- Impressões sobre o livro SALIVA de Ikaro Maxx -
(Por Diego El Khouri)
Poema é como suicídio, você não premedita, simplesmente comete.
A fronte mais que nunca aflita, branca
E pálida, os cabelos em desordem
Sousândrade
E pálida, os cabelos em desordem
Sousândrade
"A poesia é para um pequeno círculo de apreciadores meio pirados, meio sonhadores, meio iluminados". É preciso antes de tudo mergulhar e se deixar mergulhar. Ver, transbordar, transcender em palavras e experiências todas as possibilidades que a mente e a carne possibilitam. Cada palavra, em forma de jorro, descreve um amálgama de cores, uma inquietação fervilhante de sentimentos e desejos, fragmentos de histórias em poesia/prosa que vomita o âmago sem nenhuma obrigação com lógica ou coerência dos fatos. Adentrar o inferno sem a luz diáfana de Beatriz. Ser parte do mundo, crimes e vícios e seus prolongamentos. "Não é 'La Vita Nuova' de Dante." Apenas "pequenos livros atirados como pérolas aos porcos eternizados na Mente Iluminada do Buda misterioso que cospe essa dinamite verbal".
Como Ademir Assunção já dizia, Ikaro Maxx é "uma mistura de Neal Cassady com Arthur Rimbaud". Puramente "carnavalístico", "místico-transcendental"... Sua palavra-metralhadora, tendo o domínio verbal como raiz, exerce função de catarse, explosão. Poesia em movimento. "Bomba descompassada no meio de um tsunami claro como anjos".
"Sentir essa pedra que esmaga os olhos & espreme as gengivas numa fossa perfumada" .
- Como um megalomaníaco-profeta o poeta se vê naufragado no abismo, um abismo sem volta, perdido e esquecido nos vãos da linguagem. Abstração e delírio. O caminho de Dante nos inframundos mas com as portas do paraíso fechadas. O poeta é um excluído por excelência, um amaldiçoado, um dos carrascos do universo. Dessa fibra que exalta a pele trazendo ao coração pitadas de volúpia e dor. Daí nasce o poema. Desse estado de marginalidade, ou seja, da indignação, resultada do vazio e da brutalidade do mundo pragmático e sobretudo hipócrita. O artista é um ser dilacerado entre os prazeres da carne e a vontade de elevar-se espiritualmente (soma/psique/nous). Assim como o Fausto do Goethe. É um anjo decaído, um insatisfeito de marca maior -
"Jamais estive em lado algum. Nunca estive num só corpo. A metamorfose me batizou, me pegou de jeito. Larguei os andrajos do ser & me tornei uma espécie de silencioso tsunami. Uma confusão para os olhares, mas uma delícia para os toques."
"Já deitei minha cabeça numa pedra & sofri pela espécie como um todo. Já permiti que os caras legais da escola & os desportistas me humilhassem durante anos enquanto eu era apenas um andrógino roqueiro com a calça cheia de nomes de bandas & totalmente sem amigos. Sei o que é o sofrimento. Sei o que é o prazer."
Nesse livro, Saliva, Ikaro Maxx propõe uma possibilidade de sensações e sentimentos variados, através de uma vasta cultura e uma vivência pelas estradas do Brasil e do mundo. A pontada na pele. Faca na carne. Um corpo que se faz faminto de vida e pulsações. Vida em sêmen jorrando. Palavra em cântaros - vinho na garganta, falo-vulva. A "combustão do Espírito em direções antes imponderáveis; algo que desce do crânio até as bordas & zonas limítrofes do corpo como magma."
O bardo, fescenino por excelência, já adverte desde o inicio: Se tais palavras não forem lidas com a centelha de vida, com a ânsia & amor próprios de quem está aberto ao devir, então enterraremos a força do verbo & da vida numa caixa impressa onde a Imaginação é infrutífera, morta. E toda a Obra-de-Arte perde o brilho de acessar um NOVO SENTIMENTO."
Adentremos nesse inferno sem medo, com "olhos livres" , escancarados, abertos. Sem medo de se perder nesse labirinto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário