [fevereiro/2008]
 
Se a meia nos sufoca, e não respira
O pé encarcerado -- é não usá-la!
Assim como a cueca que resvala
No púbis, e o caralho não transpira.
 
Prisões cruéis que são, a minha lira
Põe-nas a par de sepulcral senzala,
E viva a liberdade que se exala
No aroma deste todo que revira!
 
Mas percebo, a seguir o raciocínio,
Que em mais até me ponho aprisionado,
E, de olímpico atleta no fascínio,
 
Cultuo o sonho grego, de bom grado,
E assim concluo que, ao pudor virgínio,
Melhor me fora até andar pelado!
 
 
SONETO XI [fevereiro/2008]
 
Escárnio a toda a Grécia e riso ao mundo
Tornou-se Sócrates no andar descalço,
E, creio, (não veneno) o cadafalso
Mais merecera pelo crime imundo.
 
Não se lavava nunca: odor profundo
Se lhe escapava do sebinho salso;
E creio até que pouco, assim, lhe exalço
A má reputação de vagabundo.
 
Mas há, porém, no século que passa,
Renovo adorador desta imundície,
Quem mais este viver de porco abraça,
 
E o gosto segue à risca, co'arduidade.
É o Glauco, a quem mais cresce a safadice
Em quanto mais aumenta a sujidade.
 
 
SONETO XII (RESPOSTA AO "SONETO SANDUBA") [fevereiro/2008]
 
Até parece freira, anacoreta,
Palhaço animador de aniversário,
Parlapatão de ONG, humanitário
Berrando em propaganda que é careta!
 
Agora, mais que puto e que cegueta,
Frequenta, sexta-feira, o seminário
E, já fazendo as vezes de vigário,
Com pose moralista, se atopeta.
 
Mas como pode um bebedor de esperma,
Que engole pó de pé, um tal palerma
Que vive a masturbar-se, n'um sobrado,
 
Dizer a nós, homens de bem, que enjeita
A simples fruição que nos deleita:
Um copo de cerveja, um baseado?
 
 
SONETO XIII [fevereiro/2008]
 
Por andar destas gentes esquecido
E sempre alheio à humana companhia;
Virtude, glória, amor -- o bem querido --
E já de tudo o mais eu me esquecia.
 
Já deus algum minha ara bendizia
Em preces d'um desejo acometido;
Bem como um Dom Quixote, eu me entrevia
N'um mundo estranho de ilusões perdido.
 
Por noites devassadas na leitura,
Então, deste poeta malogrado,
Eis que minha alma à sua se unifica
 
E bate as negras portas da loucura:
Eu, vendo as coisas, creio ver errado:
Que tudo é porra ou pé, caralho ou crica.
 
 
SONETO XIV [fevereiro/2008]
 
Gramático -- ridículo, portanto --
com metáforas chulas de acadêmico
de letras, e um amor de tosco encanto
pelo jargão fonético e fonêmico,
 
diz o Glauco sorver (tragar) o quanto
lhe digo: são palavras do ablastêmico
vocabulário em que lhe xingo e canto,
a rir, o seu sofrer, por mal do mundo, endêmico.
 
Glaucomatoso: cego, enfim, fodido,
e, agora, quer passar por professor,
porém, coubera mais para bandido,
 
boqueteiro de puto, felador,
se diz beber palavras, bem duvido,
no máximo é de picas chuchador.
 
 
///
 
SONETOS PARA UM VITORIOSO SOBRE UM VENCIDO CONVICTO
(respostas de Glauco Mattoso)
 
 
SONETO PARA A REGRA DO JOGO [2057]
 
Victório foi sincero, tendo dito
que alguém precisa ser o perdedor,
o cego, o que só chupa e lembra, aflito,
que um dia já enxergou a luz e a cor...
 
É duro de aceitar, mas nem cogito
negar o que ao Victório tem sabor
alegre, de deleite: sem conflito
me humilho e lhe melhoro o bom humor...
 
Se a rola eu lhe chupasse, a língua iria
dizer, muda e mexendo-se: sorria,
enquanto o cego chora e o jogo entrega!
 
