quarta-feira, 29 de junho de 2011

MANDANDO POLÍTICOS À MERDA




Dia 14 de março (2011) foi comemorado o dia nacional da poesia na Câmara de Vereadores de Goiânia, data que se refere ao  aniversário  do poeta Castro Alves. Fui chamado para o evento pelo produtor cultural Kaio Bruno, um dos organizadores. Além do poeta Luiz de Aquino, que presidiu a mesa, contava com a participação de   Getúlio Targino e pela poetisa Leda Selma, respectivamente vice-presidente e primeira secretária da Academia Goiana de Letras. Também pela presidente da Academia Goiana de Letras, Heloísa Helena de Campos, e pelo presidente da União Brasileira de Escritores de Goiás, Edival Lourenço, além é claro, do presidente da Câmara dos Vereadores, Iram Saraiva. A minha primeira reação ao ser convidado a ler poesias de minha autoria nesse ambiente  foi saber se eu poderia ou não mandar  os políticos pra puta que pariu, caso contrário eu não iria. Apesar que pra xingar ninguém carece de autorização. Fui então pro evento armado com uma poesia que visava simplesmente  cutucar a ferida dos políticos e que de forma "elegante" eu mandasse eles à merda. De repente, num mergulho sem rumo pela internet achei esse vídeo do dia do sarau. Muito mal gravado por sinal. Quem quiser ler a poesia na íntegra é só acessar esse link: 


http://molholivre.blogspot.com/2011/03/ao-nao.html

segunda-feira, 27 de junho de 2011

POR UMA LITERATURA TARADINHA



(Por Rogério Skylab)

1- POR UMA LITERATURA TARADINHA - NELSON RODRIGUES 
 

1- Com Nelson Rodrigues, o taradinho nasce.

Mas é um começo insípido, cercado de resistências por todos os lados. Estamos na década de 50, período em que Grande Sertão Veredas veio a lume. Mas essa é uma outra estória. O taradinho pertence à outra casta, seu habitat não é o laboratório. Na verdade, o taradinho pode estar ao seu lado, no ponto de ônibus, no supermercado. Ele é gente como a gente.

E Nelson percebeu isso. E todo mundo leu Nelson na Última Hora – foi lá que “A Vida como ela É” se desenvolveu, paulatinamente, como um folhetim. Só que cada conto tinha começo, meio e fim. E, a cada semana, o interesse do leitor era o mesmo. Não importa que a estrutura dos contos fosse a mesma, as suas dimensões idênticas, os temas iguais. Lia-se porque no final sempre havia uma surpresa. Se uma estória parecia repetir outra, eis que nos deparávamos com alguma variação. “A Vida como ela É” parece mesmo movida a pequenas variações dentro de um eixo invariável. E essa dupla marca, o mesmo e o diferente, o idêntico e o variável, expressa o jogo de opostos em que se assenta esses textos de Nelson. A tragédia em Nelson é sinônimo de um jogo de forças opostas que, não raramente, chega às raias do suicídio. A vingança está sempre presente. Não há solução nem síntese. O que predomina sempre é a reação, o contragolpe, ao final da estória. O escândalo causado por “Vestido de Noiva”, quando encenada pela primeira vez, faz parte dessa lógica. Até chegarmos a Marcelo Mirisola, uma longa história será trilhada. Em Marcelo Mirisola, o taradinho está finalmente consolidado, adquiriu maioridade. Mas em Nelson estão os seus primórdios. A tragédia o anuncia.

2- Dois textos me lembram sintomas desse novo personagem que vem à tona sob intensa resistência: “Túmulo sem Nome”, e, “O Vadio”. Não será de estranhar que o personagem dos referidos textos sofra intensa artilharia. Porque o que estão em jogo são valores antigos, tais como o casamento e a fidelidade. A questão em Nelson será liquidar o senso comum e a hipocrisia – a falsa aparência, contra a qual, vai usar toda sua verve. Pior que a ausência de valores, cujo maior exemplo é o taradinho, vai ser a falsa aparência. Nada pior do que esta.

Mas a este embate, sucederá um outro mais profundo e de vida ou morte. Será entre o taradinho e o velho mundo. Desse duelo implacável, Nelson nos dá belas marcas de sangue.

Em “Túmulo sem Nome”, Jubileu propõe um plano indecoroso: que sua noiva faça sexo com um amigo rico, antes do casamento; uma aventura que teria preço e lhes renderia bons dividendos – cem mil cruzeiros, o suficiente para tirarem o pé da lama e finalmente se casarem. Mas antes da resposta de Norma, existe um interregno. É o espaço silencioso do confrontamento, inenarrável, condição do universo de Nelson. Após o qual, Jubileu é escorraçado. O suicídio de Norma é decorrente de uma luta sem solução e nada expressa melhor o impasse de um conflito.

