segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ENTREVISTANDO MÁRCIO SNO

 (Por Diego El Khouri)

Pra quem quer conhecer um pouco sobre a lógica dos fanzines e mergulhar nesse reino labiríntico da cultura alternativa é só conversar com Marcio Sno. Envolvido nesse tipo de linguagem desde o começo dos anos noventa, nesse ano lançou o documentário Fanzineiros do século passado, que é um painel de algumas pessoas que estiveram envolvidas em  fanzines nos anos noventa e também a síntese do que é ser underground.




Pra começar, diga para os leigos no assunto o que seria fanzine.

Essa pergunta me faz ir lá no começo dos anos 1990, quando eu me deparei com a palavra “fanzine” e não sabia do que se tratava, pois não tinha a opção de digitar a palavra no Google e achar o significado. Tive que adquirir um para saber. Ou seja, aprendi o que era fanzine in loco.
Bem, fanzine, a grosso modo, seria uma publicação independente, geralmente impressa em copiadoras, grampeada e distribuída de forma alternativa via correio, de mão em mão ou mesmo deixado em algum lugar para as pessoas pegarem. Nessas publicações são divulgados artistas pouco ou nada conhecidos, sem necessariamente respeitar uma linha editorial ou estar preso à alguma instituição. Logo, a liberdade de expressão é característica fundamental de um fanzine. Resumindo: um veículo de comunicação independente.

Você está envolvido na produção de  fanzines e divulgação de arte desde o começo dos anos noventa. De lá pra cá o que mudou na forma de  criar fanzines?

Muita coisa. Antes, a comunicação era feita quase exclusivamente via correio, logo, tudo era mais lento e os recursos financeiros e de equipamentos eram muito ralos e talvez essas sejam as principais diferenças.
Hoje, com o advento da internet, tudo é muito mais rápido e a acessibilidade a computador e impressora hoje é muito mais comum que antes. Logo, hoje só não faz zines quem não quer!
O cara hoje pode editar tudo no computador, salvar em pdf e distribuir via e-mail ou colocar em algum blog para o pessoal baixar. Isso sem praticamente ter algum gasto e sem ter algum contato manual com o material que produz. Veja você que coisa curiosa isso: sem contato manual!
Apesar da lentidão da comunicação e distribuição via carta, éramos muito mais unidos que hoje na era digital. Se bem que venho notando que esse quadro está mudando para melhor.
Apesar dessas facilidades tecnológicas, hoje ainda tem umas pessoas que insistem no formato impresso, porém, sempre apoiado com recursos do computador, que aliás, não temos nem como escapar disso. Vejo muitas publicações surgindo e outras resistindo por muitos anos (como no caso do QI, de Edgard Guimarães e o Aviso Final de Renato Donisete) e ainda outros que utilizam de recursos manuais especiais (como o Rodrigo Okuyama do La Permura! que utiliza estêncil, tetra pack e costura) que, além de dar um charme todo especial para a publicação, torna a aquisição do formato físico indispensável. Na minha opinião, acho que a forma adotada por Okuyama seja um importante representante para o futuro dos zines em papel.

Como era o processo de divulgação dessas revistas no começo dos anos noventa sem o auxilio da internet?

Via carta, sempre! Também mandávamos os fanzines para revistas como Rock Brigade, Rock Press, Dynamite, Top Rock, que divulgavam e a galera escrevia. Meus zines também foram muitos divulgados em cadernos jovens de grandes jornais daqui de São Paulo.
Em shows, eventos, manifestações... Em reuniões de amigos sempre rolava a costumeira permuta.
Também via carta rolava os flyers, que eram uma espécie de cartão de visitas, que lá tinha o nome do zine, o que tinha, o preço e endereço pra galera escrever. Eu mandava uns dez para um amigo e ele repassava para os outros amigos dele. E assim ia espalhando pra todo mundo. Era um método muito eficiente, pois chegou uma época em que eu não escrevia mais para ninguém, as pessoas que viam meu flyer e escreviam. Recebi cartas do Brasil todo e de diversos países, inclusive, já recebi cartas até do Alasca por causa dos flyers.

Alguns estudiosos apontam para o fim do livro impresso. O fanzine também passará a ser apenas virtual? O impresso perderá espaço para os blogs?

Posso usar um exemplo um pouco mais amplo. Quando surgiu a televisão, os céticos da época decretaram o fim do rádio. No entanto, até hoje o rádio tá aí, décadas depois. Portanto, acho que essas profecias, na verdade, são balelas.
Claro, não tem como negar que a produção de fanzines diminuiu consideravelmente com internet, mas não acho que o impresso vai acabar. Mesmo porque, mesmo com a popularização da informação, boa parte da população brasileira não tem acesso aos meios de comunicação virtuais.
Além do mais que está rolando uma retomada da produção impressa, ainda mais pelo fato de os fanzines terem se transformado em ferramenta pedagógica e usado muito em projetos de educomunicação.
Acho que ao invés de ficar prevendo fim disso ou daquilo, esses estudiosos deveriam ver pontes para os formatos de comunicação caminhassem em harmonia, acho muito mais importante esse ponto de vista do que ficar decretando o fim do formato.

Como conciliar a vida cotidiana, rotineira com a vida na cultura alternativa?

É difícil. Ainda mais quando se tem um trabalho e uma família para sustentar. Afinal, cultura alternativa não coloca comida no prato e tampouco paga contas. Não é sempre que a companheira entende a ideia e a satisfação que dá produzir algo conduzido puramente pelo prazer de fazer. Acho que só quem produz algum produto cultural alternativo entende o que é isso.
Muitas vezes tenho que aturar cara feia por semanas simplesmente pelo fato de eu chegar em casa e me dedicar a uma produção alternativa, ou mesmo ter que abrir mão do meu tempo livre para captar imagens para o documentário, por exemplo.
No meu serviço costumo separar bem o que eu faço fora de lá, se bem que muitas vezes as duas ocupações se cruzam como nas vezes em que dei oficinas de fanzines. Acho que a relação do meu serviço com a minha produção alternativa é muito mais harmônico que em casa.
Mas continuo resistindo, afinal, se eu viver sem isso, minha vida não terá a mínima graça. Vale o esforço.

Você esteve (e está)  envolvido em vários projetos ao longo de sua carreira artística. Chegou a fazer um fanzine polêmico chamado Pleasure, em 1993, onde aparecia na capa um homem nu. Uma das grandes diferenças do fanzine com a mídia tradicional é justamente  essa, a liberdade total de expressão. Em algum momento foi vítima de censura?

No caso do Pleasure, eu quis mesmo polemizar, quebrando barreiras, pois naquela época não haviam revistas brasileiras com nu masculino e eu, mesmo não sendo homossexual, fiz questão de colocar essa imagem na capa. Imagine como foi pra mim comprar uma Playgirl na banca de jornal...
Apesar dessa polêmica toda, nunca sofri nenhuma censura por causa dessa minha audácia.
Já me encheram o saco duas vezes, mas por questões ideológicas. Em uma delas, foi quando publiquei um texto sobre straight edge (mesmo eu não concordando totalmente com a ideia) que foi escrito por João Veloso Jr, que não era straight edge. Os radicaizinhos da época acharam aquilo algo infame e passaram a criticar.
Na outra vez, foi quando publiquei um texto do Glauco Mattoso que falava sobre a S.H.A.R.P. (Skin Heads Against Racial Prejudice) e a “polícia do underground” achou ruim, pois achava o Glauco uma pessoa “perigosa”, pelo fato de ser o tradutor do livro “A bíblia skinhead”. Quem conhece o Glauco, como nós conhecemos, sabe que as únicas armas dele são as palavras e a língua.
Como pode ver, são coisas imbecis que até hoje não vejo sentido nisso.


No momento que a cena alternativa volta a todo vapor com inúmeras exposições de arte alternativa (aquela sem o apoio da mídia convencional)  acontecendo Brasil todo, você lança o documentário “Fanzineiros do século passado”. Nos fale sobre essa película.

Poisé, há uma ebulição de manifestações em prol da produção de fanzines impressos e o documentário faz parte dessa onda toda.
A ideia desse doc surgiu em meados de 2010, quando percebi que não haviam produções audiovisuais que abordassem exclusivamente o assunto.  E a vontade de produzir ganhou mais forças com as conversas que tive com o José “Zinerman” Nogueira, do clássico Delírio Cotidiano. Resolvi tomar a iniciativa e fiz um chamado para meus contatos via internet, convidando para fazermos a parada.
Sabia que não seria fácil, mesmo porque o pessoal que produzia zines até a década de 1990, hoje tinham outras responsabilidades familiares e profissionais.
Lancei o capítulo 1 abordando sobre a produção de antigamente, feita em máquinas de escrever, recortado, colado etc e tal, e também sobre a rede social que se constituiu por intermédio do correio.
O lançamento foi no “1o Ugra Zine Fest” e foi um sucesso total. Distribui 200 cópias físicas e botei na internet para quem quiser assistir e/ou baixar. Tudo isso sem ter um centavo de retorno.
Fiz tudo no velho esquema dos zines: botando a mão na massa, no bolso, aprendi a filmar, editar, fui lá e fiz. Não poderia ter dado certo de fosse de uma outra forma.

No livro O que é fanzine de Henrique Magalhães publicado pela Editora Brasiliense, ele faz uma análise diferenciando a revista alternativa com o fanzine, dizendo que os dois mantém o mesmo enfoque, muitas vezes o mesmo público, porém a parte de composição e edição dos mesmos é diferente. Você vê essa diferença ou tudo que se produz fora da mídia é alternativo?

Ambos são alternativos. Porém, como o grande mestre Henrique disse, têm características diferentes.
Não deveria, mas tudo que está fora da mídia, acaba se tornando alternativo. Afinal, conceituou-se em dizer que só o que está na mídia é o que vale ou que tem valor. Acho isso patético, mas compreensível, visto pelo ponto de que a TV faz a galera engolir o que ela quer e as pessoas, por sua vez, acomodaram-se com esse ciclo vicioso.
Particularmente, eu valorizo muito mais o alternativo, mesmo porque sempre fui atrás daquilo que gosto, sem ficar esperando que o Faustão ou a rádio Transamérica me oferecesse. Sempre fui atrás do que gosto e posso dizer, com toda certeza, de que os fanzines me apontaram os melhores caminhos.

E a ONG onde trabalha? Qual a função dela e em que áreas ela atua?

Trabalho no Núcleo de Cultura & Lazer da Ação Comunitária (www.acomunitaria.org.br) há quase 14 anos. É uma vida. Conheci muita gente e aprendi muito com meus companheiros de equipe técnica e os educandos atendidos por nós.
Atuamos com programas socioeducativos de educação infantil, complementar e capacitação para o trabalho. E a função do meu Núcleo é colocar atividades culturais nesses programas em organizações parceiras espalhadas pela zona sul da capital paulista. Atendemos, em média, 6 mil crianças, adolescentes e jovens por ano. A nossa intervenção e contribuição pedagógica tem um impacto muito grande na formação do nosso público.
Apesar de ter problemas como todo serviço tem, é muito gostoso trabalhar nessa ONG.

Os primeiros fanzines que surgiram eram todos voltados a ficção científica. No Brasil inclusive o primeiro fanzine pertencia a um clube que se chamava o Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond, em Porto Alegre. Hoje a diversidade de temas é maior devido apenas a internet ou o fanzine  a partir da década de oitenta passou a ter uma cara (pelo menos na composição) de algo profissional embora ainda assim sem fins lucrativos?

Há pesquisadores que apontam que o primeiro fanzine brasileiro foi o Ficção de Edson Rontani. Mas não pretendo dar corda à essa discussão pois, sinceramente, não me apetece.
Na verdade, já desde os anos de 1980, as temáticas dos fanzines já eram bastante diversificadas. Na década seguinte, isso ampliou ainda mais com a popularização dos fanzines. E nessa época já tínhamos fanzines muito profissionais, editados de forma mais limpa e com cara mais aproximada de revistas, mesmo com conteúdo dos fanzines.
Lembro quando saiu o fanzine Drowned, de Bruno Furnari, todo diagramado em computador em uma época em que pouquíssimos tinham uma máquina dessa no serviço, tampouco em casa. Foi um sucesso! Todo mundo queria fazer um zine como aquele!
Mas também tínhamos outros muitos fanzines mais profissionais, afinal, a galera sempre queria seguir para frente. Seguir em marcha ré talvez seja algo nada interessante em qualquer coisa que a gente faz, né?

Pra terminar, o que os zineiros podem esperar de Márcio Sno nesse ano de 2011?