O gosto que eu sentisse, por si só,
seria o de que vale, mais que dó,
no mundo a crueldade, que é mais cega...
 
 
SONETO PARA UMA CONCLUSÃO FILOSÓFICA [2058]
 
Deliro com a idéia de que, enquanto
me fodo na cegueira, ele, Victório,
deleita-se sabendo disso, e tanto
que a cena tem poder masturbatório...
 
A idéia dele é lógica: levanto
seu pau porque, no mundo, ao purgatório
do cego ele escapou, nem sendo santo,
e meu destino que eu o purgue e chore-o!
 
Portanto, é natural que ele suponha
que estou ajoelhado, e sua bronha
acabe em minha boca, ao que me exponho...
 
Serei, enquanto chupo, consciente
dum fato: entre dois homens, eu somente
chorei; ele estará, logo, risonho...
 
 
SONETO PARA UMA MISSÃO ASSUMIDA [2060]
 
Entendo e reconheço o que você,
Victório, em senso espírita, me diz.
Você, rico e bonito, tudo vê,
podendo desfrutar e ser feliz.
 
A mim é superior, pois o que fiz
em outra encarnação, desde bebê
condena-me à cegueira e aos mais febris
delírios: você justo é no que crê!
 
Me goze, pois, em sua juventude
sortuda! Goze tudo que não pude
gozar! Na boca imponha-me o sabor!
 
Aceito humildemente a crueldade
dos fatos, pois, fazendo o que lhe agrade,
serei, desta missão, bom cumpridor...
 
 
SONETO PARA A PURIFICAÇÃO DO SER [2062]
 
Fazer-me de putinha é o que ele quer.
Forçoso é, pois, na boca receber
seu pênis e lhe ouvir, quando ele as der,
as ordens de chupar ou de lamber.
 
As coisas que na boca da mulher
não quis, por piedade, cometer,
na minha o jovem acha, de colher,
a chance de me impor, como um dever.
 
Assim me vê Victório: um cego exposto
à sua diversão, e dar-lhe o gosto
da superioridade é-me a missão.
 
Estamos, neste mundo, por castigo
ou prêmio. O que Victório faz comigo
é dar-me o que mereço: uma lição.
 
 
SONETO PARA UM ARDOR ANIMADOR [2063]
 
Victório nem me amarra: não precisa.
Sem vê-lo, dançarei sob o chicote
que, contra minha pele, branca e lisa,
estala, até que o sangue, rubro, brote.
 
Em minha boca a pica antes que bote,
prefere divertir-se, e diz que visa
pecados meus punir, pois, como mote,
invoca o Além, de penitência à guisa.
 
Após levar a surra, me contento
em ser, para seus pés, o mais atento
e humilde massagista, por enquanto.
 
Seu pau sei que endurece, quando o açoite
me lanha, pois debato-me na noite
dos cegos, e ele vê: goza, portanto.
 
 
SONETO PARA UM DETALHE RELEVANTE [2065]
 
Pensei que fosse tênis o que usasse
você, tênis de grife, já que é rico,
pisante cuja sola, em minha face,
tem marca que, na língua, identifico.
 
Porém na bota é proletária a classe
que calça o seu pé jovem: de milico,
pesado coturnão faz com que eu passe
momentos de agonia e pague um mico.
 
Se, cego, estou purgando algum pecado,
mais duro, no relevo do solado,
será, sobre meu rosto, o seu pisão.
 
Mas tenho de aceitar, Victório, o peso,
pois sei quanto lhe agrada um indefeso
ceguinho a lhe servir de piso e chão...
 
 
SONETO PARA A LISTA DE APROVADOS [2068]
 
Victório, que prestou vestibular
agora, por momentos de ansiedade
passou e, até que saiba qual lugar
pegou na feliz lista, a angústia o invade.
 
Mas logo irá, voltando a se alegrar,
notar que é vencedor e que não há de
passar pelo que eu passo, a lamentar
a perda da visão, na eternidade...
 
Deleite puro, o dele: ver-me cego,
sabendo que este fardo que carrego
jamais carregará, pois foi eleito...
 
Seu pau até endurece quando fala
comigo, já que, enquanto chupa bala,
eu chupo o que mereço... E diz: "Bem feito!"
 