Em “O Vadio”, Euzébio Magalhães espera, impávido, a morte da mãe. Enquanto esta inventa a estória da lesão no coração, esperando que com isso o filho tomasse emenda, o efeito é oposto: ele aguarda a morte da mãe para pôr a mão na herança da velha. Quando essa situação é descoberta por Crisálida, sua noiva, diante do médico, que lhe confirma a boa saúde da velha, se sente num beco sem saída e morre atropelada. Mas é bom não esquecermos que, antes da situação esclarecida, Crisálida entra no jogo e aguarda com o noivo a morte de Dona Laura.

Em ambos os casos, um impasse sem solução. O desejo de constituir uma família, ao lado de quem tanto ama, é barrado por esse novo personagem, o taradinho. Em ambos os casos, a morte do velho mundo.

3- Mas vem a reação. E ela é sobretudo do velho mundo, quando Nelson Rodrigues é mais Nelson Rodrigues. São os momentos mais imprevisíveis, cheios de curvas, impasses, frutos de um conflito pavoroso, quando somos pegos no contrapé e o mundo dos valores morais são reafirmados. E eles o serão contra a hipocrisia moderna e o niilismo cético do taradinho. Porque nunca podemos perder de vista que aqui o universo é triádico: além dos amantes, tem o amigo que é o demônio, pela boca de quem são feitas confissões reveladoras, quando não, incentivos e sugestões. As partes do texto também são em três: a revelação, a prova e a reação. Nunca o início, meio e fim foram tão importantes. E essa estrutura dá ao narrador a onisciência que lhe permite, com suficiente distância da trama, manipular o sentido geral. Tão diferente de Mirisola, cujo narrador não sabe de nada e se deixa aprisionar na trama. Em Mirisola, existe uma clara opção: se deixar levar pela imagem, o jogo paradoxal delas, e se esquecer de si mesmo, ainda que haja controle, diferentemente de uma escrita automática.

Mas a reação em Nelson sempre vem, seja na forma de castigo, vingança, suicídio, ou qual forma que se revista. A resposta é certa, após a qual, o texto termina e o sentido geral é manifesto. Se em Mirisola não existe fim, em Nelson Rodrigues, muito pelo contrário, ele é fundamental.

4- Em “Flor de Laranjeira”, Carmelita, por mais que educada dentro da tradição católica do horror ao homem casado, mostra-se um protótipo do taradinho. Geme alto em seu primeiro beijo e se deixa levar pela paixão. Cabeleira, por sua vez, é um personagem complexo: tem escrúpulos morais, mas é produto do meio hipócrita. Ainda que inicialmente tivesse falado a verdade sobre seu estado civil, suspeitamos que mente. Após o beijo no cinema, algo lhe perturba em Carmelita – os seus gemidos altos, a sua entrega. Enjoa e quer chutá-la. E resolve mentir a Carmelita sobre seu estado civil, dizendo-lhe que é casado. A pronta decepção da menina é todavia relegada a segundo plano: no dia seguinte, vai ao escritório de Cabeleira e lhe diz que o aceita mesmo casado, com filhos ou sem filhos – “contigo, vou ao fim do mundo”. Diante dessa postura surpreendente, que enfia no saco as convenções sociais, o complexo Cabeleira se deixa penetrar mais pelas convenções: encontra o amigo Carvalhinho, que lhe oferece sua garçoniere, hábito entre os homens da época. E mergulhado até o pescoço a esse modus-vivendi, Cabeleira convida Crisálida a passar algumas horas no local. Mas como um ser atormentado, faz a ressalva de que é um “homem casado” (a entrega da pequena, os seus gemidos, o primeiro namoro – tudo isso lhe causava escrúpulos). Mas Carmelita não reproduzia as convenções sociais. Ela ta decidida a ir e se sente feliz.

No final, ele a segura nos braços, sentimental como diabo, informa que é solteiro, e diz as últimas frases do texto:

- Tu vais sair daqui, agorinha mesmo, já. Nem te beijo. Faço questão de me casar contigo, de véu, grinalda e outros bichos.

Essa fala carrega uma carga de duplicidade que, afinal, aponta um lado. Não é a duplicidade de quem oscila eternamente como no caso de Mirisola. É a duplicidade de quem, afinal, escolhe um lado, de quem confere uma resposta, depois da qual nada mais há a dizer.

