Afim de devassar por completo a chamada "cultura alternativa", com todos seus contornos, nuances e profundidade, venho já um bom tempo entrevistando diversos artistas de várias cidades e estilos. Esse blog portanto, visa reunir todo esse trabalho incansável que está em constante mutação e transformação; artistas vão surgindo do vácuo, aumentando o número de entrevistas num processo quase eterno, porém gratificante.
Esse é o link:
domingo, 10 de julho de 2011
quarta-feira, 6 de julho de 2011
MARCHA DAS VADIAS
No Brasil, marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, e mesmoassim nossa sociedade acha graça quando um humorista faz piada sobre estupro, chegando aocúmulo de dizer que homens que estupram mulheres feias não merecem cadeia, mas um abraço;
Marchamos porque nos colocam rebolativas e caladas como mero pano de fundo em programas deTV nas tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nósmesmas como mero objeto de prazer e consumo dos homens; marchamos porque vivemos em umacultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindoem “santas” e “putas”, e muitas mulheres que denunciam estupro são acusadas de terem procuradoa violência pela forma como se comportam ou pela forma como estavam vestidas;
Marchamos porquea mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino seescandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas filhas e filhos;
Marchamosporque durante séculos as mulheres negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porquehoje empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas as mulheres, de todas asidades e classes sociais, sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica,psicológica, física ou sexual.
No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonhapela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nossoconsentimento;
Marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade desermos estupradas, quando são os homens que deveriam ser ensinados a não estuprar;
Marchamosporque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homensque se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual;
Marchamosporque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e,nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quaiselas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque sentimos que não podemos fazernada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente. Mas podemos.
Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porquetransamos antes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a umhomem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomoschamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas devadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, já fomoschamadas de vadias quando torturadas e estupradas por vários homens ao mesmo tempo durante aDitadura Militar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.
Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredirenquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓSSOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livresde rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossasexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamosnos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheresestupradas em qualquer circunstância, porque foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidadedestroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência é um dosdireitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hojee marcharemos até que todas sejamos livres.
Somos todas as mulheres do mundo! Mães, filhas, avós, putas, santas, vadias...todas merecemos respeito!
Carta Manifesto Marcha das Vadias – Brasília Reproduzida pelo Fórum Goiano de Mulheres – AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras)
terça-feira, 5 de julho de 2011
SEM PEDRIGREE
(Por Marcos Alves Lopes)
Perdi no esgoto um canino
gritei
entre perdigotos furtivos
um amigo encontrei
Perdido no esgoto
percebi
aquele suave perdigoto
era mesmo sem pedigree
Ao Filho da exclusão, MAIS um cachorro maldito
Perdi no esgoto um canino
gritei
entre perdigotos furtivos
um amigo encontrei
Perdido no esgoto
percebi
aquele suave perdigoto
era mesmo sem pedigree
Ao Filho da exclusão, MAIS um cachorro maldito
domingo, 3 de julho de 2011
sábado, 2 de julho de 2011
quinta-feira, 30 de junho de 2011
quarta-feira, 29 de junho de 2011
MANDANDO POLÍTICOS À MERDA
Dia 14 de março (2011) foi comemorado o dia nacional da poesia na Câmara de Vereadores de Goiânia, data que se refere ao aniversário do poeta Castro Alves. Fui chamado para o evento pelo produtor cultural Kaio Bruno, um dos organizadores. Além do poeta Luiz de Aquino, que presidiu a mesa, contava com a participação de Getúlio Targino e pela poetisa Leda Selma, respectivamente vice-presidente e primeira secretária da Academia Goiana de Letras. Também pela presidente da Academia Goiana de Letras, Heloísa Helena de Campos, e pelo presidente da União Brasileira de Escritores de Goiás, Edival Lourenço, além é claro, do presidente da Câmara dos Vereadores, Iram Saraiva. A minha primeira reação ao ser convidado a ler poesias de minha autoria nesse ambiente foi saber se eu poderia ou não mandar os políticos pra puta que pariu, caso contrário eu não iria. Apesar que pra xingar ninguém carece de autorização. Fui então pro evento armado com uma poesia que visava simplesmente cutucar a ferida dos políticos e que de forma "elegante" eu mandasse eles à merda. De repente, num mergulho sem rumo pela internet achei esse vídeo do dia do sarau. Muito mal gravado por sinal. Quem quiser ler a poesia na íntegra é só acessar esse link:
http://molholivre.blogspot.com/2011/03/ao-nao.html
segunda-feira, 27 de junho de 2011
POR UMA LITERATURA TARADINHA
(Por Rogério Skylab)
1- POR UMA LITERATURA TARADINHA - NELSON RODRIGUES
1- Com Nelson Rodrigues, o taradinho nasce.
Mas é um começo insípido, cercado de resistências por todos os lados. Estamos na década de 50, período em que Grande Sertão Veredas veio a lume. Mas essa é uma outra estória. O taradinho pertence à outra casta, seu habitat não é o laboratório. Na verdade, o taradinho pode estar ao seu lado, no ponto de ônibus, no supermercado. Ele é gente como a gente.
