domingo, 31 de outubro de 2010

GLAUCO MATTOSO - O "POETA DA CRUELDADE"

Entrevista  que consta na primeira edição do  fanzine CAMA SURTA, o "folhetim coprofáfico filosófico desimportante" .

(Por Diego El Khouri)

Literatura pra mim "já foi glaucoma, hoje é cegueira. Já foi telescópio, microscópio e caleidoscópio, hoje é prato em que cuspo, vomito e choro."
Glauco Mattoso, paulistano nascido em 1951, é um marco zero na literatura mundial. Com recorde de mais de 3000 sonetos (escrito em menos de dez anos) , esse pós maldito (como prefere ser chamado) é um forte exemplo daqueles que conseguem juntar poesia e vida numa intensidade única. Aliás, essa idéia nunca pode dissociar. Filho da tragédia ele vem compondo compulsivamente, desesperadamente numa loucura sem tamanho. Vítima da cegueira aos 40 anos de idade, esse revoltado por condição existencial, volta ao poema clássico abandonando o verso livre dos primeiros anos de literatura. Mas com ele o soneto assume um caráter diferente. Usando de uma forma metrificada perfeitamente ele consegue subvertê-la levando o leitor a sensações únicas.
Podridão e lirismo. Amor e ódio. Visão e cegueira.
Sua poética é uma arma contra os seus traumas íntimos. Vítima dos outros garotos e por sofrer glaucoma (por isso seu apelido), portanto sendo então uma criança frágil, é violentado inúmeras vezes. Na juventude ingressa na literatura e em inúmeros casos sádicos. Já aos 40 anos de idade e cego por completo se deixa abusar novamente por crer ser apenas um bicho e não homem. A literatura foi o que o salvou...
"De dentro da minha cegueira, vejo que, para a poesia, a única tendência vital será o retorno às origens, ou seja, em vez de buscar a visualidade, recuperar a oralidade".
Tive o prazer de entrevista-lo e coloco aqui na íntegra sem cortes toda a entrevista.
Mantive a linguagem original do Glauco, pois por não aceitar a  nova reforma da língua portuguesa ele adotou a antiga ortografia.
Aí está:

[1] Dentro de um quadro onde há tabus, preconceitos e a valorização
excessiva da higiene, em terra inculta o que é ser um "poeta sujo", ao
mesmo tempo clássico, conceitual e, para arrematar, cego, homossexual,
podólatra e sadomasoquista?
 


GM: A sujeira e a podridão sempre fizeram parte da maldicção litteraria.
Sade era muito coprophilo, Bocage era escatologico, Genet tambem. A
esthetica punk accrescentou mais uma pitadinha de nojeira nessa porcaria
toda. Commigo a coisa foi cumulativa: herdei o patrimonio fescennino dos
goliardos, dos maldictos, e passei pelas phases hippie e punk, com toda
a antihygiene inclusa. Mas, sendo cego, fetichista, sadomasochista e
veado, a coisa se aggrava. Eu diria que, sendo o Brasil um paiz bem
viralata, quem quizer assumir o rotulo de "sujo" tem mesmo que estar um
pouco acima da media... Mas ser um poeta sujo não é apenas chafurdar na
merda: é saber jogal-a no ventilador, saber fazer della boas tortas para
atirar na cara dos politicamente correctos.

 

[2] Você é realmente o que diz em suas poesias ou é apenas uma alienação
para fugir da dor vivente?



GM: As duas coisas, como ja dizia Pessoa. Sou personagem de mim mesmo e
exaggero, como todo poeta visceral, mas a contradicção tambem faz parte
da lenda dum maldicto. Então, tenho meu lado careta e accommodado.


[3] Como já dizia o profeta do caos Timothy Leary, "a marginalidade é
formada por aqueles que estão 'out' - aqueles que não tem acesso ao
poder estabelecido involuntariamente por miséria, ou voluntariamente por
escolha estética religiosa". Vivendo em um país de terceiro mundo, sendo
portanto um marginal por condição, cinéfilo inveterado e amante de
quadrinhos, como conceber ser um cego em meio a esse quadro?
 


GM: De facto, ser um outsider no Terceiro Mundo é algo bem mais
underground que ser underdog no Primeiro Mundo. Mas meu caso não é
questão de mera opção esthetica, é fatalidade mesmo. Eu ja nasci
enxergando mal e ja sabia que perderia a visão. Foi uma tortura lenta,
que me ensinou a ser masochista para compensar e a fazer poesia para
desabafar a revolta. Hoje, cada pau que eu chupo, cada pé que eu lambo,
me torna mais consciente de que o mundo foi feito para os que podem se
aproveitar dos que estão por baixo. Christo dava a outra face à
bofetada. Eu, que não sou sancto, offereço a bocca ao proximo pau e a

lingua à proxima sola. Dahi tiro meus themas mais authenticos.
[4] Qual a maior diferença do poeta antes e depois da cegueira?