Se o amigo que lhe empresta a garçoniere faz parte das convenções da época e de sua hipocrisia, nem Cabeleira nem Carmelita aderem a elas. Carmelita vai contra as convenções, aceitando aquele homem, mesmo casado; Cabeleira vai contra, não efetuando o ato. Mas escorraçando a parceira, ele apenas impediria que ela se entregasse (com outras, ele continuaria os encontros fortuitos). Antes que a última frase de sua fala final se constitua, chegamos a pensar em outros contos onde o mesmo fim se repete. Ele escorraça a parceira, defendendo uma convenção e indo contra o desejo taradinho. Mas ao completar sua última frase – “Faço questão de me casar contigo, de véu, grinalda e outros bichos”, ele não só nega o taradinho, quanto a convenção. Como se para chegar a um valor realmente moral, fosse preciso dramatizar todo esse percurso, indicando as mudanças, o embate de forças, não apenas no processo da estória, mas na última fala, quando o texto finalmente se conclui.

5- A literatura taradinha e a literatura experimentalista, por mais que se diferenciem e representem ramos diferentes do fazer literário, tem ao menos algo em comum: o repúdio às convenções, expondo á superfície o que a escola do realismo ingênuo tanto se esforçou em esconder. Contra esse naturalismo, o século XX nos terá sido marcante.

Mostrar o que foge do fundo psicológico e o processo do artifício, serão as estratégias postas em prática respectivamente por esses dois ramos da literatura no século passado.

Mas ao propormos uma história da literatura taradinha, estamos também focando um embate de forças em seu interior. E ninguém como Nelson terá dramatizado melhor esse embate.

2- POR UMA LITERATURA TARADINHA - DALTON TREVISAN

ALGUMAS NOTAS SOBRE O "VAMPIRO DE CURITIBA"

A história do vampiro está ligada ao confronto com o cristianismo. Drácula, que é a cristalização do mito do vampiro, escrito por Bram Stocker, representa a degradação dos valores morais e religiosos. Contra a Londres desenvolvida e industrial, é do leste europeu que o vampiro se origina. Daí porque não seria absurdo vincularmos o taradinho ao vampiro. Com Dalton Trevisan, o taradinho toma novo fôlego, se liberta da guerra que lhe foi imposta por Nelson Rodrigues. Porque agora a questão não é mais a restauração de valores morais, como o era em Nelson. E nem é a tecnologia dos países industrializados, com sua respectiva ideologia. O taradinho não é um fenômeno de laboratório e nem é um moralista; sua literatura tanto está distante do futurismo utópico – daí porque não se alinha às experiências de vanguarda -, quanto de qualquer espécie de restauração moral ou religiosa. Não podemos esquecer que o mito do vampiro está ligado ao decadentismo – esse período entre o século XIX e XX, em que o mal se localiza no interior de cada um – é o Retrato de Dorian Gray.
Esse vetor de interiorização vai estar presente na história da literatura taradinha, via Dalton Trevisan, até chegar em Marcelo Mirisola, quando, então, toma novos ares. Mas em Dalton Trevisan ainda ouvimos ecos de uma luta começada em Nelson Rodrigues.

2- A religião em Dalton Trevisan é uma constante: o herói em sua coroa de espinhos. Mas o pai de todos, a quem recorre o narrador ou o personagem Nelsinho, não é um interventor. Entre Pai e Filho, o abismo. Cumpre-se às cegas o destino, e ao herói compete fazer o que deve ser feito – sua vontade própria não tem a menor importância. Em “A Noite da Paixão”, que fecha o livro, Nelsinho afirma: “Que se faça a sua vontade, Senhor, e não a minha”. Ou então “que se faça o que deve ser feito”. A razão é insuficiente, seja para compreender, seja para tomar decisões. Em vários momentos, nos vemos diante de um herói levado a fazer coisas das quais não gostaria, mas que se sente incapaz de dizer não. Em “Visita à Professora”, existe um bar dos marinheiros e uma dama dourada que o espera e, no entanto, ao longo do texto, Nelsinho é levado a protelar a despedida à sua antiga professora. É como o canto das sereias, diante do qual, Ulisses terá que recorrer a um tampão de ouvido porque por si mesmo é incapaz de resistir. Em “O Vampiro de Curitiba”, texto que dá nome ao livro e o abre, o narrador alerta Nelsinho: “ não olhe infeliz! Não olhe que você está perdido”.

3- Mas ao contrário do universo de Nelson Rodrigues, em que as forças de oposição estão bem delineadas, nos textos de Dalton Trevisan, ainda que as personas se diferenciem, começa a existir uma ambigüidade: em alguns textos, o vampiro é Nelsinho; em outros, ele é que é vampirizado por uma mulher; em outros, o vampiro é os dois. É como se houvesse uma relação de interdependência, que mina a lógica da oposição tão presente em Nelson Rodrigues e responsável nele pela tragédia. Em Dalton Trevisan, se há tragédia, ela o é pela entrega. E novamente recorremos ao mito do vampiro porque a idéia de contaminação e da mulher fatal alimenta esse mito: “É interessante notar que, dentre os precursores poéticos da literatura vampírica, boa parte dos vampiros são mulheres. No transcorrer do tempo, com a consolidação do tema na prosa, o estereótipo vampírico de mulher fatal vai se transmutar no nobre parasita do sexo masculino” (“O Vampiro antes do Drácula”, pág. 28, Marta Argel , e, Humberto Moura Neto).
A questão das epidemias, por outro lado, é certamente um problema que, por não ser resolvido na época, foi outro motivo que serviu de estofo para a criação do mito.