 
SONETO PARA UM RETRATO EXATO [2074]
 
Cegueira, diz Victório, representa
a imagem dum boquete. Assim me aceito:
a boca penetrada, numa lenta
sessão de felação, em seu proveito.
 
Após massagear seus pés quarenta
e quatro -- o calcanhar, a sola, o peito,
o vão entre os artelhos -- à opulenta
cabeça do seu pênis me sujeito.
 
De leve, eu a abocanho, e me concentro,
até que ele me esporre boca adentro,
na chance que o Destino me consente...
 
Ao jovem dei o gosto da desforra.
Meu gosto foi saber que quem me esporra
na boca, mais que um cego, está contente...
 
 
SONETO PARA A CAPACITAÇÃO DO CEGO [2075]
 
Assim se encara um cego: o parasita,
o inútil, cuja boca só consome,
na aposentadoria a que limita
seu ganho, ou numa esmola, e escapa à fome.
 
A nada produtivo se habilita
o inválido, e só presta caso tome
ciência de ser útil quando excita
alguém que o discipline, explore e dome.
 
É justo, pois, que sofra em sua treva
e ainda que trabalhe, quando leva
na boca a rola grossa a ser chupada!
 
Capriche! Engula tudo! Utilidade
demonstre! Como homem se degrade,
pois isso é o que, ao Victório, mais agrada!
 
 
SONETO PARA A SABEDORIA ANCESTRAL [2076]
 
Victório aos povos bárbaros alude
e acerta em cheio: um cego só merece
comer, sobreviver, caso se mude
de ser humano em bicho que obedece.
 
De servo chupador, eis a atitude
mais própria a quem o mundo só escurece:
não vê, mas sua boca é, como pude
provar, um instrumento oral de prece.
 
Chupando, o cego "reza" enquanto serve
de orgasmo ao jovem macho, cuja verve
poética lhe escorre boca adentro.
 
Por isso é que agradeço quando escuto
Victório me chamando, além de puto,
de escravo, e nesse ofício me concentro.
 
 
///

segunda-feira, 13 de junho de 2011

DIEGO EL KHOURI E ANNA ALCHUFFI

Aqui começa uma seleção de poemas que fiz em parceria com minha amiga poetisa, mana cósmica e bichinho de estimação Anna Alchuffi que anda produzindo um trabalho muito interessante na música e na poesia. Em breve estaremos lançando um zine em parceria. Aí vai o poema:


NOIS


 Alívio sem vício
do vício, um alívio
do alívio que vivo
um vício, meu amigo
e se eu vivo um vício
me sinto um menino.


Com complexo
de Peter Pan
50, 60, 70, 80 anos
para mim,
uma adolescência natural
sentimental
Com visão do lucro
do novo capital
Vou tentando parecer normal.



O vício, que vício? quero isso!
só fingem, só isso.
Pastor quer meu dinheiro
para vestir meu vício,
Anna, o que você 
tem haver com isso?


Eu sou a filha
do pastor que vestiu
seu vício.
Eu sou a filha
da famosa rebeldia.
Eu sou alguém que
sentiu seu vício
de vício por amor
da existência
de maldito.


* Aí vai o blog da Anna Alchuffi:


http://recantomarginal.blogspot.com/

domingo, 12 de junho de 2011

ESSES CORPOS

(Por Diego EL Khouri)


Corpos subtendidos  
de frente um para o outro.
Eles são assim, insensíveis
ao tempo, a fome  e a sede.
Eles se vestem do acaso
e moram dentro do pecado.
Esses corpos (ambos) permanecem
um de frente para o outro.
Nada de ereção
muito menos ejaculação.
Esses corpos vivem somente a ilusão dos dias,
esses corpos que nada enxergam
e nada sentem.

sábado, 11 de junho de 2011

MATA VIRGEM


 (Por Diego EL Khouri)

No interior da mata virgem
dentro de teu seio lânguido
num descontrole alucinante
meu pau foi entrando.

Como pudesse avistá-la:
a pureza e suas limitações
fui entrando em teu corpo
que transpira excitações.

Suave suor soturno.
Sentes dor e a dor que sentes
provém do nosso calor.