E Nelson percebeu isso. E todo mundo leu Nelson na Última Hora – foi lá que “A Vida como ela É” se desenvolveu, paulatinamente, como um folhetim. Só que cada conto tinha começo, meio e fim. E, a cada semana, o interesse do leitor era o mesmo. Não importa que a estrutura dos contos fosse a mesma, as suas dimensões idênticas, os temas iguais. Lia-se porque no final sempre havia uma surpresa. Se uma estória parecia repetir outra, eis que nos deparávamos com alguma variação. “A Vida como ela É” parece mesmo movida a pequenas variações dentro de um eixo invariável. E essa dupla marca, o mesmo e o diferente, o idêntico e o variável, expressa o jogo de opostos em que se assenta esses textos de Nelson. A tragédia em Nelson é sinônimo de um jogo de forças opostas que, não raramente, chega às raias do suicídio. A vingança está sempre presente. Não há solução nem síntese. O que predomina sempre é a reação, o contragolpe, ao final da estória. O escândalo causado por “Vestido de Noiva”, quando encenada pela primeira vez, faz parte dessa lógica. Até chegarmos a Marcelo Mirisola, uma longa história será trilhada. Em Marcelo Mirisola, o taradinho está finalmente consolidado, adquiriu maioridade. Mas em Nelson estão os seus primórdios. A tragédia o anuncia.
2- Dois textos me lembram sintomas desse novo personagem que vem à tona sob intensa resistência: “Túmulo sem Nome”, e, “O Vadio”. Não será de estranhar que o personagem dos referidos textos sofra intensa artilharia. Porque o que estão em jogo são valores antigos, tais como o casamento e a fidelidade. A questão em Nelson será liquidar o senso comum e a hipocrisia – a falsa aparência, contra a qual, vai usar toda sua verve. Pior que a ausência de valores, cujo maior exemplo é o taradinho, vai ser a falsa aparência. Nada pior do que esta.
Mas a este embate, sucederá um outro mais profundo e de vida ou morte. Será entre o taradinho e o velho mundo. Desse duelo implacável, Nelson nos dá belas marcas de sangue.
Em “Túmulo sem Nome”, Jubileu propõe um plano indecoroso: que sua noiva faça sexo com um amigo rico, antes do casamento; uma aventura que teria preço e lhes renderia bons dividendos – cem mil cruzeiros, o suficiente para tirarem o pé da lama e finalmente se casarem. Mas antes da resposta de Norma, existe um interregno. É o espaço silencioso do confrontamento, inenarrável, condição do universo de Nelson. Após o qual, Jubileu é escorraçado. O suicídio de Norma é decorrente de uma luta sem solução e nada expressa melhor o impasse de um conflito.
Em “O Vadio”, Euzébio Magalhães espera, impávido, a morte da mãe. Enquanto esta inventa a estória da lesão no coração, esperando que com isso o filho tomasse emenda, o efeito é oposto: ele aguarda a morte da mãe para pôr a mão na herança da velha. Quando essa situação é descoberta por Crisálida, sua noiva, diante do médico, que lhe confirma a boa saúde da velha, se sente num beco sem saída e morre atropelada. Mas é bom não esquecermos que, antes da situação esclarecida, Crisálida entra no jogo e aguarda com o noivo a morte de Dona Laura.
Em ambos os casos, um impasse sem solução. O desejo de constituir uma família, ao lado de quem tanto ama, é barrado por esse novo personagem, o taradinho. Em ambos os casos, a morte do velho mundo.
3- Mas vem a reação. E ela é sobretudo do velho mundo, quando Nelson Rodrigues é mais Nelson Rodrigues. São os momentos mais imprevisíveis, cheios de curvas, impasses, frutos de um conflito pavoroso, quando somos pegos no contrapé e o mundo dos valores morais são reafirmados. E eles o serão contra a hipocrisia moderna e o niilismo cético do taradinho. Porque nunca podemos perder de vista que aqui o universo é triádico: além dos amantes, tem o amigo que é o demônio, pela boca de quem são feitas confissões reveladoras, quando não, incentivos e sugestões. As partes do texto também são em três: a revelação, a prova e a reação. Nunca o início, meio e fim foram tão importantes. E essa estrutura dá ao narrador a onisciência que lhe permite, com suficiente distância da trama, manipular o sentido geral. Tão diferente de Mirisola, cujo narrador não sabe de nada e se deixa aprisionar na trama. Em Mirisola, existe uma clara opção: se deixar levar pela imagem, o jogo paradoxal delas, e se esquecer de si mesmo, ainda que haja controle, diferentemente de uma escrita automática.
Mas a reação em Nelson sempre vem, seja na forma de castigo, vingança, suicídio, ou qual forma que se revista. A resposta é certa, após a qual, o texto termina e o sentido geral é manifesto. Se em Mirisola não existe fim, em Nelson Rodrigues, muito pelo contrário, ele é fundamental.
4- Em “Flor de Laranjeira”, Carmelita, por mais que educada dentro da tradição católica do horror ao homem casado, mostra-se um protótipo do taradinho. Geme alto em seu primeiro beijo e se deixa levar pela paixão. Cabeleira, por sua vez, é um personagem complexo: tem escrúpulos morais, mas é produto do meio hipócrita. Ainda que inicialmente tivesse falado a verdade sobre seu estado civil, suspeitamos que mente. Após o beijo no cinema, algo lhe perturba em Carmelita – os seus gemidos altos, a sua entrega. Enjoa e quer chutá-la. E resolve mentir a Carmelita sobre seu estado civil, dizendo-lhe que é casado. A pronta decepção da menina é todavia relegada a segundo plano: no dia seguinte, vai ao escritório de Cabeleira e lhe diz que o aceita mesmo casado, com filhos ou sem filhos – “contigo, vou ao fim do mundo”. Diante dessa postura surpreendente, que enfia no saco as convenções sociais, o complexo Cabeleira se deixa penetrar mais pelas convenções: encontra o amigo Carvalhinho, que lhe oferece sua garçoniere, hábito entre os homens da época. E mergulhado até o pescoço a esse modus-vivendi, Cabeleira convida Crisálida a passar algumas horas no local. Mas como um ser atormentado, faz a ressalva de que é um “homem casado” (a entrega da pequena, os seus gemidos, o primeiro namoro – tudo isso lhe causava escrúpulos). Mas Carmelita não reproduzia as convenções sociais. Ela ta decidida a ir e se sente feliz.
No final, ele a segura nos braços, sentimental como diabo, informa que é solteiro, e diz as últimas frases do texto:
- Tu vais sair daqui, agorinha mesmo, já. Nem te beijo. Faço questão de me casar contigo, de véu, grinalda e outros bichos.
Essa fala carrega uma carga de duplicidade que, afinal, aponta um lado. Não é a duplicidade de quem oscila eternamente como no caso de Mirisola. É a duplicidade de quem, afinal, escolhe um lado, de quem confere uma resposta, depois da qual nada mais há a dizer.
Se o amigo que lhe empresta a garçoniere faz parte das convenções da época e de sua hipocrisia, nem Cabeleira nem Carmelita aderem a elas. Carmelita vai contra as convenções, aceitando aquele homem, mesmo casado; Cabeleira vai contra, não efetuando o ato. Mas escorraçando a parceira, ele apenas impediria que ela se entregasse (com outras, ele continuaria os encontros fortuitos). Antes que a última frase de sua fala final se constitua, chegamos a pensar em outros contos onde o mesmo fim se repete. Ele escorraça a parceira, defendendo uma convenção e indo contra o desejo taradinho. Mas ao completar sua última frase – “Faço questão de me casar contigo, de véu, grinalda e outros bichos”, ele não só nega o taradinho, quanto a convenção. Como se para chegar a um valor realmente moral, fosse preciso dramatizar todo esse percurso, indicando as mudanças, o embate de forças, não apenas no processo da estória, mas na última fala, quando o texto finalmente se conclui.
5- A literatura taradinha e a literatura experimentalista, por mais que se diferenciem e representem ramos diferentes do fazer literário, tem ao menos algo em comum: o repúdio às convenções, expondo á superfície o que a escola do realismo ingênuo tanto se esforçou em esconder. Contra esse naturalismo, o século XX nos terá sido marcante.
Mostrar o que foge do fundo psicológico e o processo do artifício, serão as estratégias postas em prática respectivamente por esses dois ramos da literatura no século passado.
Mas ao propormos uma história da literatura taradinha, estamos também focando um embate de forças em seu interior. E ninguém como Nelson terá dramatizado melhor esse embate.
Mas é um começo insípido, cercado de resistências por todos os lados. Estamos na década de 50, período em que Grande Sertão Veredas veio a lume. Mas essa é uma outra estória. O taradinho pertence à outra casta, seu habitat não é o laboratório. Na verdade, o taradinho pode estar ao seu lado, no ponto de ônibus, no supermercado. Ele é gente como a gente.
E Nelson percebeu isso. E todo mundo leu Nelson na Última Hora – foi lá que “A Vida como ela É” se desenvolveu, paulatinamente, como um folhetim. Só que cada conto tinha começo, meio e fim. E, a cada semana, o interesse do leitor era o mesmo. Não importa que a estrutura dos contos fosse a mesma, as suas dimensões idênticas, os temas iguais. Lia-se porque no final sempre havia uma surpresa. Se uma estória parecia repetir outra, eis que nos deparávamos com alguma variação. “A Vida como ela É” parece mesmo movida a pequenas variações dentro de um eixo invariável. E essa dupla marca, o mesmo e o diferente, o idêntico e o variável, expressa o jogo de opostos em que se assenta esses textos de Nelson. A tragédia em Nelson é sinônimo de um jogo de forças opostas que, não raramente, chega às raias do suicídio. A vingança está sempre presente. Não há solução nem síntese. O que predomina sempre é a reação, o contragolpe, ao final da estória. O escândalo causado por “Vestido de Noiva”, quando encenada pela primeira vez, faz parte dessa lógica. Até chegarmos a Marcelo Mirisola, uma longa história será trilhada. Em Marcelo Mirisola, o taradinho está finalmente consolidado, adquiriu maioridade. Mas em Nelson estão os seus primórdios. A tragédia o anuncia.
2- Dois textos me lembram sintomas desse novo personagem que vem à tona sob intensa resistência: “Túmulo sem Nome”, e, “O Vadio”. Não será de estranhar que o personagem dos referidos textos sofra intensa artilharia. Porque o que estão em jogo são valores antigos, tais como o casamento e a fidelidade. A questão em Nelson será liquidar o senso comum e a hipocrisia – a falsa aparência, contra a qual, vai usar toda sua verve. Pior que a ausência de valores, cujo maior exemplo é o taradinho, vai ser a falsa aparência. Nada pior do que esta.
Mas a este embate, sucederá um outro mais profundo e de vida ou morte. Será entre o taradinho e o velho mundo. Desse duelo implacável, Nelson nos dá belas marcas de sangue.
Em “Túmulo sem Nome”, Jubileu propõe um plano indecoroso: que sua noiva faça sexo com um amigo rico, antes do casamento; uma aventura que teria preço e lhes renderia bons dividendos – cem mil cruzeiros, o suficiente para tirarem o pé da lama e finalmente se casarem. Mas antes da resposta de Norma, existe um interregno. É o espaço silencioso do confrontamento, inenarrável, condição do universo de Nelson. Após o qual, Jubileu é escorraçado. O suicídio de Norma é decorrente de uma luta sem solução e nada expressa melhor o impasse de um conflito.
Em “O Vadio”, Euzébio Magalhães espera, impávido, a morte da mãe. Enquanto esta inventa a estória da lesão no coração, esperando que com isso o filho tomasse emenda, o efeito é oposto: ele aguarda a morte da mãe para pôr a mão na herança da velha. Quando essa situação é descoberta por Crisálida, sua noiva, diante do médico, que lhe confirma a boa saúde da velha, se sente num beco sem saída e morre atropelada. Mas é bom não esquecermos que, antes da situação esclarecida, Crisálida entra no jogo e aguarda com o noivo a morte de Dona Laura.
Em ambos os casos, um impasse sem solução. O desejo de constituir uma família, ao lado de quem tanto ama, é barrado por esse novo personagem, o taradinho. Em ambos os casos, a morte do velho mundo.
3- Mas vem a reação. E ela é sobretudo do velho mundo, quando Nelson Rodrigues é mais Nelson Rodrigues. São os momentos mais imprevisíveis, cheios de curvas, impasses, frutos de um conflito pavoroso, quando somos pegos no contrapé e o mundo dos valores morais são reafirmados. E eles o serão contra a hipocrisia moderna e o niilismo cético do taradinho. Porque nunca podemos perder de vista que aqui o universo é triádico: além dos amantes, tem o amigo que é o demônio, pela boca de quem são feitas confissões reveladoras, quando não, incentivos e sugestões. As partes do texto também são em três: a revelação, a prova e a reação. Nunca o início, meio e fim foram tão importantes. E essa estrutura dá ao narrador a onisciência que lhe permite, com suficiente distância da trama, manipular o sentido geral. Tão diferente de Mirisola, cujo narrador não sabe de nada e se deixa aprisionar na trama. Em Mirisola, existe uma clara opção: se deixar levar pela imagem, o jogo paradoxal delas, e se esquecer de si mesmo, ainda que haja controle, diferentemente de uma escrita automática.
Mas a reação em Nelson sempre vem, seja na forma de castigo, vingança, suicídio, ou qual forma que se revista. A resposta é certa, após a qual, o texto termina e o sentido geral é manifesto. Se em Mirisola não existe fim, em Nelson Rodrigues, muito pelo contrário, ele é fundamental.
4- Em “Flor de Laranjeira”, Carmelita, por mais que educada dentro da tradição católica do horror ao homem casado, mostra-se um protótipo do taradinho. Geme alto em seu primeiro beijo e se deixa levar pela paixão. Cabeleira, por sua vez, é um personagem complexo: tem escrúpulos morais, mas é produto do meio hipócrita. Ainda que inicialmente tivesse falado a verdade sobre seu estado civil, suspeitamos que mente. Após o beijo no cinema, algo lhe perturba em Carmelita – os seus gemidos altos, a sua entrega. Enjoa e quer chutá-la. E resolve mentir a Carmelita sobre seu estado civil, dizendo-lhe que é casado. A pronta decepção da menina é todavia relegada a segundo plano: no dia seguinte, vai ao escritório de Cabeleira e lhe diz que o aceita mesmo casado, com filhos ou sem filhos – “contigo, vou ao fim do mundo”. Diante dessa postura surpreendente, que enfia no saco as convenções sociais, o complexo Cabeleira se deixa penetrar mais pelas convenções: encontra o amigo Carvalhinho, que lhe oferece sua garçoniere, hábito entre os homens da época. E mergulhado até o pescoço a esse modus-vivendi, Cabeleira convida Crisálida a passar algumas horas no local. Mas como um ser atormentado, faz a ressalva de que é um “homem casado” (a entrega da pequena, os seus gemidos, o primeiro namoro – tudo isso lhe causava escrúpulos). Mas Carmelita não reproduzia as convenções sociais. Ela ta decidida a ir e se sente feliz.
No final, ele a segura nos braços, sentimental como diabo, informa que é solteiro, e diz as últimas frases do texto:
- Tu vais sair daqui, agorinha mesmo, já. Nem te beijo. Faço questão de me casar contigo, de véu, grinalda e outros bichos.
Essa fala carrega uma carga de duplicidade que, afinal, aponta um lado. Não é a duplicidade de quem oscila eternamente como no caso de Mirisola. É a duplicidade de quem, afinal, escolhe um lado, de quem confere uma resposta, depois da qual nada mais há a dizer.