Olha... De mim, sempre pode esperar alguma coisa, pois sou meio maníaco em estar sempre fazendo algo. Sempre me envolvo em algum projeto, apoiando, divulgando, fazendo... Talvez seja o que se conceituou em chamar de workaholic. Acho que sou um underground workaholic.Ma logo de cara, posso dizer que estou preparando um fanzine autobiográfico, inspirado na técnica utilizada por Elydio dos Santos Neto, no qual haverá algumas entrevistas comigo, desenhos meus perdidos nas gavetas e alguns textos que ainda vou fazer.Continuarei na divulgação do doc, botando pra ser exibido em diversos lugares.Também devo lançar nesse ano ainda o segundo capítulo do “Fanzineiros do Século Passado”, mas lá pro finalzinho do ano.Tenho outros projetos combinados com alguns amigos, mas ainda não posso falar nada a respeito. Quando tudo estiver mais concreto, todo mundo saberá, não tenha dúvidas!Muita coisa ainda vai rolar. Eu sou muito imprevisível. E vice versa.




domingo, 27 de fevereiro de 2011

CLENE SILVA

Quando abrimos as portas do saber percebemos mundos antes não desvendados. Não há limite para os que crêem. O que me interessa é o que não interessa a eles e assim está tudo bem. Sem mais nem porque. É no invólucro manto da solidão que o silêncio tem voz. Isso mesmo. Às vezes o silêncio grita e é nesse grito contido de vazio e angústia que surge a poesia. Poesia também é volúpia e prazer. "A orgia mais facinante ao alcance do homem" como dizia Breton. Não me interessa nenhum pouco  ser o "homem cordial" e muito menos o capitalista nato e bem sucedido. Meu único objetivo real (e isso é dificil revelar) é meu compromisso com a arte. Nada mais. Tudo que eu vivo, as experiências que busco, os porres que alimento, os livros que leio, os filmes que assisto, as músicas que viajo, a forma de caminhar, falar, olhar, respirar, tragar, tudo, tudo é com a intensão de ser um artista mais equipado, um artista melhor. Se nas outras áreas da faculdade humana sou um fracassado é escolha própria. Busco o fracasso para sorrir do que não me agrada. Nunca teria coragem de comprar um celular caríssimo e nem uma roupa de marca. a simplicidade da forma sempre! Numa realidade onde estão todos em condições miseráveis por que irei esbanjar? É um crime hediondo ao meu ver. Posso até ter condições pra isso, mas me sentiria sujo em ostentar riqueza. Uns podem me encarar como um simples molambento ou o drogadinho das ruas inauditas, o ser perdido e esquecido  no vácuo dos sonhos. Podem encarar como inconpetência, mas pra mim é apenas estética religiosa. "A marginalidade é formada por aqueles que estão "out" — aqueles que não tem acesso ao poder estabelecido involuntariamente por miséria, ou voluntariamente por escolha estética-religiosa"  Timothy Leary. Minha negação a todo esse lixo é pra mim um aprofundamento místico. Minha única meta, como disse, é ser um artista melhor sempre e dar minha parcela de contribuição para as coisas atemporais. A parte do Platão que ainda me interessa. A reta ação nos objetivos sagrados. Ser um bodisatva carregando nas costas a mochila caminhando rumo a redenção. E nessa época de total junção com várias pessoas interessantes e engajadas, momento que conheço inúmeros artistas, descobri debaixo do meu nariz uma poetisa que tem uma escrita interessante, livre e forte. Segue-se aí um poema dessa escritora de gaveta que agora quer se revelar, ouçam o que ela tem a dizer:

SENTIR VOCÊ

(Por Clene Silva)

Sentir seu cheiro é como sentir uma fragrância ainda não desvendada.

Sentir seu corpo quente colado ao meu é como sentir um fogo ardendo em minha alma.

Sentir seu gosto em meus lábios é como sentir o néctar da mais bela flor sendo
beijada por um beija-flor sendento de fome e desejo.

Quero poder sempre sentir seu gosto e o cheiro de sua pele quente em mim,
nem que seja por uma lembrança eterna de um momento que jamais se apagará da minha memória.

Você e eu uma lembrança e um sentimento que jamais se apagará.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

COLETIVO ZINE



O COLETIVO ZINE É UMA AÇÃO CONJUNTA. A PROPOSTA É REUNIR DIVERSOS FANZINEIROS OU CRIADORES INDEPENDENTES E PRODUZIR UM TRABALHO COLETIVO. CADA PARTICIPANTE CONTRIBUI DA FORMA COMO PUDER, SEJA NA CRIAÇÃO, MONTAGEM, EDIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, DIVULGAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO. O IMPORTANTE É SOMAR ESFORÇOS. E ASSIM MULTIPLICAR A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE CADA AUTOR E DIVIDIR O TRABALHO. SE DER CERTO,CONSEGUIREMOS CHEGAR A NOVOS LEITORES QUE JAMAIS CONHECERIAM NOSSO MATERIAL SE O PROMOVÊSSEMOS ISOLADAMENTE. E NA PIOR DAS HIPÓTESES, AO MENOS TEREMOS UMA DESCULPA PARA INSANAS FESTAS DE CONFRATERNIZAÇÃO E LANÇAMENTO DE ZINES. ENTÃO, MÃOS À OBRA. MISTURE-SE:

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

LAERÇON BLUES MAN



(Por Diego EL Khouri)

Na constatação filosófica de Schopenhauer a arte opera como uma espécie de redenção e só nela reside a felicidade total. Laerçon Blues Man é assim, um artista que vive a arte em sua total plenitude, transpondo de sua mente para o papel todas suas inquietações, desejos e sentimentos. Nessa entrevista ele fala de suas obras, política, mundo virtual, família, mercado, sempre com a clareza que é sua marca principal.



 
Laerçon Blues man, grande artista  atuante da cena alternativa nacional, em uma de suas próprias definições você afirma que não é de forma alguma desenhista e  sim “cartunista underground sem diploma”. Qual seria então a diferença principal entre o  desenhista e cartunista?

O que eu passo com isso é apenas uma opinião particular e talvez nada tenha a ver com a realidade. A diferença em si fica apenas no fato de que um cartunista trabalha mais com a alma em seus trabalhos e somente com um pouquinho das técnicas “acadêmicas”. Imagino que o “desenhista” propriamente dito abusa mais das técnicas e virtuosismos gráficos em seus trabalhos. O cartunista underground em sua maioria nunca passou numa escola de desenho e não se importa se o seu desenho saia um tanto quanto torto e até meio que desalinhado, eu mesmo nunca uso régua nos meus desenhos (nem pra fazer os quadrinhos), uma vez me perguntaram por que eu não usava régua nem pra fazer os quadrinhos, respondi que o uso da régua fazia os quadrinhos saírem certinhos.


Em várias de seus cartuns, se utilizando  de uma linguagem simples e às vezes até “ingênua” porém contundente, você se revela um conhecedor profundo da alma humana trazendo além disso em si um sentimento de amor e respeito em relação a questões ambientais. Você acha que a arte tem o poder de mudar uma realidade?