“Chapeuzinho Vermelho”, texto dos mais importantes no livro, onde novamente Dalton Trevisan recorre ao mito, desta vez do clássico da estória infantil, vai nos dar um bom exemplo dessa relação de interdependência: quem é o vampiro? A jovem ou a velha? Existe o personagem e o narrador que o corrige, informando-nos seus erros. À filha, nosso herói afirma: “é velha demais para mim”. À velha, ele diz: “tão jovem”. Por fim, o narrador se pergunta: “ era a avozinha ou no quimono fulgurante da seda, o próprio lobo? Personificar o lobo na velha e esta na jovem, será próprio do artifício. Não é ainda o paradoxo de Mirisola. Mas a ele caminha decididamente. Porque no paradoxo está implícito um só elemento sendo duas coisas contrárias ao mesmo tempo – refere-se à lógica do sentido. Mas nos travestimentos, existe um ser que virou outro, assim como a picada de um vampiro pode fazer de sua vítima outra vampiro. Em “Eterna Saudade”, nosso herói Nelsinho afirma: “minha perdição é a falsa loira. Cabelo oxigenado, sobrancelha bem preta”. Esse amor ao falso não quer restaurar nada, antes quer errar. Muito menos saber de si. O taradinho, assim como o vampiro foi a vitória do contra-senso na Europa das luzes, insiste em se iludir. Adora picar. Outras vezes, ser picado. A vítima e o algoz se identificam. Em “ Incidente na Loja”, depois de forçar o sexo com a lojista, ele se pergunta: ai, Senhor, de nós dois qual a vítima?

4- Um aspecto a ser lembrado em Dalton Trevisan, é o estranho narrador de suas estórias. Diferentemente de Nelson Rodrigues, cujo narrador está além do que se sucede, em Trevisan o narrador pode ser vários. Ele pode estar devidamente distante como em Nelson Rodrigues, ele pode repreender o herói (“não roa a unha, desgraçado, que está perdido”), e ele pode ser o próprio herói (“Estou cansado, Senhor, são tantas mulheres e eu tão sozinho”). É o que sucede em “O Incidente na Loja”, onde o narrador se traveste dos três sucessivamente. É nesse sentido que o narrador sai do seu pedestal e se transmuta no texto. Ainda assim, estamos tratando das várias vozes que o narrador toma emprestado. Sabemos distinguir sua atual máscara. A questão se complica em Mirisola porque nele é tudo ao mesmo tempo agora: o embaralhamento que complica; não é a sucessão das máscaras, é a junção delas no instante.
Um texto em Trevisan que elucida essa técnica narrativa é “Debaixo da Ponte Preta”: cada personagem tem sua versão para o mesmo fato, e cada versão difere da outra. Não se sabe mais o que exatamente aconteceu: a verdade toma a forma de cada personagem. Essas máscaras que contaminam a narração, ao menos se distinguem entre si. Mantém cada uma delas sua identidade. A grande contribuição, pois, de Dalton Trevisan à História da Literatura Taradinha, foi ter proposto o travestimento. Em alguns contos como “Herói Perdido” ou “Visita à Professora”, conseguimos vislumbrar o real e seu travestimento narrativo. Esse real que nosso herói faz questão de não ver para se evadir na narrativa.

5- Ainda que nos textos de Dalton Trevisan testemunhemos uma sucessão de máscaras, cada uma guardando sua identidade, mesmo assim, entre elas vai existir alguma semelhança. E isso é o suficiente para o encontro. Em “A Noite da Paixão”, o martírio do nosso herói nos faz lembrar o martírio de Cristo. No quarto com a prostituta, ele diz: “toma e coma: isto é o meu corpo”. Em “As Uvas”, diante da clássica broxada do nosso herói, Ivone exclama: “Igualzinho ao Vivi!” (com quem ela vivia e que já pegara em beijos com o filho do porteiro).
Em “O Vampiro de Curitiba”, no seu tour pelas ruas, vale a pena enumerar as características das mulheres que ele vê:

1- “virgens cruéis”;
2- “beijo de virgem é mordida de bicho cabeludo”;
3- “maldita feiticeira, queimá-la viva, em fogo lento”;
4- “Por que a mão no bolso, querida? Mão cabeluda de Lubisomem. Não olhe agora. Cara feia, está perdido”;
5- “Toda família tem uma virgem abrasada”

Agora, as sua próprias característica:

1- “eu bode imundo e chifrudo”;
2- “hei de chupar a carótida de uma por uma”;
3- “Ninguém diga sou taradinho. No fundo de cada filho de família dorme um vampiro”;
4-“Elas fizeram o que sou: oco de pau podre, onde floresce aranha, cobra, escorpião”.