Se o amigo que lhe empresta a garçoniere faz parte das convenções da época e de sua hipocrisia, nem Cabeleira nem Carmelita aderem a elas. Carmelita vai contra as convenções, aceitando aquele homem, mesmo casado; Cabeleira vai contra, não efetuando o ato. Mas escorraçando a parceira, ele apenas impediria que ela se entregasse (com outras, ele continuaria os encontros fortuitos). Antes que a última frase de sua fala final se constitua, chegamos a pensar em outros contos onde o mesmo fim se repete. Ele escorraça a parceira, defendendo uma convenção e indo contra o desejo taradinho. Mas ao completar sua última frase – “Faço questão de me casar contigo, de véu, grinalda e outros bichos”, ele não só nega o taradinho, quanto a convenção. Como se para chegar a um valor realmente moral, fosse preciso dramatizar todo esse percurso, indicando as mudanças, o embate de forças, não apenas no processo da estória, mas na última fala, quando o texto finalmente se conclui.
5- A literatura taradinha e a literatura experimentalista, por mais que se diferenciem e representem ramos diferentes do fazer literário, tem ao menos algo em comum: o repúdio às convenções, expondo á superfície o que a escola do realismo ingênuo tanto se esforçou em esconder. Contra esse naturalismo, o século XX nos terá sido marcante.
Mostrar o que foge do fundo psicológico e o processo do artifício, serão as estratégias postas em prática respectivamente por esses dois ramos da literatura no século passado.
Mas ao propormos uma história da literatura taradinha, estamos também focando um embate de forças em seu interior. E ninguém como Nelson terá dramatizado melhor esse embate.
2- POR UMA LITERATURA TARADINHA - DALTON TREVISAN
ALGUMAS NOTAS SOBRE O "VAMPIRO DE CURITIBA"
A história do vampiro está ligada ao confronto com o cristianismo. Drácula, que é a cristalização do mito do vampiro, escrito por Bram Stocker, representa a degradação dos valores morais e religiosos. Contra a Londres desenvolvida e industrial, é do leste europeu que o vampiro se origina. Daí porque não seria absurdo vincularmos o taradinho ao vampiro. Com Dalton Trevisan, o taradinho toma novo fôlego, se liberta da guerra que lhe foi imposta por Nelson Rodrigues. Porque agora a questão não é mais a restauração de valores morais, como o era em Nelson. E nem é a tecnologia dos países industrializados, com sua respectiva ideologia. O taradinho não é um fenômeno de laboratório e nem é um moralista; sua literatura tanto está distante do futurismo utópico – daí porque não se alinha às experiências de vanguarda -, quanto de qualquer espécie de restauração moral ou religiosa. Não podemos esquecer que o mito do vampiro está ligado ao decadentismo – esse período entre o século XIX e XX, em que o mal se localiza no interior de cada um – é o Retrato de Dorian Gray.
Esse vetor de interiorização vai estar presente na história da literatura taradinha, via Dalton Trevisan, até chegar em Marcelo Mirisola, quando, então, toma novos ares. Mas em Dalton Trevisan ainda ouvimos ecos de uma luta começada em Nelson Rodrigues.
2- A religião em Dalton Trevisan é uma constante: o herói em sua coroa de espinhos. Mas o pai de todos, a quem recorre o narrador ou o personagem Nelsinho, não é um interventor. Entre Pai e Filho, o abismo. Cumpre-se às cegas o destino, e ao herói compete fazer o que deve ser feito – sua vontade própria não tem a menor importância. Em “A Noite da Paixão”, que fecha o livro, Nelsinho afirma: “Que se faça a sua vontade, Senhor, e não a minha”. Ou então “que se faça o que deve ser feito”. A razão é insuficiente, seja para compreender, seja para tomar decisões. Em vários momentos, nos vemos diante de um herói levado a fazer coisas das quais não gostaria, mas que se sente incapaz de dizer não. Em “Visita à Professora”, existe um bar dos marinheiros e uma dama dourada que o espera e, no entanto, ao longo do texto, Nelsinho é levado a protelar a despedida à sua antiga professora. É como o canto das sereias, diante do qual, Ulisses terá que recorrer a um tampão de ouvido porque por si mesmo é incapaz de resistir. Em “O Vampiro de Curitiba”, texto que dá nome ao livro e o abre, o narrador alerta Nelsinho: “ não olhe infeliz! Não olhe que você está perdido”.
3- Mas ao contrário do universo de Nelson Rodrigues, em que as forças de oposição estão bem delineadas, nos textos de Dalton Trevisan, ainda que as personas se diferenciem, começa a existir uma ambigüidade: em alguns textos, o vampiro é Nelsinho; em outros, ele é que é vampirizado por uma mulher; em outros, o vampiro é os dois. É como se houvesse uma relação de interdependência, que mina a lógica da oposição tão presente em Nelson Rodrigues e responsável nele pela tragédia. Em Dalton Trevisan, se há tragédia, ela o é pela entrega. E novamente recorremos ao mito do vampiro porque a idéia de contaminação e da mulher fatal alimenta esse mito: “É interessante notar que, dentre os precursores poéticos da literatura vampírica, boa parte dos vampiros são mulheres. No transcorrer do tempo, com a consolidação do tema na prosa, o estereótipo vampírico de mulher fatal vai se transmutar no nobre parasita do sexo masculino” (“O Vampiro antes do Drácula”, pág. 28, Marta Argel , e, Humberto Moura Neto).