Eu não sei se a arte tem o poder de mudar a realidade, mas que faz as pessoas pensarem isso faz, eu procuro passar tudo isso de certa forma em meus trabalhos sem com isso usar dos discursos panfletários chatos. Quanto a alma humana eu não sou um profundo conhecedor, mas espiritualista que sou ando lendo muitos livros e observando a anos tudo o que antes eu não observava nos humanos. Apesar de que de vez em quando eu pego duro com a raça humana (principalmente nas historias do pato de botas), eu sei que somos ainda seres em fase de aprendizagem e ainda vamos errar muito e tomar muito na cabeça para aprender as coisas direito.

De que forma surgiu o personagem Pato de Botas?

O pato de botas surgiu nas minhas historinhas a mais de dez anos, eu precisava de um personagem do reino animal então o criei. Algumas pessoas pensam que o nome Pato de Botas tem alguma coisa a ver com Gato de botas, mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. Com esse personagem eu passo a idéia de quem tem uma visão critica  do ser humano na ótica de um pato, esse mesmo pato que fala com tudo que aparece em sua frente animado ou inanimado. Na verdade é mais um veiculo que tenho de usar o personagem para falar um pouco ou quase tudo do que penso a respeito da existência, da vida, do ser humano e toda essa problemática que temos atualmente.


Você abandonou o fanzine impresso  para se aventurar no mundo virtual. Acredita que o livro cada dia mais vai perder seu espaço para a internet?

Claro que não. Quem gosta de livros (e eu amo), jamais vai abandoná-los por causa da internet. A internet é muito boa para pesquisas, informações, trabalhos etc, mas nada substitui um bom livro no qual você tem todo aquele prazer de folhear página por pagina, levar onde quiser é tudo um prazer diferente. Tudo bem que um notebook você pode levar onde quiser, e hoje temos até uma tecnologia “esquisitinha” de livros digitais, mas imagino que isso ficará a parte, o livro sobreviverá ao lado da grande rede do mesmo modo que o radio sobrevive até hoje ao lado da televisão. Eu parei com meu fanzine de papel e fui para a internet porque não estava agüentando mais gastar tanta grana com os fanzines distribuídos via correio, eu fiz isso até quanto pude, quem sabe um dia eu volte? Na verdade nunca disse que abandonei definitivamente, somente dei um tempo (...)


Qual sua opinião sobre política hoje?

Política é um assunto sempre muito complicado, sou a favor da democracia em todos os sentidos como, aliás, deve ser. O que me deixa decepcionado são as mazelas políticas que vemos num crescer incomensurável no decorrer dos anos. Não tenho um partido político de preferência, eu voto sempre na pessoa que eu acho que mereça o meu voto, acho também que o voto deveria ser facultativo, aí sim iríamos exercer a nossa tão decantada cidadania. A política brasileira hoje ainda deixa muito a desejar no meu ponto de vista, mas eu ainda não perdi a esperança e torço para que um dia tudo isso melhore.

Há algum incentivo para o cartunista brasileiro divulgar suas obras?

Quem faz o incentivo é o próprio cartunista, na época efervescente da fanzinagem era assim a gente divulgava os nossos trabalhos nos fanzines dos outros, os outros divulgavam nos fanzines da gente e por aí ia. Ainda bem que hoje temos a internet e o nosso trabalho como cartunista pode ser mais visto e apreciado por muitos, nos tempos dos fanzines não conseguiríamos atingir um publico tão grande como esse.

Qual a diferença do Laerçon artista e do Laerçon pai de família?

A diferença é pouca, tudo bem que eu não sou de ficar fazendo piada de tudo a todo o momento, sou um cara batalhador e não meço esforços para estar bem comigo mesmo e com os meus. Tenho os meus momentos de chatice como todo mundo tem, mas nada que dure muito tempo, adoro fazer meus desenhos, curtir um blues, um rock, musica de boa qualidade e vamos levando a vida assim até onde Deus permitir.  

O que te empurrou para  a arte?

Eu sou Libriano, e o meu signo tem tudo a ver com arte, eu gosto disso desde criança, sempre foi muito atirado a escrever a desenhar e tudo mais e no meu tempo de escola a gente era bombardeado por arte de todos os lados e isso também foi um fator fundamental. Comecei tudo com leituras de gibis, do qual sou fascinado até hoje, depois foram os livros, literaturas, cinema, musica, hoje tudo isso ainda faz parte do meu mundo, é uma coisa que eu gosto muito. 


O que o fez excluir o blog “boca suja-  The fanzine”, blog este tão visto e respeitado?

Quem disso que eu exclui o meu blog? Excluíram-me, foi uma das coisas que mais me deixou chateado no ano passado. Sempre que chegava do trabalho tomava um banho e la ia eu atualizar o blog do  Boca suja fanzine, certo dia cheguei digitei a url do blog e apareceu uma mensagem dizendo que o blog havia sido excluído pelo autor! Fiquei pasmo, após varias tentativas não conseguia mais nem ver o blog. Eu mesmo não havia excluído nada. Tentei entrar com minha senha do Google no meu e-mail e só dava como invalida! Perdi tudo, até meu acesso ao Orkut que usava a mesma senha. Fiz um monte de tentativa com o pessoal da Google, mas não consegui nada. Cheguei a conclusão que eu havia sido raqueado, roubaram minha senha e apagaram o meu blog, o motivo eu não sei até hoje, o estranho é que havia acontecido o mesmo com o blog de uma amiga a uma semana antes. Pensei em não fazer mais nenhum blog, mas depois mudei de idéia e fiz o Blog do Laerçon para substituir o blog do Boca Suja fanzine, na verdade eu venho colocando as mesmas coisas do antigo blog que apagaram. 


Quais as dicas que você pode dar pra quem deseja seguir no mundo das charges e tornar-se um artista tão completo quanto Laerçon Blues Man?

Eu não sou artista completo, tenho muito que aprender ainda, mas a única dica que eu dou é que a pessoa tem que ter boa vontade e disposição em tudo o que quiser realizar, querer é tudo, é o verdadeiro ponta pé inicial.
Obrigado pela entrevista meu caro!
  

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

WAGNER TEIXEIRA, O ANORMAL ZINE

(Por Diego EL Khouri)

Wagner Teixeira, um dos grandes artistas alternativos do Brasil, com seu Anormal zine, nos revela sua faceta totalmente psicodélica e delirante revelando sua poesia e até mesmo seu ítntimo de forma avassaladora e intesa. Um verdadeiro deus (ou demônio) das palavras.

Numa luta em aproximar artistas e fortalecer a cena, eu entrevistei esse grande louco poeta:






Funcionário de um órgão publico e fanzineiro. “Dentro do sistema e ferindo o próprio sistema”, como você mesmo diz. Explique essa contradição.

Não há contradição, na verdade. Quando as pessoas pensam em revolução, geralmente elas a vêem de fora pra dentro, a solução seria negar completamente o sistema vigente e mudar tudo de uma vez. Não acredito que isso funcione. Porque nada muda se as pessoas não mudarem. Não adianta mudar o sistema se a mentalidade dos indivíduos continuar a mesma. Este final de semana dei uma volta no fim da tarde pela tão decantada praia de Copacabana. Parecia um lixão. Era difícil caminhar sem pisar nos restos deixados pelos preguiçosos que não podem recolher suas porcarias em sacolas e deixar nas inúmeras lixeiras espalhadas pela orla. Pra mim essa gente é tão cretina e hipócrita quanto os governantes que nada fazem pela sociedade. São essas pequenas atitudes que vão se somando e virando uma bola de neve gigante. A criança aprende desde cedo que pode jogar lixo na rua e deixar pra outros limparem, daí ela cresce, assume um cargo importante e continua com a mesma mentalidade: "vou deixar que os outros limpem as minhas merdas." É sempre culpa dos outros, nunca é nossa. Pra mim, a revolução tem que vir de dentro pra fora. Tem que mudar a mentalidade, a postura. Desta forma, o sistema injusto e desigual começa a ruir, de forma natural e inevitável.


De que forma o fanzine chegou em sua vida?

Desde criança faço minhas próprias revistas, baseado nas revistas de banca. Eu as fazia nos cadernos de escola, durante as aulas, e mostrava pra outros colegas que também transgrediam seus cadernos. Geralmente fazíamos paródias de revistas de super heróis e infantis. Mas só descobri o universo “profissional” dos fanzines anos mais tarde, através do QI, produzido pelo Edgard Guimarães, que trazia dezenas de zines divulgados em suas páginas. Fiquei maravilhado ao descobrir que tanta gente publicava de forma independente, até então desconhecia o conceito de fanzine e achava que só as grandes editoras produziam e distribuíam. Percebi que existia uma rede subterrânea de troca de material que se estendia pelo Brasil e pelo mundo, e decidi: tenho que participar disso. E aqui estou até hoje.


Sua construção poética está baseada nos heterônimos. Nomes como Reverendo W. Van Baco, Fenilisipropilamina Man, KWY, Juzé da Ciuva aparecem constantemente e cada um com uma característica própria. Cada parte desses personagens constroem o que seria Wagner Teixeira?


Na verdade, vão muito além disso. Posso dizer que, quando crio, eu não me basto. Pra mim, não é suficiente expor minhas opiniões e sentimentos pessoais. Potencializar ao máximo minha capacidade criativa é essencial quando produzo. Assim, apenas contar uma história é pouco. Eu preciso também criar um contador de histórias, com sua personalidade e visão de mundo próprias. Aprendi a fazer isso com o mestre Borges. Meu campo é a ficção, mas ficções não são fugas da realidade, são mundos paralelos que interagem com o real. O imaginário e o verídico se inter-influenciam no final. Desta forma, busco meus autores-personagens no exterior e também nas profundezas do meu ser. No meu íntimo, procuro aquele personagem oculto, aquele nosso “lado B” que não gostamos, que não convém revelar ao mundo. Mas no momento de criar é preciso soltá-lo e deixá-lo tomar o controle. Enquanto criadores, precisamos provocar não só os leitores, mas a nós mesmos. Resumindo, no fim das contas, os heterônimos são o resultado da soma: eu + os outros.
Você morava em Minas Gerais e devido ao trabalho teve que se mudar para o Rio de Janeiro. Há diferenças na forma de produzir cultura alternativa em cada estado ou o underground no país todo é semelhante?


Difícil dizer se há diferenças, porque o underground não tem fronteiras. As pessoas que possuem preferências e atitudes similares se aproximam, independente de suas posições geográficas. Antes da internet, todos já se conectavam através de cartas, havia uma intensa troca de demo-tapes, VHS, zines e outros materiais. Com a internet, as distâncias encurtaram ainda mais. Talvez o que diferencie algumas cenas seja algumas pessoas, alguns iluminados, que produzem tanto e com tanta disposição que acabam inspirando todos ao seu redor a também produzirem, e assim cria-se um movimento poderoso naquele lugar e naquele momento. Por exemplo, na década de 80, a então pacata e monótona Belo Horizonte de repente se transformou na capital brasileira do Metal, quando várias bandas começaram a se formar e influenciar o surgimento de outras. Lembro que na primeira metade dos anos 2000, houve uma explosão de fanzines em Fortaleza, um movimento fortíssimo. Mas talvez o único ponto em que haja uma cena diferenciada de forma geral seja em São Paulo, devido ao grande número de eventos underground que ocorrem todas as semanas, o que acaba aproximando e estimulando os produtores locais. E nem podia ser diferente, São Paulo tem quase 20 milhões de habitantes, tem que haver agitadores num formigueiro desses (risos).

O  Anormal zine que produz é uma “ bela bagunça poética” total. O que mais esse fanzine  nos aguarda?

Boa pergunta, também não sei. Às vezes, ele me surpreende também. O Anormal é totalmente inspiração. Não forço sua produção, só o edito quando as idéias me atacam e me obrigam a desenvolvê-las. O que eu sei é que o formato da próxima edição será diferente de todas as outras já lançadas. A tendência é que o Anormal seja cada vez mais provocativo e inusitado.

ZINES PATROCINADOS PELO PFT
O  Anormal zine entrevistou recentemente o Anormal zine. Como conseguiu esse furo?

 (risos) não foi fácil, o editor do AZ é sabidamente um cara difícil e canalha. Mas depois de muita negociação, extorsões e ameaças de morte, ele acabou cedendo.

Fale sobre o fanzine Coletivo e  o que te levou a criar esse novo projeto.

A idéia é muito simples: união! Produzir um zine é um ato muitas vezes solitário, a maioria dos zineiros faz tudo sozinho, desde a criação, até edição, distribuição e divulgação. Acho que toda essa trabalheira acaba por fazer muita gente desistir. Quando criamos algo coletivamente, um puxa o outro, quando alguém tropeça, outro o apara, o ânimo de um pode ser o incentivo que o outro precisava. O projeto é esse, somar esforços e habilidades de quem tem um mesmo objetivo, o de publicar sua arte. Mais sobre ele pode ser visto no blog: http://coletivozine.blogspot.com  . Está aberto para quem quiser participar, pode me procurar: nyhyw@yahoo.com.br
Existe censura na cultura independente ou ela de fato está alheia a esse tipo de intervenções?

Existe censura em tudo, e na cultura independente nem de longe é diferente. O mais incrível é que os próprios produtores independentes se auto-censuram. Muita gente talentosa fica preocupada se sua obra não estaria pesada demais, transgressora demais, e acabam por limar muitas ótimas idéias para serem mais aceitos, e não gerar muitas críticas. É uma pena, mas, enfim, é uma escolha pessoal. O grande problema acontece quando organizadores de eventos, antologias ou qualquer tipo de projeto coletivo, ou pessoas que afirmam divulgar o cenário independente acabam por boicotar obras que considerem chocantes ou inusitadas demais. Isso acontece, mas certamente a censura é muito pior na grande indústria.

Como teve a brilhante idéia de criar quadrinhos sem desenhar, onde cada personagem é apenas palavras indicando suas falas, seus movimentos e características físicas?

Como se diz, a necessidade é a mãe da invenção. Eu tive essa idéia simplesmente porque queria fazer quadrinhos, mas não sei desenhar (risos). Isso mostra também uma visão de que a forma não deve sobressair sobre o conteúdo. É frustrante quando lemos uma HQ maravilhosamente desenhada, mas com um roteiro pífio.

O que você tem a dizer para a garotada que quer criar um fanzine e não sabe como fazer?


Criar um fanzine não tem nenhum mistério, meu primeiro fanzine foi uma folha A4 dobrada ao meio, com textos escritos à mão e colagens feitas através de recortes de jornais e revistas. Um fanzine pode ser super simples e ter um excelente conteúdo. Assim, é o que eu digo sempre: NÃO TEM DESCULPA PRA NÃO FAZER. Depois de pronto, é só procurar outros fanzineiros pela internet ou por meio de zines de divulgação, como o QI, que citei anteriormente, e ingressar nessa rede. Vale a pena.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

COMUNICAÇÃO

(Por Glauco Mattoso)

05,08,2009

Diego, seu texto em defesa da poesia marginal reaffirma a vocação de
todo zineiro consciente do valor que nós, os independentes, temos na
scena cultural, ou contracultural, que é a mais authentica.
 
Quanto à minha obra, fico gratificado que ella esteja causando essa
forte impressão em você. Si tal impressão é uma mixtura de pena e
prazer, é signal de que estou realizando meu intento. Mais abaixo copio
o que me escreveu um poeta bem jovem, de 20 annos, mas muito erudito e
esclarecido. Elle foi directo ao ponto: o cego tem que se sujeitar ao
seu destino e ainda deve se dar por feliz si causar prazer aos que
enxergam, seja fazendo-os gozar com a leitura, seja fazendo-os gozar em
sua bocca.
 
Quanto a isso, quasi tudo nos sonetos de "Faca Cega" é veridico. O que
não aconteceu commigo me foi contado por quem vivenciou as scenas.
Aquelle caso das lesbicas foi real, foi um moleque vizinho aqui do
condominio que me revelou.
 
Sim, "Laranja mechanica" é uma de minhas referencias mais marcantes,
seja no livro ou no filme. Você matou a charada.
 
Você tem computador em casa? Não va arriscar seu emprego por causa dos
emails, hem? (risos)
 
Logo dou retorno sobre o que me enviou pelo correio. Fique com a opinião
do leitor abaixo. Até! GLAUCO
 
 
[Li o livro "Faca cega", e reli, e está na cabeceira de minha cama (...)
Na verdade, foi gratificante, quase um orgasmo.]
 
[Quando você me diz que vivencia o que verseja e vice-versa, confesso
que, se por um lado, isto me assusta, dada a visão, embora muitas vezes
caricatural, que sua obra expõe do mundo; por outro lado, me tranqüiliza
e me tira uma nuvem que me passou pela cabeça quando li no prólogo do
"Epistolário escatológico de Leo Pinto": "...a baixeza do cego
masoquista performado por mim." Esta palavra - performado - soou-me
estranhamente aos ouvidos, conquanto eu não ponha no hall das virtudes o
masoquismo, achei, por um momento, que o personagem criador dos sonetos
(eu-lírico, como o chamam, palavra que detesto) não fosse parte
integrante de uma interioridade, de um espírito vivo no autor, embora
não único é claro; afinal, se o fosse, meu caro Glauco, você estaria na
cadeia. Ademais, novamente louvo a sua obra, e juro que ela me tem
arrepiado algumas vezes - "...seu azar é minha sorte." - versos como
este, meu amigo, despertam-me emoções.]
 
[Você havia me enviado uma dúzia de sonetos e pude me contentar com esta
masturbação. Não quero entrar em análises (...) O que eu mais gosto e
admiro em sua obra é ela ser xula, reles, infame, justamente como eu e
como toda a gente, o que a faz popular e adorada. Ela nos exercita a
piedade e a crueldade, sendo que, quando a estamos lendo, esta domina
aquela, como o instinto domina a razão, e nos causa muito deleite ler
todas as misérias que são narradas em seus versos. Desta forma, torna-se
quase um exercício de conhecimento da natureza humana.]
 
[O meu soneto preferido entre os que você me enviou? "Contrato de
escravidão". A idéia foi muito boa e o estilo (principalmente nas duas
primeiras estrofes) está muito bom. Enfim, é isto... Você havia me
incitado a usufruir da sua boca com os típicos quatorze centímetros de
um fodeneto, o que me suscitou muitas idéias na cabeça e,
consequentemente, a preguiça para pô-las na prática, é preciso que estas
coisas ocorram naturalmente, não é verdade? É como foder, vá lá... Eu
juro, porém, que em breve poderei lhe fazer algum presente.]
 
[O verso que mais gravou em minha cabeça é o seguinte: "Eu chuto bola
nele e grito olé!" do "Soneto do escravo virtual", eu fico imaginando a
cena e me deleitando, nesta sincera intimidade que a ninguém se revela,
a comicidade trágica desta cena... O fodido, o cego, alguém precisa ser
este cara, mas não sou eu, é ele, e pois então, que assim seja, eu fecho
os olhos, viro o rosto e me omito perante este fardo que o outro
carrega, rindo-me em silêncio por não passar pelo que ele passa...
Também notei uma grande semelhança entre o "Soneto pesado" e o "Soneto
metido", a única diferença é de fato a troca em um do pé pela rola,
preferi o segundo, pois acho que o fetiche do pé, por ser menos comum,
acaba afastando um pouco o leitor do conteúdo.]
 
[Você fala do purgatório na terra, do qual eu escapei, sem ser sequer um
santo. Isto me regozija muito, pois, de acordo com a doutrina espírita,
nós somos e recebemos o que merecemos ser e receber. Eu, portanto, rico,
belo e jovem, sou uma espécie de criatura mais elevada, enquanto você
expia os seus longos e tenebrosos pecados neste abismo de dor e
escuridão. Sorte a minha e de Allan Kardec! É isto...]
 