Estamos longe das forças de oposição que predominavam em Nelson Rodrigues e justificavam a perseguição ao taradinho. Neste novo habitat, o taradinho encontra sua gêmea alma e um é produto do outro. Finalmente, pode respirar, ainda que sinta sua experiência como um martírio – o próprio cão girando para morder o rabo. Se em Nelson Rodrigues o inimigo estava fora, agora passou pra dentro. E em tudo isso, um toque do decadentismo que nos faz lembrar Oscar Wilde ( O Retrato de Dorian Gray) e Baudelaire (Les Metamorphoses du Vampire): “ o período se apropria do vampiro para fazer dele um sintoma, para fixar as manifestações de neurose e do mal-estar da alma que acometia a sociedade, que afinal, parecia compreender que o verdadeiro mal vinha de seu interior” (“O Vampiro antes do Drácula”, Marta Argel, e, Humberto Moura Neto).

Após essa etapa, vai nos restar a superfície. Mas aí é com Marcelo Mirisola. É quando o taradinho atinge a maioridade.

3- POR UMA LITERATURA TARADINHA - MARCELO MIRISOLA

No conto “Taradinho Parte Dois” de Marcelo Mirisola, em seu livro “Fátima fez os pés para mostrar na choperia”, primeiro livro de sua ficção decadentista,do ano de 1998, existe uma tentativa de definição da prática tarada. Definição indefinida. Monólogo longe do fluxo de consciência porque aqui o que se pratica é, sobretudo, o controle, a usurpação das imagens. Mas um controle que pretende proceder à dispensa da unidade: controlar para não permitir que se caia nas malhas da identidade.

Ainda que algumas fontes de referência sejam citadas, como é o caso de Henry Miller e Walt Whitman, nem com esses a prosa de Mirisola se identifica, porque lhes faltariam o estilo forjado que sobra nele. É como se caíssemos num jogo de ilusão a que o autor nos leva. Porra louquice extremamente racional, ainda assim poderíamos cair na tentação de aproximá-lo à literatura beat. E nada mais distante.

2- Daí porque nem ideologia, nem o si-mesmo, os textos constróem um espaço próprio à experiência tarada: tirando proveito de si-mesmo, das experiências sacanas e egoístas, mas também tirando proveito dos esquemas significativos e ideológicos. Tirar proveito não significa ser. É uma experiência pragmática que o leva, não a entrar em choque e nem a se identificar, mas a um termo continuamente renovado para futuros golpes. Rivalizando em importância com “Taradinho Parte Dois”, “Quem é Wadih Jorge Wadih?” vai nos dar uma cartografia desse estranho eu, enquanto o primeiro tenta alinhavar a experiência tarada.

3- Nem tesão, nem gozo. Se nos esquemas ideológicos, onde se situam o marketing e os profissionais de toda ordem, existe gozo sem tesão, no si-mesmo prepondera a tesão sem gozo, o trepar e o bulinar em pensamento. A experiência do taradinho no espaço intermediário do supermercado, não é tesão nem gozo, e isso terá conseqüências na linguagem, agora não mais linear, como o era em Nelson e Dalton Trevisan, mas amarrada, gaga. A linguagem de um taradinho no supermercado é banal, mas carregada de intensidade. Se compararmos o texto de Mirisola com o “Catatau” de Paulo Leminski, ambos radicais, vamos vislumbrar tamanhas diferenças, como se pisássemos diferentes continentes. No “Catatau”, a experiência da linguagem chega ao ponto do neologismo; estamos no plano do significante, tontos diante da diabrura da linguagem, quase sem alma, na superfície. Em Mirisola, ao contrário, afirma-se a banalidade, a linguagem comum. Estamos diante de um texto que flui como na linguagem comum. A questão é a intensidade que pulsa nas frases: é o taradinho pedindo coca-cola, ou perguntando as horas, ou tomando no gargalo. Esse deslocamento, esse novo espaço do supermercado, funciona como uma substituição: são os sintomas que são importantes. Daí porque nem mais tesão, nem mais gozo. A diferença entre a linguagem comum, repleta de intensidade na sua prática cotidiana, e o texto de Mirisola, é que neste último não há nada inconsciente. Ele encena, através do excesso, o sintoma. Busca o paradoxo e o expõe à superfície do texto, quando só a custa de muita teoria poderíamos atingi-lo ou explicá-lo. Em “Parque Sideral”, ele afirma: “antes da praia é bom saber que um bocado de coisas estão acontecendo por lá... Chamam de inconsciente”.