Eis porém a expulsão.
O orgasmo tomando forma
colidindo o prazer com a solidão.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

ORIZONA EM FOCO





A cultura alternativa tem disso. Aproximação de todo um passado, a lembrança presente na junção de pessoas e idéias. Pesquisando na internet encontrei um texto falando sobre mim num site de uma  cidade  de Goiás chamada Orizona, que fica cerca de 120 km de Goiânia, conhecida como a  cidade da cachaça, onde nasci e que há uns dezoito anos não vou lá. O texto foi baseado numa entrevista que dei para o Fabio da Silva Barbosa, grande zineiro do Rio de Janeiro. Achei estranho, pois praticamente conheço ninguém mais em Orizona. Poucas pessoas, e as pessoas que conheço nem sabem como acessar a internet. Por isso continuo afirmando que depois da queda do muro de Berlim a maior revolução é a revolução virtual.
Aí vai o link:


http://orizonaemfoco.wordpress.com/2010/10/07/um-pouco-de-historia-chegada-dos-libaneses-a-orizona/

terça-feira, 7 de junho de 2011

ULISSES AESSE - O JORNALISMO VIVO

(Por Diego EL Khouri)


A poesia se encontra viva e submersa na alma e na vida desse grande  artista contemporâneo. A centelha da luz divina que cuspiu em seu ser toda força que a palavra necessita: intensa e cheia de barulho. Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Ulisses Aesse já agregou em sua jornada infinitas existências. Além de ter sido um dos fundadores do jornal-zine da UFG, o  Rola Bosta, formou ainda no anos 80 a banda punk Exame de Fezes que no início contava com a participação do fotógrafo Zuhair Mohamad e o artista plástico Edney Antunes. Ainda na década de oitenta assumiu a editoria do Jornal Diário da Manhã além de ser presidente da ONG Caminho (Way) em prol do meio ambiente. Conhecedor da essência diáfana da poesia, esse demônio (ou anjo) da palavra me concedeu uma entrevista que posto aqui nesse blog:

Você,  que se encontra  no Diário da Manhã já há um bom tempo, de que forma
vê o jornalismo?
 
O jornalismo é um sacerdócio. Uma devoção. Fazê-lo é acreditar na
verdade, na interpretação sem vícios, sem erros. Faço um jornalismo
que seja verdade. Que transpire a verdade. Não faço jornalismo para
manipular, para pressionar, para intimidar. Não acredito no jornalismo
como jogo, mas como uma leitura dos fatos. Entendo, também, que
jornalismo é indústria, é produto. Por isso, passível de erros. Erros
comuns ao mercado. Logicamente que não há jornalismo, como conceito,
imparcial, puro. Jornalismo, como atividade humana, é conflitante,
espelha a própria sociedade. É preciso encontrar uma fórmula para que
se faça um jornalismo respeitável e comprometido com os que constroem.
Jornalismo é construção do verídico. Distorcê-lo é comprometer a sua
verdadeira essência.
 
 
A massificação da mídia, o poder dominando as comunicações, a luta para
ignorantizar o povo e o ensino real sendo caçado nas escolas, é verdade
triste que impera a sociedade. De que forma então  fazer ainda um jornalismo
sem se corromper? É uma espécie de heroísmo?
 
Podemos fazer um jornalismo transparente, sem dissimulações. Para
isso, é preciso que a sociedade conheça quem está por trás da câmara,
do microfone, do computador. É preciso mostrar o coração do
profissional, abrir sua consciência para que seu público saiba que não
está sendo manipulado. Manipula exige apenas perspicácia. Quem
manipula tem intenções paroquiais, pessoais. Isso é ruim. O bom
profissional põe seu peito para fora e não teme a exposição de idéias.
Jornalista deve expor os fatos, se possível, interpretá-lo dentro da
ótica de quem o lê sabe a sua opinião. Não podemos deixar que o
jornalismo seja apenas um fruto da massificação, da chamada indústria
cultural. O poder que domina os meios de comunicação, também, domina
as instituições como as academias, as igrejas, as entidades de
classes. Só se corrompe quem quer se vender. E se vende, às vezes, até
por um 'muito obrigado'.
 