GM: A principal differença foi que antes eu era anarchista e iconoclasta
meio a serio, meio de brincadeira. Hoje sou um palhaço a serio,
consciente de que minha missão é divertir meus leitores emquanto eu
choro.

 
[5] Como o mundo acadêmico vê hoje sua obra? Há alguma repulsa devido
aos termos contundentes que utiliza?

 
GM: Repulsa sempre ha, tanto da parte da critica quanto dos editores ou
leitores, mas o circulo dos que reconhecem meu trabalho é sufficiente
para me dar respaldo. Sou objecto de theses e cursos, aqui e no
exterior. Um caso pathologico, como Augusto dos Anjos ou Giuseppe Belli.
Mas tem hora que fico desanimado com tanta indifferença (ou boycotte) da
midia e do meio editorial, ja que meu caso não é apenas "mais um" de
maldicção litteraria. Si eu fizesse tudo que faço, mais de trez mil
sonetos em menos de dez annos, num computador para cegos, fora os
romances, contos, artigos e columnas na imprensa, mas fosse nascido na
Europa ou nos States, com certeza ja teria apparecido algum Sartre para
me "canonizar", algum editor para bancar minha obra completa em
papel-biblia, algum cineasta para filmar minha vida, algum dramaturgo
para me transformar em peça theatral, algum director musical para me
thematizar na Broadway. Mas é assim mesmo, ser fodido no Terceiro Mundo
é mais heroico por causa desses aggravantes.
 

[6] Quais são suas referências literárias, o que mais te chocou e o que
não sai da sua cabeça em questão de arte?

GM: Dos referenciaes ja fallei muito, são aquelles maldictos de sempre,
de Villon a Genet, passando por Sade e Masoch, Bocage e Gregorio,
Aretino e Belli, mas o que não me sae da memoria visual é a scena de
"Laranja mechanica" em que o perdedor tem que lamber a sola de quem o
pune. Commigo foi assim desde menino, sendo eu victima dos moleques mais
saudaveis, por isso a scena tem esse gostinho especial para mim, que sou
perdedor assumido, o "loser" que só pode se vingar compondo sonetos.

 
[7] Você pensa como Roberto Piva, "a poesia sempre será uma arte
minoritária"?
 


GM: Sim, sou amigo do Piva e discordo delle em muitos pontos, mas elle
está certo. Poesia é para um pequeno circulo de appreciadores meio
pirados, meio sonhadores, meio illuminados.
 


[8] Rimbaud dizia que "o poeta é mesmo ladrão de fogo". Octavio Paz já
acreditava que "a poesia é a subversão do corpo". Breton afirmava que
"poesia é a orgia mais fascinante ao alcance do homem". Álvares de
Azevedo dizia que "o fim da poesia é o belo" e Baudelaire que "a arte é
prostituição". Pra você o que é poesia?


GM: Ja defini a poesia como "uma metralhadora na mão dum palhaço". Pode
ser inoffensiva, mas nada nem ninguem está blindado contra ella,
principalmente si o "blind" é o proprio poeta... (risos)



[9] o que é a Morte pra você? Existe alguma salvação para a humanidade
ou cada dia mais declinará em sua podridão hipócrita e torturante?
 


GM: Tem que existir vida após a morte, claro. Sinão, como poderemos
cobrar pessoalmente de Deus, ou do Diabo (o que dá na mesma) tudo
aquillo que elle nos deve? Si elle irá pagar, ou si ainda seremos mais
taxados, ahi ja é outra historia...
 


[10] Por fim ( tudo merece um fim, até essa entrevista) o que você diria
para aqueles aspirantes a poetas que desejam publicar um livro mas não
sabem e não conhecem os meios para tal?


GM: Que façam como eu ou você, publiquem um zine. Comecei assim,
independente, e a persistencia sommada à qualidade mais a quantidade
mais o passar dos annos, tudo juncto, consolidará uma obra. O importante
é que o conteudo seja fiel à biographia do auctor. De phantasia está a
Disneylandia cheia. Outra coisa é não querer ser genio precoce, pois de
Rimbauds frustrados estão os presidios e manicomios cheios. Afinal, é
melhor ser bandido e louco do lado de fora, né mesmo? Ja basta a prisão
da cegueira, no meu caso, que aliaz é perpetua... (risos)

[outubro/2009]

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terça-feira, 26 de outubro de 2010

LA BOEMIA


La boemia. A noite e suas nuances, suas dores e lamentos, seus amores e ardores. A noite bela e indevassável... A boemia. Os olhares e as bocas. A junção dos paradoxos. O tesão com o sublime.O carnal com o espiritual. Pra quem é boêmio (como eu) sabe a vivência estranha e intensa que se dá a noite nos bares e lugares diversos. Sabe a carga de poesia e loucura que nela se encontra e as diversas vidas que nos apossam em tom de experiência e conhecimento.