4- O plano de fuga, que tem a ver com travessia, deslocamento, à contragosto, e fluidez, significa fuga de si e dos outros. É o contrário de não saber, é antes de tudo não pertencer. É quando, na travessia do ônibus, entre o supermercado e a praia, o taradinho não pode mais contar consigo mesmo.
Daí a idéia de movimento que a ficção de Mirisola nos remete, sem chegar a lugar algum. A eloqüência e a retórica do seu texto são o que melhor expressam esse processo contínuo de deslocamento, nomadismo, de idas e vindas sem fim. Às vezes, períodos longos, outras vezes, curtos como unha necrosada. Mas antes de tudo, retórica. Daí porque, resguardadas as devidas diferenças, poderíamos filiá-lo à tradição da literatura taradinha a que faz parte Nelson Rodrigues e que nos remete a Dalton Trevisan – Mirisola é o ápice dessa tradição, seu ponto limite, quando a linguagem se descola e se basta. Em “Mas um cara doce como eu?”, ele diz: “ é por causa da minha eloqüência. De vez em quando até eu me acho eloqüente e tarado. Um pouco mais eloqüente do que tarado”. A condição, pois, do taradinho é a eloquência, ou, em outras palavras, ser taradinho é uma questão de linguagem.

5- Mas quem é esse estranho “eu” que habita sua ficção? Desde o primeiro texto “Quem disse que resisti trinta anos?”, passando por “Carta de Amor” – “quem disse que não? Quem disse que não nos amamos?” – o “quem disse” é recorrente. Porque através dele coloca-se em questão não somente o dito, mas, principalmente, quem o disse. Esse estranho eu é duplo, daí a auto-sacanagem. Diante desse fundo duplo, ou fundo falso, quais não serão as vicissitudes da aparência? Esse é o estranhamento do texto: dizer e desdizer. Diante do qual, o leitor comum interromperia a leitura, não houvesse um humor que nos convidasse a navegar mesmo sem direção. E esse dilema, encenado por Mirisola “no espelho” em “ Quem é Wadih Jorge Wadih?”, informa por fim a desnecessidade de dar amparo a aparência e do quanto desastrado seria aquele que viesse a abandonar o espelho e destruir a imagem. A opção é clara, malgrado todas as tentativas de se desdizer. A opção é ignorar a si-mesmo, daí o “quem disse”. A experiência do enlouquecimento é a aventura de uma ausência, é a travessia do taradinho, pra quem a broxada chega a ter status maior que a tesão. Decadentismo porque o parque de diversões é decadente, é ruína, em “Parque Sideral”, além de moralmente corrupto. Na história da literatura brasileira, Mirisola ocupa posição privilegiada porque depois dele um novo ciclo se inicia, ainda que, em seus primeiros passos, restaurando o realismo ingênuo do século XIX. Mas de nada valerá o recalcamento. Para o desenvolvimento do novo, cumpre olhar não só a história do experimentalismo brasileiro no século XX, como também a história da literatura taradinha, não para inserirmo-nos dentro do que seria já impossível, mas para nos ajudar a vislumbrar com mais clareza outras alternativas.

6- E toda essa história me faz lembrar novamente Júpiter Maçã: “me sinto um pouco decadente, mas com estilo”. Tanto Júpiter quanto Mirisola são os últimos representantes de um ciclo que já não existe mais. E isso também é a experiência do taradinho: o que trapaceia e o que se deixa trapacear; o que atira flexas e ao mesmo tempo dá seu corpo à elas; o que tripudia e se deixa tripudiar. Aos ecos de Shopenhauer, termino com uma última ironia que consta de “Parque Sideral”: “ minha pessoa sou eu – o que é muito divertido, aliás. Minha pessoa? Ah sim, um
minuto, vou chamá-la”.

sábado, 25 de junho de 2011

ACHEI LIVRO!





 A proposta do projeto Achei um livro! criado pelo kaio Bruno,  visa divulgação de literatura para um maior número de pessoas possíveis. A idéia é deixar livros em vários pontos da cidade (pontos de ônibus, praças, bares, etc), para  as pessoas lerem e colocarem em algum outro lugar. Circulação total de livros. Penetração cultural. É isso aí, vamos ler!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

ESTRÉIA EM LIVRO

Através do  produtor cultural, poeta e músico kaio Bruno, e da coleção Deus é mais, está pra sair um livro de minha autoria. Na verdade será um livro de bolso de poucas páginas, porém tento nessa limitação de espaço representar toda a asfixia que  sinto perante esse mundo frio e pragmático rodeado de engrenagens, máquinas, peças e vapores. A doença que a Revolução Industrial nos trouxe e que em mim fez morada e câncer. Aí vai um poema que consta nesse livro cujo título será MÁQUINAS E MÁSCARAS que sairá em setembro:




CANTO SUBALTERNO DA NOITE


(Por Diego El Khouri)

Anjos de pingulim multicolorido
suspendem a manhã entristecida

 no estômago transparecem manhãs

há um câncer corroendo o abdômen
a máquina surrando minha voz.