A questão das epidemias, por outro lado, é certamente um problema que, por não ser resolvido na época, foi outro motivo que serviu de estofo para a criação do mito.
“Chapeuzinho Vermelho”, texto dos mais importantes no livro, onde novamente Dalton Trevisan recorre ao mito, desta vez do clássico da estória infantil, vai nos dar um bom exemplo dessa relação de interdependência: quem é o vampiro? A jovem ou a velha? Existe o personagem e o narrador que o corrige, informando-nos seus erros. À filha, nosso herói afirma: “é velha demais para mim”. À velha, ele diz: “tão jovem”. Por fim, o narrador se pergunta: “ era a avozinha ou no quimono fulgurante da seda, o próprio lobo? Personificar o lobo na velha e esta na jovem, será próprio do artifício. Não é ainda o paradoxo de Mirisola. Mas a ele caminha decididamente. Porque no paradoxo está implícito um só elemento sendo duas coisas contrárias ao mesmo tempo – refere-se à lógica do sentido. Mas nos travestimentos, existe um ser que virou outro, assim como a picada de um vampiro pode fazer de sua vítima outra vampiro. Em “Eterna Saudade”, nosso herói Nelsinho afirma: “minha perdição é a falsa loira. Cabelo oxigenado, sobrancelha bem preta”. Esse amor ao falso não quer restaurar nada, antes quer errar. Muito menos saber de si. O taradinho, assim como o vampiro foi a vitória do contra-senso na Europa das luzes, insiste em se iludir. Adora picar. Outras vezes, ser picado. A vítima e o algoz se identificam. Em “ Incidente na Loja”, depois de forçar o sexo com a lojista, ele se pergunta: ai, Senhor, de nós dois qual a vítima?
4- Um aspecto a ser lembrado em Dalton Trevisan, é o estranho narrador de suas estórias. Diferentemente de Nelson Rodrigues, cujo narrador está além do que se sucede, em Trevisan o narrador pode ser vários. Ele pode estar devidamente distante como em Nelson Rodrigues, ele pode repreender o herói (“não roa a unha, desgraçado, que está perdido”), e ele pode ser o próprio herói (“Estou cansado, Senhor, são tantas mulheres e eu tão sozinho”). É o que sucede em “O Incidente na Loja”, onde o narrador se traveste dos três sucessivamente. É nesse sentido que o narrador sai do seu pedestal e se transmuta no texto. Ainda assim, estamos tratando das várias vozes que o narrador toma emprestado. Sabemos distinguir sua atual máscara. A questão se complica em Mirisola porque nele é tudo ao mesmo tempo agora: o embaralhamento que complica; não é a sucessão das máscaras, é a junção delas no instante.
Um texto em Trevisan que elucida essa técnica narrativa é “Debaixo da Ponte Preta”: cada personagem tem sua versão para o mesmo fato, e cada versão difere da outra. Não se sabe mais o que exatamente aconteceu: a verdade toma a forma de cada personagem. Essas máscaras que contaminam a narração, ao menos se distinguem entre si. Mantém cada uma delas sua identidade. A grande contribuição, pois, de Dalton Trevisan à História da Literatura Taradinha, foi ter proposto o travestimento. Em alguns contos como “Herói Perdido” ou “Visita à Professora”, conseguimos vislumbrar o real e seu travestimento narrativo. Esse real que nosso herói faz questão de não ver para se evadir na narrativa.
5- Ainda que nos textos de Dalton Trevisan testemunhemos uma sucessão de máscaras, cada uma guardando sua identidade, mesmo assim, entre elas vai existir alguma semelhança. E isso é o suficiente para o encontro. Em “A Noite da Paixão”, o martírio do nosso herói nos faz lembrar o martírio de Cristo. No quarto com a prostituta, ele diz: “toma e coma: isto é o meu corpo”. Em “As Uvas”, diante da clássica broxada do nosso herói, Ivone exclama: “Igualzinho ao Vivi!” (com quem ela vivia e que já pegara em beijos com o filho do porteiro).
Em “O Vampiro de Curitiba”, no seu tour pelas ruas, vale a pena enumerar as características das mulheres que ele vê:
1- “virgens cruéis”;
2- “beijo de virgem é mordida de bicho cabeludo”;
3- “maldita feiticeira, queimá-la viva, em fogo lento”;
4- “Por que a mão no bolso, querida? Mão cabeluda de Lubisomem. Não olhe agora. Cara feia, está perdido”;
5- “Toda família tem uma virgem abrasada”
Agora, as sua próprias característica:
1- “eu bode imundo e chifrudo”;
2- “hei de chupar a carótida de uma por uma”;
3- “Ninguém diga sou taradinho. No fundo de cada filho de família dorme um vampiro”;
4-“Elas fizeram o que sou: oco de pau podre, onde floresce aranha, cobra, escorpião”.
