terça-feira, 26 de janeiro de 2016

5 POEMAS DE ROGÉRIO SKYLAB


Isto Aqui Não é um Soneto

Isto aqui não é um soneto
(estamos num sítio arqueológico).
Ruína de uma forma poética
surgida na Renascença.
Forma esvaziada, de cuja estrutura
temos uma longínqua idéia.
Isto aqui não é um soneto,
nem sua réplica.
Uma carcaça carcomida
que um guia turístico informa
pertencer a um antigo soneto,
escrito por Petrarca, Shakespeare ou Luís de Camões.
Exposto a visitações públicas num blog,
essa forma espúria é retrato dos tempos.

Madrugada

Saúdo também a madrugada.
Infelizes os que têm o sono pesado.
Esses nunca vão saber
de que é feita, de que material,
quais os ruídos, os pensamentos
loucos que a perpassam,
que flor exótica, cheia de caprichos,
é essa madrugada fria.
Não falo da madrugada  dos namorados.
Porque esses só têm os olhos para si.
E eu olho o vazio.
Eu estou no coração do vazio.
Madrugada fria, minha, absoluta.
De onde um dia nunca mais retornarei.
Sobre a leitura
Se você soubesse que
enquanto cavalgava sobre
a fúria do tempo,
eu também o fazia à minha maneira…
E com a mesma galhardia
que empinava o sexo,
eu também o empinava, rato de biblioteca.
E também era volúvel, também sem cabeça.
E cada capítulo lido, cada poesia,
era como um corpo desnudo
que você tateava, transida.
Pensávamos ser tão diferentes.
Foi só no fim da jornada que vimos:
os nossos caminhos eram os mesmos.

A imensidão

Antes de dormir batia uma punheta.
Agora escrevo um soneto.
Escreva um você também.
E dormirás tranquilo até o amanhecer.
Sonharás com campos floridos.
Uma camponesa virá lhe oferecer flores.
O brilho do sol vai ofuscar teus olhos.
E ainda assim não será nada
diante do brilho da camponesa com flores.
Debaixo de uma sombra amiga,
vocês ficarão a sós, enternecidos,
e com certeza um boi vai mugir ao longe.
A vida vai passar devagarzinho
e nada poderá salvá-los da imensidão.

Filho do Abismo

Se meu pai fosse músico
ou se eu fosse amigo do filho.
Se ao menos morasse perto.
Podia ser colega de sala.
Pertencer ao mesmo grupo.
À medida que fôssemos crescendo,
nos tornaríamos herdeiros.
Ele, por ser filho.
Eu, amigo do filho.
À nossa volta,
outros herdeiros:
seres gregários.
Os velhos amigos do pai nos seriam simpáticos.
Abririam portas.
E a história seria uma linha reta e contínua.
Mas não tive sorte.
Nem filho, nem amigo do filho.
Moro muito longe.
Sou filho do abismo.

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