A sós com a própria consciência
a máquina fortalecendo todos os nós.

“Venha a nós o vosso reino
seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu
o patrão  nosso de cada dia nos daí hoje
Perdoai as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos aqueles
que nos tem fudido
e  NOS DEIXEI cair em tentação
mas livrai nos do mau, amém”.

                           ****
O seu corpo estreita
todos os quadris da mente
pela volúpia crescem olheiras
aranhas céus de bosta no âmago
traçando planos
uns indefiníveis, outros intransponíveis
sortilégios no solilóquio dos sonhos

a irmã do patrão lambuza falos
na bronha enfadonha do silêncio
a calça arrebenta
ela fede
esse cristal líquido de esperma
que escorre pelas pernas
ela fede
(engole a vida, me esquece)
ela fede
e por mais que ela mete
ela fede
aquelas rugas sem graça
sem história, sem pecado
aquela boca murcha, safada
com cactos chulos  de orgasmo
pele, ventre e buceta
o amor resplandecendo o palor
numa luz sem brilho sem dor
os desejos em redemoinho
“a vida além do que se vê”

terça-feira, 21 de junho de 2011

THINA CURTIS E SUA ARTE

(Por Diego El Khouri)


Thina Curtis. Fanzineira ativa desde os anos noventa. Responsável pelo primeiro Fanzinada que ocorreu no Brasil (e foi esse ano em sampa, dia 29 de março) em comemoração ao dia internacional do fanzine.

Você está na produção de fanzines desde os anos noventa. De lá pra cá o que mudou na cultura alternativa?

Mudou muito, até devido a essa necessidade atual através dos meios de mídia rápida e globalizada.Isso possibilita inúmeras ações, fato que antes era meio difícil, até mesmo pq os contatos eram feitos por conta e no boca-a-boca.


 Spell Work já é um clássico. Um painel interessante e profundo do que se está produzindo no país. Além de fortalecer a cena o que pretende com esse fanzine?

 Obrigada, imagina, temos muitos fanzines incríveis pelo Brasil afora, de vários segmentos que são conhecidos lá fora e pouco por aqui e vice versa.
Acho que o que pretendo já é o que está acontecendo.É reunir pessoas que estão fazendo algo, são articuladores,ativistas, multiplicadores, não só do meio alternativo, mais também como cidadãos conscientes.Na edição #8 mesmo foi a prova real que isso é possível,um time e tanto do underground.


O Fanzinada que se realizou em 29 de março desse ano (2011) que comemorou o dia mundial do zine foi um marco na cultura alternativa. O que te levou a ter essa iniciativa e como foi o evento?

 Foi realmente comovente para mim!Há tempos venho tentando reunir o pessoal, mais a incompatibilidade de datas,locais e outras coisas sempre adiava este encontro.
Sempre senti a necessidade de reunir não só os fanzineiros(as)mais artistas no geral que estão por aí fazendo seus trabalhos e não tem muito espaço para divulgarem também, e quando começamos a nos mobilizar e vi que estava começando a dar certo senti um frio na barriga!Era um sonho muito antigo, devo agradecer muito aos meus amigos e parceiros que abraçaram a idéia, a Olga e o pessoal do Gambalaia por apoiarem.O evento reuniu muita gente fera,todo mundo junto somando multiplicando.Foi a prova que quando se quer algo é possível.
Reunimos poetas, grafiteiros, cineastas, atores, desenhistas, cartonistas entre outros artistas e claro muito fanzineiros(as).
O evento rendeu e fortaleceu novas e fortes amizades, e também novos projetos e convites para participar com a Fanzinada em vários locais do Brasil e também fora. E claro comemorar essa data pela primeira vez por aqui foi histórico!


Fanzine é um tipo de revista que existe desde 1929 não aliado as grandes mídias. Por que ainda muitas pessoas não conhecem esse tipo de trabalho?

 sinceramente não sei te responder o que acontece.Hoje em dia até entendo que a nova geração já nasceu com a internet e suas ferramentas, também muita gente conhece fanzine com outros nomes:como jornal, revista, folhetim etc...
E também temos que levar em conta que no nosso país as pessoas ainda lêem muito pouco, e o acesso a informação ainda é impreciso.

O documentário  Fanzineiros do Século Passado produzido por Marcio Sno, que inclusive você participa, mostra a força que está o zine hoje no país com esses trabalhos de lembrança e divulgação  e a importância que ele teve no Brasil. Nos fale dessa película e como era possível divulgar essas revistas antes do advento da internet?