 
Tua poesia é uma lapidação cuidadosa da linguagem. Porém há nela uma pegada
envolvendo o êxtase e o delírio poético. De que forma surgiu seu primeiro
livro?
 
A poesia é um fluxo do inconsciente. Uma turbulência que nos invade
naquele momento. Faço poesia num jorro de ideias, onde o vício está em
cada verbo. Vejo o verbo se derramar à minha frente, como cachoeiras
de palavras. A poesia, em si, não tem explicação. É um jorro de
conteúdo que você vai acumulando com o tempo e com a experiência da
emoção, do exercício da retórica, vem como se fosse drops de palavras,
de sentenças. Trabalho o delírio, o êxtase como tempero para que as
palavras não sejam duras como os discursos dos políticos, nem com as
sentenças dos tribunais. Nelas, nas poesias, me ponho de joelhos, com
os olhos voltados para Deus. Um exercício de purificação da alma. Há,
em cada verso, um sorriso desesperado. Um soluço de quem ama. E um
aceno para quem vai.
 
Um poeta nasce poeta ou se torna poeta pelo não enquadramento nas normas
estabelecidas pela sociedade?
 
O poeta nasce, se faz, se educa. É preciso, antes de tudo, gostar da
poesia. Amá-la como se ama um filho, os pais, o chão onde nasceu. Não
se pode dizer que o poeta é algo de outro mundo, alienígena. O poeta
hoje, nas suas várias linguagens, observa a tudo, atento, como se seus
olhos estivessem ali, em cada momento, escrutinando os ossos, o
invisível. Um poeta tem idade, religião, profissão, amor, ódio. Um
poeta tem RG, CPF e razão. Logo, o poeta está aí, ao seu lado,
sentado, como se fosse um cidadão. E é. Um cidadão que vê, ao longe,
os sinos nas conchas; o mar, virado de cabeça para baixo, como se os
peixes fossem estrelas. Um poeta é assim, se faz assim: sempre sem
fim.
 
 
De que forma você vê a arte hoje?
 
Vejo a arte como algo comercial, vendáve, venal. Uma arte perdida, mas
necessária. A arte perdeu seu referencial de construção, de educação,
para virar discurso de poder, de grupos que se revezam nas riquezas. É
preciso desnudá-la, colocá-la com a 'vergonha de fora'. Fazer com que
passemos a respeitá-la pela sua castidade, não pelo seu valor. Não há
algo mais magnífico do que as pinturas 'pintadas' por Deus no céu. Na
aurora, no pôr do Sol. No nascer da Lua. Quero crer que tudo, num dia,
vai mudar. Mesmo tendo a certeza que não.
 
Qual sua opinião sobre a legalização da maconha?
 
À princípio sou pela discussão, dissecação completa do tema. Não há
como ter um discurso já formulado, já embalado. A maconha, pelo que
conheço, não traz nada que prejudique o caráter de uma pessoa. Ainda à
princípio sou pela sua descriminalização.
 
 
Você como jornalista como vê a política atual?


Um tanto quando conturbada. O Brasil valoriza muita as intrigas
políticas. A imprensa principalmente. Sou favorável a deixar os
políticos em paz e apenas denunciar as suas corrupções ou atos
decentes. E não vê-los como Midas. A política no Brasil é feita por
uma casta que se locupleta enquanto a maioria do povo se lasca. É
preciso mostrar a indigência frente a esta realidade. Inclusive, com a
participação nas redes sociais, denunciando os verdadeiros picaretas e
mercenários que temos. Aliás, talvez, faltaria dedo para teclar seus
nomes nas redes sociais.
 
 
Nos fale sobre seu segundo livro que está pra sair, o Amarás a quem?
 
 
É, como o primeiro, uma ode ao amor e à razão. Nada que distancie o
amor do ódio, o sim do não. O livro nada mais é que um discurso pela
vida, pelos sentimentos que nos movem nos passos da vida. Amaras
quem?! é uma pergunta que faço para o espectador, para que ele se
sintonize e reflita: é possível amar neste tempo de espantalhos? Quem
ler o livro abrirá o espírito. Uma fenda há de fazê-lo pensar sobre a
razão e o amor.
 
 
Jornalista, poeta e músico. fale sobre seus projetos musicais.


Tenho mais de 25 anos de estrada musical. Tudo começou em um barracão,
alugado, na Avenida Contorno, no Centro. Ali nasceu a banda Exame de
Fezes. Depois a Maqna Rock. Logo após, outras bandas Sofá de Carne, ET
de Vagina, Picolé de Nervo, Los Hervalifes e outros projetos que estão
em andamento. Tenho a música no sangue como elemento de contestação.
Como algo que possa protestar contra as injustiças. Nosso casting é
voltado para o punk. Alguns projetos serão executados brevemente como
o retorno da Maqna Rock, Eu, Welliton Carlos e Carlos Brandão estamos
discutindo a sua volta, um espaço para a música, para o rock, o blues,
o jazz. Para tudo.
 
 
Uma poesia para dar um ponto final triunfal nessa entrevista.
 
 
 
Dobra o corpo de si e do
sino ao corpo do homem
 
(Nas vísceras padece um homem pegajoso)
 
Dobra o corpo do sino neste imenso
maundo
imerso no caos
e te prendes ao amor
fecundo que fenece
nestas névoas-flores de espinhos.
 
Amarás a quem?
 
Em sinônimo de sigo mesmos
ou no fundo andrajoso dos outros?
 
Fenece nos olhos imersos
— ilhados em lágrimas —
feito céu maravilhado
ou de um corpo em cio.
 
(Descobre a ti mesmo)
 
As horas em cristais
estigmatizam com doçura
as arestas do tempo
e no bate-bate de cores
amarás como ama a ti mesmo
no campo lindo e oblíquo de
teus seios.
 
Amarás a quem?
 
Em sinônimo de sigo mesmo
ou no campanário que destila
a vida de quem te ama?
 
(Fenece como pedra imolada
nos abismos dos corpos)
 
Amarás feito verdura no verão
à espera do sol que a frutifique
e a maravilhe
— em cachos —
como peixes que carregam
doçuras nas barbatanas de (amar-te)!
 
Amarás a quem?
 
Neste domínio de poucos,
concentrando a ilusão
de ser no tempo
rumo ao vento
com opacos seres nas mãos.
 
No corpo encontrarás fagulhas
que submergirão e ascenderão
em brasa o calor do teu amar-te.
Lubrificarás o ódio que tens em ti
e só em ti frutificarás.
 
Tu te prendes ao amor amado?
 
Nas flores fenecem os espinhos.
 
Amarás a quem?
 
(Nas vísceras, tortuoso,
padece um poeta em fiapos,
e o céu e o mar destinam seu ser)
 
Ameaça-te a não ouvir
o sino, também,
é grande o desgosto pelos
dings-dongs que acolhem
em nosso peito
e no revérbero do sol a pino,
todo jovem
padece a sino.
 
E no caminho simples prende-te
ao tempo trazendo no mesmo
a estranheza das almas
e aos elos que traduzem
em dois versos antigos:
 
Amarás a quem neste mundo
imerson em caos e abismo?
 
Dobra o corpo de ti e do sino
ao corpo do homem e alegra-te
em ofertar-te,
soltando risos
livres pelos lábios.
 
E pergunta a ti mesmo:
A quem amarás?
 
Ave, geral.
De bando e raça (a vida roça
a vida de amar-te)
 
No fundo do reflexo de (olhar-te)
como quem olha nas vísceras
um homem em andrajos
a amofinar-se em desejos
 
Dobra o corpo menino
ao amor ubíquo
e sibile a todos e a ti mesmo:
Amarás a quem
neste mundo de abismos?
 
E por trás do homem
o silêncio caminha
sem si e sem pernas
para (amar-te),
sem tempo e sem ódio,
o lado do silêncio de agora,
o lado do amor de amanhã.
 
Amarás a quem,
neste tempo de espantalhos?

sábado, 4 de junho de 2011

VOMITO OU ENGULO?





Essa é uma das obras da artista carioca Solange Venturi. Quem quiser conhecer a obra dela mais a fundo é só acessar o blog:   http://solangeventuri.blogspot.com/