Estamos longe das forças de oposição que predominavam em Nelson Rodrigues e justificavam a perseguição ao taradinho. Neste novo habitat, o taradinho encontra sua gêmea alma e um é produto do outro. Finalmente, pode respirar, ainda que sinta sua experiência como um martírio – o próprio cão girando para morder o rabo. Se em Nelson Rodrigues o inimigo estava fora, agora passou pra dentro. E em tudo isso, um toque do decadentismo que nos faz lembrar Oscar Wilde ( O Retrato de Dorian Gray) e Baudelaire (Les Metamorphoses du Vampire): “ o período se apropria do vampiro para fazer dele um sintoma, para fixar as manifestações de neurose e do mal-estar da alma que acometia a sociedade, que afinal, parecia compreender que o verdadeiro mal vinha de seu interior” (“O Vampiro antes do Drácula”, Marta Argel, e, Humberto Moura Neto).
Após essa etapa, vai nos restar a superfície. Mas aí é com Marcelo Mirisola. É quando o taradinho atinge a maioridade.
3- POR UMA LITERATURA TARADINHA - MARCELO MIRISOLA
No conto “Taradinho Parte Dois” de Marcelo Mirisola, em seu livro “Fátima fez os pés para mostrar na choperia”, primeiro livro de sua ficção decadentista,do ano de 1998, existe uma tentativa de definição da prática tarada. Definição indefinida. Monólogo longe do fluxo de consciência porque aqui o que se pratica é, sobretudo, o controle, a usurpação das imagens. Mas um controle que pretende proceder à dispensa da unidade: controlar para não permitir que se caia nas malhas da identidade.
Ainda que algumas fontes de referência sejam citadas, como é o caso de Henry Miller e Walt Whitman, nem com esses a prosa de Mirisola se identifica, porque lhes faltariam o estilo forjado que sobra nele. É como se caíssemos num jogo de ilusão a que o autor nos leva. Porra louquice extremamente racional, ainda assim poderíamos cair na tentação de aproximá-lo à literatura beat. E nada mais distante.
2- Daí porque nem ideologia, nem o si-mesmo, os textos constróem um espaço próprio à experiência tarada: tirando proveito de si-mesmo, das experiências sacanas e egoístas, mas também tirando proveito dos esquemas significativos e ideológicos. Tirar proveito não significa ser. É uma experiência pragmática que o leva, não a entrar em choque e nem a se identificar, mas a um termo continuamente renovado para futuros golpes. Rivalizando em importância com “Taradinho Parte Dois”, “Quem é Wadih Jorge Wadih?” vai nos dar uma cartografia desse estranho eu, enquanto o primeiro tenta alinhavar a experiência tarada.
3- Nem tesão, nem gozo. Se nos esquemas ideológicos, onde se situam o marketing e os profissionais de toda ordem, existe gozo sem tesão, no si-mesmo prepondera a tesão sem gozo, o trepar e o bulinar em pensamento. A experiência do taradinho no espaço intermediário do supermercado, não é tesão nem gozo, e isso terá conseqüências na linguagem, agora não mais linear, como o era em Nelson e Dalton Trevisan, mas amarrada, gaga. A linguagem de um taradinho no supermercado é banal, mas carregada de intensidade. Se compararmos o texto de Mirisola com o “Catatau” de Paulo Leminski, ambos radicais, vamos vislumbrar tamanhas diferenças, como se pisássemos diferentes continentes. No “Catatau”, a experiência da linguagem chega ao ponto do neologismo; estamos no plano do significante, tontos diante da diabrura da linguagem, quase sem alma, na superfície. Em Mirisola, ao contrário, afirma-se a banalidade, a linguagem comum. Estamos diante de um texto que flui como na linguagem comum. A questão é a intensidade que pulsa nas frases: é o taradinho pedindo coca-cola, ou perguntando as horas, ou tomando no gargalo. Esse deslocamento, esse novo espaço do supermercado, funciona como uma substituição: são os sintomas que são importantes. Daí porque nem mais tesão, nem mais gozo. A diferença entre a linguagem comum, repleta de intensidade na sua prática cotidiana, e o texto de Mirisola, é que neste último não há nada inconsciente. Ele encena, através do excesso, o sintoma. Busca o paradoxo e o expõe à superfície do texto, quando só a custa de muita teoria poderíamos atingi-lo ou explicá-lo. Em “Parque Sideral”, ele afirma: “antes da praia é bom saber que um bocado de coisas estão acontecendo por lá... Chamam de inconsciente”.
4- O plano de fuga, que tem a ver com travessia, deslocamento, à contragosto, e fluidez, significa fuga de si e dos outros. É o contrário de não saber, é antes de tudo não pertencer. É quando, na travessia do ônibus, entre o supermercado e a praia, o taradinho não pode mais contar consigo mesmo.
Daí a idéia de movimento que a ficção de Mirisola nos remete, sem chegar a lugar algum. A eloqüência e a retórica do seu texto são o que melhor expressam esse processo contínuo de deslocamento, nomadismo, de idas e vindas sem fim. Às vezes, períodos longos, outras vezes, curtos como unha necrosada. Mas antes de tudo, retórica. Daí porque, resguardadas as devidas diferenças, poderíamos filiá-lo à tradição da literatura taradinha a que faz parte Nelson Rodrigues e que nos remete a Dalton Trevisan – Mirisola é o ápice dessa tradição, seu ponto limite, quando a linguagem se descola e se basta. Em “Mas um cara doce como eu?”, ele diz: “ é por causa da minha eloqüência. De vez em quando até eu me acho eloqüente e tarado. Um pouco mais eloqüente do que tarado”. A condição, pois, do taradinho é a eloquência, ou, em outras palavras, ser taradinho é uma questão de linguagem.