[Ando entusiasmado com esta idéia de lhe dedicar alguns versos e passo o
dia pensando em formas de lhe fazer sentir-se mal consigo mesmo.]
 
[Não se desanime, eu realmente não sou uma pessoa que queira se lhe
mostrar respeitosa, eu não tenho razões para tanto, quando disse não
querer lhe ofender, estava apenas sendo irônico, como o fiz no soneto
que seguia àquela mensagem, quando, bem tartufo, dizia que a sua dor
aflorava a piedade em mim, como uma aurora no céu. Ademais, sobre o
espiritismo, você expia os crimes e se lava dos pecados, segundo a
crença, que, aliás, eu julgo verdadeira. Mas que importa? Quantos
cretinos não afogam a monstruosidade do caráter sob o véu pacífico da
hipocrisia? É preciso que admitamos o que somos, e que todas as
naturezas aflorem livremente de nosso coração. Isto sim é belo e nos
leva à plenitude, ao aceitar de todas as palavras e opiniões; o resto é
fanatismo.]
 
[Por fim, quanto a eu estar ou não gostando de usá-lo como cobaia, ora,
Glauco, acho que os versos falam por si. Laboratório de tortura de um
poeta - sente-se, meu caro senhor, e divirta-se... Para mim é um
deleite, eu já andava cansado de xingar as paredes e esmurrar o vento,
agora, que você me apareceu, está tudo renovado...]
 
///

06, 08, 2009

Diego, meu computador fallante tambem é lerdo, mas me conformo com elle.
É o que um cego pode ter... (risos)

As humilhações que soffri ou ainda soffro você ja conhece, mas nada sei
daquellas que você passou. Deu para ter uma idéa apenas dos seus
problemas de saude, que aliaz não foram brincadeira. Eu passei por mais
de dez cirurgias com anesthesia geral, mas acho que não fiquei
desassistido. Riscos, sei que corri...

Antes de enviar alguns poemas daquelle jovem, segue o resto do que elle
me disse, com a franqueza de que gosto. Até! GLAUCO


[Você falou algo interessante: dos que já se regozijaram em zombar da
sua cegueira seria eu o melhor, por o fazer no metro, e eu, na verdade,
concordo com você, que graça pode haver em humilhar um sujeito em prosa?
As coisas tornam-se carrancudas, pesadas, e perde-se toda a diversão de
cuspir na ferida do próximo quando trocamos a estrofe pelo parágrafo.
Eu, Glauco, sou um daqueles sofredores de raiva passiva, já ouviu falar
nisto? Quando criança eu devo ter sofrido muito, pois há um não sei quê
dentro de mim que faz de cada ser humano a minha volta um inimigo, um
vilão a ser atacado e escalpelado - eu, e o digo não com ares
adolescentes, mas com severidade marcial, odeio o mundo, odeio os que
vêem e os que não vêem, e por talvez me faltar a coragem para sair me
batendo pelas ruas, faço sátiras, e é onde canalizo a repugnância que
sinto pelo outro, e nisto respondo à sua pergunta sobre as minhas
experiências, o mais que já fiz foi torturar insetos, aranhas - como
naquele poema do Alexei Bueno (risos). Calço 44... Isto dói no seu
pescoço? Acho que você gosta... Aliás, ontem acendi um belíssimo cigarro
de maconha, coisa que não fazia há muito tempo, e me lembrei de você,
daí mando estes versos que fiz... O que um cego deve sentir ao fumar
haxixe?]

[A arrogância, a crueza, a tirania, tudo isto é instintivo para mim, e
eu sofro, da mesma forma, instintivamente. A piedade e o amor ao próximo
não são instintivos para mim, é preciso um esforço sobrenatural para
realizá-los, e eu sofro da mesma forma. Não sei... Pregar a felicidade
como recompensa de um conjunto de princípios a serem seguidos me parece
um logro. Afinal, que existe na alma humana que a queira forçar a dar as
mãos para o cego e auxiliá-lo, quando mais útil será ele a nos servir?
Eu tenho pensado muito na sua condição atualmente e chegado a certas
conclusões. Talvez eu me engane, mas creio estar agora começando a lhe
entender. A sua auto-flagelação, o seu prazer em se maltratar a si... É
um grito do último orgulho que não aceita este amparo hipócrita dos
outros? Não sei...]

[Agora, vamos lá. Estou contente por esta descoberta dum novo poeta e
triste por não monopolizar o seu sofrimento; de toda a forma, é natural
que um cego como você seja humilhado por todas as partes e seria uma
pretensão infantil a minha de tê-lo apatriado unicamente sob os meus
chicotes. Dizem que Sócrates corria, desesperado, atrás dos seus
discípulos quando estes fugiam para os braços maliciosos das heteras, e
é assim que eu lhe quero. Dependente. Inútil. Escravizado.]

[Mas, afinal, eu deveria lhe pôr para lamber o chão, Glauco, você sim, o
chão que eu houvesse mijado e defecado...]

[Enfim, estou de volta à minha mansão, na Granja Viana, um verdadeiro
castelo medieval; aliás, me farta um bocado estes discursos sábios sobre
a felicidade, separando-a das conquistas materiais, eu mesmo professo
isto, mas, no fundo, o que eu mais quero é bebidas caras, luxo e muita
gente me servindo, porque, por alguma obscura raíz da minha história
pessoal, eu sinto que mereço tudo isto; na verdade, eu sinto que, mesmo
que empobrecesse, a minha aristocracia se manteria intacta... A cultura
não tem nem dá nenhum valor ao homem, o materialismo, provado em grau
máximo ontem e hoje, é o que distingue aquele que sabe conviver com a
grandeza do que não sabe. Bom, eu hoje acordei epicureu, e costumo muito
ser assim, principalmente quando estas tempranillos fermentadas me sobem
à cabeça. É um vinho espanhol de muita qualidade, espero que um dia o
possamos brindar juntos! Ademais, recebi a sua última mensagem e, devo
dizê-lo, ela me agradou muito. Até então, compreendia a sua submissão
física, mas não notara a que grau, adentrando a própria condescendência
do intelecto, este caráter seu havia chegado.]