. Esse desenho, cujo título é "La Boemia", feito com lápis 6B foi exposto em  novembro de 2009 no CLUBE DE ENGENHARIA. Logo mais postarei mais trabalhos de minha autoria  no campo das artes visuais.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

COMPANHEIRO ALQUÍMICO

Ivan, companheiro alquímico,
eu minto toda vez que digo
que sou poeta e omito o que sinto e digo
: em verdade escrevo tudo que vivo.

Das coisas mais tristes e banais
exorcizo até a última gota o abismo.
Sem destino sigo o caminho.
A força como um estupro roubo a vida

e reclamo a deus uma nova sina.
Sou o poeta das tardes frias e das manhãs cinzas.
Um bardo cheio de vícios e sozinho.

Se profanei até o divino
não foi porque quiz; em desespero e por um triz
eu clamo a luz, deus e um novo caminho.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

SENTIR

Olho nos teus olhos. sinto a viração embalar meus cabelos em desalinho. o mar que odeio molhar meu espírito em febre, a loucura banhar meu corpo e me abandonar como uma cristo negligente, — a vida sorrindo com o terço jogado no chão enlameado de sangue e volúpia. alguns dias perdido num mundo virtual. mundo do meu agrado. sombra e mormaço. tua fala mansa que mesmo sem ouvir entrava em minha alma. sentia deus e se ele existe era confortador. lembro de Kant. ah foda-se! se tem um martelo na mão por que filosofia? Nietzsche era um filósofo de armas e se escovava os dentes não sei. você em sua infinita gentileza lia meus textos e numa gentileza ainda maior ria deles e falava mau,caçoava,dava sua mais real opinião. você odeia poesia e eu odeio os poetas que usam calça comprida e sapato de camurça.vi ontem deus lavando sua bunda. era gorda e macia.e que bunda! há muito não defloro uma bunda assim! estava perdido denovo. esqueci os relatórios e o pit Bull que deflora minhas ações está ali comendo a escrava sexual do patrão. tremo de medo desse filho da puta cheio de pelos que atravanca meu caminho. e Ela. Ela denovo. estou na “net”. dialogo com ela. Ela odeia Jackson Pollock e diz que Saramago se vendeu antes de entregar a sua alma ao deus monetário. denovo esse deus onipotente com barba branca e ceroula verde. Entendi o que Ela quis dizer. não tenho estilo. o que tenho é um retrato mau acabado de uma história de prisões e marturbações nunca realizadas. ouço jazz. bebo muito vinho.Miles Davis enclausurado na rádio. Stravinsky vibra cortinas e corpos parecem se contorcer em todas as partes e ouço tudo: a vida se amando, os vizinhos se amando todos se amando e eu tomando café gelado espero uma nova aurora. o nome dela não interessa. é uma artista e isso não faz muito sentido... é uma buceta nua num mar de pelos atravancando meu caminho.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

LA CONTEMPORANEIDAD



A desvalorização dos conceitos  tradicionais da arte no mundo contemporâneo nos revelou uma faceta ainda não questionada por boa parte das pessoas em se tratando da visão geral, globalizada e significativa  dos elementos que caracterizam a arte tanto no mercado quanto fora dele. Questão essa apontada agora, mas que já se discutia nas vanguardas, época de total ruptura e quebra de tabus ideologicamente, estrutural, técnica e filosófica, que foi o que se propôs em cada movimento. Romper com os cânones da arte, modificar as formas visuais e conceitos culminou naquilo que seria arte “boa ou ruim”. Mas o que poderíamos dizer dessa palavrinha tão usada no mundo acadêmico? Cânone nada mais é que o “conjunto de regras, modelos, normas, com uma força de lei” tendo como figura representativa a arte grega, a beleza eterna e  ideal. Destruindo essa  máxima kantiana de que a arte deve realizar-se de acordo com os arquétipos tendo a razão como fundamento de criação vinculada  a idealização sublime do belo, notamos que é esse o fio condutor gerador de polêmicas que abrirá as portas da nova percepção visual. Antes de se produzir uma obra a idéia já está difundida no seu cerne e ela que é a geradora da arte nos dias atuais, mais do que a técnica ou os materiais utilizados. Como já afirmava o artista plástico falecido em agosto de 1956 ,Jackson Pollock, o artista moderno  não precisa sair dentro de si , basta olhar em seu interior com olhos livres de qualquer amarra e o ambiente ao redor não é mais tão importante quanto os próprios anseios, diferente do mundo clássico, onde o local, a paisagem ao redor, as situações de outrem, desejos comuns da sociedade, pensamento geral, etc era o que regia o senso comum e propriamente essa palavra tão repetida exaustivamente nesse pequeno ensaio: a Arte.
O rompimento com a arte clássica foi quase que uma fratura no racionalismo defendido por Platão, Aristóteles e seus sucessores modernos. Destruiu a base da coluna dorsal e modificou inclusive o pensamento geral da sociedade. Nietzsche condenava arduamente a visão apolínea  platônica. Sócrates ao lado de seu discípulo  transformaram o planeta. Os gregos antes deles valorizavam o espírito dionisíaco e as sensações, diferente desses filósofos que acreditavam na racionalidade a coisa mais importante do homem. E o que é a arte contemporânea senão a valorização, sobretudo da idéia e uma negação parcial do exagero da racionalidade? É a fusão dos dois conceitos antes e depois da era platônica: o Dionísio se entrelaçando com o apolíneo, o pensamento junto com os instintos, razão e não razão, loucura e lucidez, amor e ódio, sexo e espírito.