5- Mas quem é esse estranho “eu” que habita sua ficção? Desde o primeiro texto “Quem disse que resisti trinta anos?”, passando por “Carta de Amor” – “quem disse que não? Quem disse que não nos amamos?” – o “quem disse” é recorrente. Porque através dele coloca-se em questão não somente o dito, mas, principalmente, quem o disse. Esse estranho eu é duplo, daí a auto-sacanagem. Diante desse fundo duplo, ou fundo falso, quais não serão as vicissitudes da aparência? Esse é o estranhamento do texto: dizer e desdizer. Diante do qual, o leitor comum interromperia a leitura, não houvesse um humor que nos convidasse a navegar mesmo sem direção. E esse dilema, encenado por Mirisola “no espelho” em “ Quem é Wadih Jorge Wadih?”, informa por fim a desnecessidade de dar amparo a aparência e do quanto desastrado seria aquele que viesse a abandonar o espelho e destruir a imagem. A opção é clara, malgrado todas as tentativas de se desdizer. A opção é ignorar a si-mesmo, daí o “quem disse”. A experiência do enlouquecimento é a aventura de uma ausência, é a travessia do taradinho, pra quem a broxada chega a ter status maior que a tesão. Decadentismo porque o parque de diversões é decadente, é ruína, em “Parque Sideral”, além de moralmente corrupto. Na história da literatura brasileira, Mirisola ocupa posição privilegiada porque depois dele um novo ciclo se inicia, ainda que, em seus primeiros passos, restaurando o realismo ingênuo do século XIX. Mas de nada valerá o recalcamento. Para o desenvolvimento do novo, cumpre olhar não só a história do experimentalismo brasileiro no século XX, como também a história da literatura taradinha, não para inserirmo-nos dentro do que seria já impossível, mas para nos ajudar a vislumbrar com mais clareza outras alternativas.
6- E toda essa história me faz lembrar novamente Júpiter Maçã: “me sinto um pouco decadente, mas com estilo”. Tanto Júpiter quanto Mirisola são os últimos representantes de um ciclo que já não existe mais. E isso também é a experiência do taradinho: o que trapaceia e o que se deixa trapacear; o que atira flexas e ao mesmo tempo dá seu corpo à elas; o que tripudia e se deixa tripudiar. Aos ecos de Shopenhauer, termino com uma última ironia que consta de “Parque Sideral”: “ minha pessoa sou eu – o que é muito divertido, aliás. Minha pessoa? Ah sim, um minuto, vou chamá-la”.
sábado, 25 de junho de 2011
ACHEI LIVRO!
A proposta do projeto Achei um livro! criado pelo kaio Bruno, visa divulgação de literatura para um maior número de pessoas possíveis. A idéia é deixar livros em vários pontos da cidade (pontos de ônibus, praças, bares, etc), para as pessoas lerem e colocarem em algum outro lugar. Circulação total de livros. Penetração cultural. É isso aí, vamos ler!
quinta-feira, 23 de junho de 2011
ESTRÉIA EM LIVRO
Através do produtor cultural, poeta e músico kaio Bruno, e da coleção Deus é mais, está pra sair um livro de minha autoria. Na verdade será um livro de bolso de poucas páginas, porém tento nessa limitação de espaço representar toda a asfixia que sinto perante esse mundo frio e pragmático rodeado de engrenagens, máquinas, peças e vapores. A doença que a Revolução Industrial nos trouxe e que em mim fez morada e câncer. Aí vai um poema que consta nesse livro cujo título será MÁQUINAS E MÁSCARAS que sairá em setembro:
CANTO SUBALTERNO DA NOITE
(Por Diego El Khouri)
(Por Diego El Khouri)
Anjos de pingulim multicolorido
suspendem a manhã entristecida
no estômago transparecem manhãs
há um câncer corroendo o abdômen
a máquina surrando minha voz.
A sós com a própria consciência
a máquina fortalecendo todos os nós.
“Venha a nós o vosso reino
seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu
o patrão nosso de cada dia nos daí hoje
Perdoai as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos aqueles
que nos tem fudido
e NOS DEIXEI cair em tentação
mas livrai nos do mau, amém”.
****
O seu corpo estreita
todos os quadris da mente
pela volúpia crescem olheiras
aranhas céus de bosta no âmago
traçando planos
uns indefiníveis, outros intransponíveis
sortilégios no solilóquio dos sonhos
a irmã do patrão lambuza falos
na bronha enfadonha do silêncio
a calça arrebenta
ela fede
esse cristal líquido de esperma
que escorre pelas pernas
ela fede
(engole a vida, me esquece)
ela fede
e por mais que ela mete
ela fede
aquelas rugas sem graça
sem história, sem pecado
aquela boca murcha, safada
com cactos chulos de orgasmo
pele, ventre e buceta
o amor resplandecendo o palor
numa luz sem brilho sem dor
os desejos em redemoinho
“a vida além do que se vê”
Assinar:
Postagens (Atom)