[Mas não é para ficar ofendido, eu mesmo não me importaria que você
tocasse no meu pé, nem o faria só para agradá-lo, é só como eu disse:
sou orgulhoso demais para lhe dar um prazer que um "cobrador de ônibus"
ou um motoboy tenham lhe dado antes, porque, neste caso, a humilhação,
por ser igual, nivela o poeta ao vigia noturno, o divino ao humano, e
isto eu não posso suportar, e isto, acredite, é a verdade. Pudores?
Nenhum! Você é que me escreve dizendo que seria o meu felador privativo
e depois vem dizer que era só uma personagem!! hahaha! Glauco, a sua
timidez de cego me faz rir... Seja o meu felador, que eu lhe peço, a
minha opção sexual e a minha preferência por mulheres não têm nada a ver
com o prazer que você pode me dar, me escreva mais sonetos daqueles, e
saiba me agradar como eu lhe pedir que você me agrade. Se eu disser: não
lamba meus pés, não quero que você os lamba. Se eu disser: me fale
disto, quero que você, então, me fale. A tirania que impõe, puramente, a
submissão física é uma das mais ridículas que existe, e é muito fácil
dominar um cego desta forma, para que eu o queira. Acho que o sadismo
tem que ser mais profundo, porque é mais prazeroso desta forma, porque
nos anima ver alguém dependente de nós, alguém que se prostra à nossa
força sem que sequer a usemos. Isto, por exemplo, é o que eu sinto...]

[Hoje estive na Rua Augusta, dando um passeio, e me veio à cabeça como é
fantástico este ambiente de animosidade. Entrei num puteiro imundo, só
tinha eu lá dentro, e uma puta veio querer conversar comigo, não lhe dei
papo e mandei pastar, aí, na hora de sair, fui roubado em R$14,00 reais,
que atirei no colo do cobrador do estabelecimento (literalmente), muito
satisfeito. Puxa, aquilo me inspira tanta prepotência, é delicioso.
Pairar - um deus - sobre os ratos do esgoto: é isto que a gente sente.
Vá lá... são tão raras as minhas idas ali, que fica muito longe de
casa...]

[Bah, você já deve ter reparado que esta noite celebro ao deus Baco,
cultivador de vinhas. Vim aqui, na monotonia de quem se sente asfixiado
entre o cheiro de tabaco e o suor que escorre pelo corpo, lhe redigir
alguns versos. Glauco, juro por Deus, se nosso mundo fosse a la laranja
mecânica, seria o maior prazer lhe ter como escravo ou servo, tudo o que
eu queria nesta hora é alguém que me desse algum prazer que não tivesse
de ser, necessariamente, retribuído. Um criado surdo-mudo (e cego), que
fosse uma marionete treinada para o meu conforto, que lambesse o meu
suor, os meus pés, e fosse engenhoso o suficiente para propiciar sempre
novos deleites. Aliás, falando nisso, estarei me mudando para um
apartamento: é uma pena você ter medo de pôr na prática o que dizem as
suas palavras, porque seria muito bom tê-lo clandestinamente como um
serviçal, vivendo em prol do amo, n'uma espécie de tortura contínua, que
não acabasse n'um orgasmo, mas se prolongasse para cada ninharia do
cotidiano, por exemplo: eu digo: Glauco, me faça versos... você, então,
se ocuparia em me fazer dedicatórias e recitaria para mim, enquanto eu
estivesse sossegadamente assentado em uma poltrona. E eu, ali, apenas
lhe dando de comer e de beber, e você, calado, sempre á espera d'uma
nova ordem.]

[Bah, Glauco, nós nunca fizemos nenhum contrato, mas a natureza fez um
por nós: eu, saudável que sou, domino, você, enfermo que é, cumpre. E as
coisas são assim, não é preciso um porquê...]

[Mas às vezes fico irritado: quis forçar a minha namorada a sorver (como
você diz) as provas da minha virilidade e ela quase engasgou, depois me
xingou, e eu quase bati nela... Que desgraças! Que misérias! Uma outra
mulher com quem me relacionei, uma mineira que me deixou para ficar com
o marido (hahaha!), engolia tão bem... quantas punhetas não voto áquela
cena deliciosa da nutrição sexual! Mas bom, deixemos disto, a minha
imaginação anda muito atiçada ultimamente... Isto de engolir o sêmen. Me
diga, Glauco, por que as mulheres tanto repugnam este gesto de adoração
(ou humilhação?) perante o homem?]

[Mas o que tudo isto pode ser perante a cena indescritível de tê-lo,
como um cachorro, ou pior do que isto, já que os cachorros são amigos e
eu não o considero tanto, de tê-lo, dizia eu, aos meus pés, rastejante e
passivo? O que você esperava quando veio ao mundo: ser bem tratado? Isto
aqui é um covil onde um bilhão de homens são vítimas e dez homens são
carrascos. Eu não pretendo estar entre as vítimas; você sim, já que
tanto gosta disto e tem a liberdade para escolher; sofra, portanto, e se
lamente em versos etc, mas saiba que nenhuma glória vai apagar a imensa
ferida que você tem bem aberta no peito, onde eu cuspo e esporro, com a
máxima satisfação... Mais um dia de misérias, vá em frente!]

[Acho que sou severo no que falo, mas... você sabe que o meu papel é o
de não concordar nunca com você... O papel do carrasco perante a vítima
que sofre caladinha na cela... te rejeito a água, a comida, te faço
passar frio e o meu único gozo é vê-lo amedrontado pela minha crueldade
e violência. hahaha!]

///

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

TESÃO, SIMPLESMENTE TESÃO...

(Por Diego El Khouri)


Primeiro é o beijo. A língua enrolada na outra. Depois as mãos unidas acariciando seios, lambuzando corpos, descortinando sexos.
Em seguida é a nuca seca pronta pra mordida e a mordida desenhando marcas bem no pescoço, próximo da face.

Depois é um tapa, um após o outro. A contração dos músculos; em posição a libido. O fogo e a brasa. O delírio e o orgasmo.
A música sendo ditada pelo ritmo dos corpos na cama, os gemidos - as trocas de carinho,
a eterna sinfonia dos amantes.
O vem e vai de almas e corpos desprendendo do âmago (numa violência quase suicida) um líquido que vomita agonia.
Olhos e quadris, prontos para o desejo.
Beijo e carinho: o sereno... estrelas, a noite, o luar, o brilho da manhã,
o desejo e o orgasmo.
Eu e você. Você e eu. Eu e você. Entrelaçados para sempre. Para sempre unidos. Para sempre sozinhos... para sempre...
Para sempre com você... eternamente só...
(...)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

AFORISMO

(Por Diego EL Khouri)

Com a mão construímos castelos.
Com a mente destruímos dogmas.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

TATY N.S.

 Pra quem não conhece o trabalho da artista  goiana Taty N. S. aí vai uma palinha.Quem se interessar em aprofundar em sua obra é só acessar seu blog:



                                                             Vandinha Adams


Releitura

                                                          Zumbi ébria
Alice em seu mundo particular