Para a visão castrada dos acadêmicos necrófilos de mente turva  e nobre o que distingue o Ser pensante do “leigo cultural” é a nobreza e elegância que cada um desses seres díspares trazem em si. Uma explosão sem cheiro nem cor, um cancro enobrecido de sorrisos gentis e uma alegria sem nome e profundidade. Conteúdo artístico é portanto beleza sem essência, repetição sem criatividade, amor sem tesão, beijo sem língua. O que é imagem e percepção visual?  É preciso ser ausente de pele e poros para se criar uma obra de qualidade?  Se fechar dento de si e se resguardar das vicitudes da vida e se gabar da covardia, elemento de refração característica da sociedade pós moderna perante um mundo capitalista e pragmático? Há uma classe de “artistas” imperando os “castelos da sabedoria”. São seres de mentes fechadas e que não limpam o cu ao cagar. Sentam em suas cadeiras em cima de roupas de linho puro e tricotam a vida dentro duma caixinha de caretice e moralidade. Peito e bunda, bunda e peito pra eles não tem vez. Nem mijar nos muros ao som do amor e da alegria. A existência sem limites... Quero  dançar em seus túmulos ao som dos ditirambos com as velas da volúpia eretas

“Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas  sem nada de bondade e sem nada de maldade”. Odeio inclusive escolas de arte onde alunos ouvem e não ouvem. Enxergam e não enxergam. Não encaram a arte como uma espécie de laboratório (onde se possa utilizar inúmeras técnicas e experiências) mas sim como terapia ocupacional. “Ah não quero desenhar, professor! Estou cansadinho (a)! “Oh que horror essa pintura! Não tem florzinhas?” “Mondrian é arte”? “Ui ui! Que medo! ele não sabe de nada!”

Os meus olhos respiram ar e essência --  passionalidade ao extremo. Sou latino americano! Criado com pimenta e eloqüência! O exagero é nossa jóia principal. Nossa válvula de escape, nosso desvio, nossa alucinação. Assim como o sexo e o (carna)val. Sou fiel quando sou sincero com minha própria história. O artista precisa sair dentro de si para criar arte? A arte é a representação do outro ou de si mesmo? Ver com olhos livres, a mente em explosão, a cidade (alma)  nua ausente de toda ordem. Arte de decoração é uma arte fútil, vazia e covarde como afirma Eduardo Marinho, grande fanzineiro, artista plástico e poeta carioca? Cadê os Rimbauds na sociedade? A bomba atômica da arte?...  Arte, hoje palavrinha tão sem graça.
como rocha. Eu canto e isso é tudo, meus amigos. Nada mais. Estou bêbado. Tudo bem e com raiva nos dentes.

Nós, “clowns de Shakespeare,”  últimos sobreviventes  da ordem visionária  sísmica  poética planetária , filhos de Baco, herdeiros de Xangô, orixá do trovão, iluminados por João de Aruanda e Marquês de Sade,  propomos a destruição das conquistas platônicas e cristãs no que se diz a respeito da valorização excessiva  e insensível da razão. Não queremos racionalidade absoluta. “Pensamento ao extremo”.  Contra Apolo, a favor de Dionisios. Mergulhar no êxtase  xamânico, dançar ao som dos ditirambos; a terra explodindo tendo nas mãos o brilho mediúnico de todo universo, “ser maldito, doente e sábio para chegar as quintessências” porque “o poeta é ladrão de fogo” e todo artista é um poeta em excelência.