 Realmente o documentário do Márcio Sno já é uma referencia nacional para todos nós que fazemos fanzines.É emocionante assistir todos aqueles depoimentos, o doc veio consolidar o revival dos zines.eu sempre fui muito a shows, eventos literários, e alí era distribuído para pesoas que gostavam e muitos eram leitores assíduos e também pelas cartas que era vital para nossa comunicação e também era muito prazeroso.Fiz muitos amigos e trocavamos muitas cartas, idéias, presentes era um intercâmbio que possibilitava você ter acesso ao que estava acontecendo,informações a saber por exemplo o que acontecia no RJ,MG,Brasília,Recife,Argentina,Europa... tenho amigos que se tornaram grandes amigos até hoje.Tb possibilitava as ações aconteceram.
Eu mesma organizei vários eventos com shows, poetas, exposições,zines entre outras coisas através de cartas e horas no orelhão(com direito a saco de fichas)e gente olhando feio na fila (rs).
 Existe competição e intrigas no meio alternativo?

 Eu pessoalmente tive poucos problemas nessa longa jornada,há muito tempo atrás o que acontecia era muitas pessoas serem muito radicais e não entenderem que o fato de você por exemplo gostar e se identificar com um estilo de música, não devia se misturar com outros e algumas desavenças foram por isso,por bobeira, mais eram umas discussões intensas tb!Mesmo pq o fanzine é muito livre e você não se prende muito a isso quando faz fanzines.

Acredita no fim do livro impresso?

 Não. O prazer de se ler um livro, sentí-lo,carregá-lo é indiscutível,acredito que as pessoas até comecem a ler mais os e-books como complemento, mais não deixem de ler, de comprarem 
seus livros.

Qual o por que de produzir arte?

 Paixão,necessidade, conhecimento, liberdade, válvula de sobrevivência.

Que retorno o fanzine te dá?

Um retorno que como sempre brinco com as pessoas mais próximas, é algo que mastercard não paga!É muito legal este vinculo que você cria com as pessoas, o reconhecimento e não estou falando em dinheiro, são valores reais, uma troca de energia, satisfação, carinho e amizade das pessoas que você vai conhecendo. Eu posso dizer que evolui muito como pessoa depois que conheci e comecei a fazer fanzines. Uma artista engajada e intensa em suas produções alternativas de muito conteúdo e força. 


Você está pretendendo levar pra Goiânia o Fanzinada. Como será esse novo evento? O negócio é rodar o país?

 Puxa!Já estamos articulando isso e creio que irá dar certo né Diego?É bom a galera de Goiânia ir se preparando, que estamos chegando pra zinar tudo!Estamos analisando algumas possibidades, mas vem muita coisa boa por ai hein! Sim, já surgiram alguns convites para alguns lugares, o Rogério, (Oficinativa) por exemplo, participou de uma ocupação em (Piracicaba-sp),a idéia é circular mesmo,não só aqui no Brasil como na América latina também.
Também estamos articulando um evento que promete render muitos frutos e reunir a galera do Brasil e América Latina Num espaço virtuoso:a Fanzinoteca Mutação do grande Law Tissot, já temos apoio da Ugrapress, alguns zineiros(as) já estão se preparando para o evento vamos torcer para dar certo.



Qual a sua grande imprudência?

Sou um ser humano como todo mundo,tenho minhas imprudências,nada exagerado.
Talvez minha maior imprudência seja viver a vida como eu quero, sou aquariana convicta. Gosto de liberdade e pago um preço grande por isso, atormenta e assusta um pouco as pessoas. Sou uma pessoa deteminada, sei o que quero e sei meus limites...
Sou um ser humano como todo mundo,tenho minhas imprudências,nada exagerado.
Até a Fanzinada-Goiania!!!
Thina Curtis
Spellworkfanzine.blogspot.com

domingo, 19 de junho de 2011

ENTREVISTANDO SOLANGE VENTURI

(Por Diego EL Khouri)




Solange Venturi, carioca, "artista plástica. Formação: Parque Lage. Professores: João Magalhães e Nelson Leirner. Exposições: "Mão Dupla", MAC de Rosário - Argentina; "Projéteis Contemporâneos" - FUNARTE - Rio de Janeiro; 8.Salão Nacional Victor Meireles (SC); 8.Salão da Bahia; "Projeto Castelinho", Castelinho do Flamengo; "ZOOM", MAC de Campinas; Salão de Goiás; "O Ovo", curadoria Nelson Leirner, Parque Laje. Premiada no LVI Salão Paranaense - 
Curitiba PR".






Uma das propostas de sua arte é trabalhar  com os objetos já  construídos e não instantâneos. A idéia de movimento permeia boa parte de sua obra. Uma influência clara do trabalho fotográfico de Muybridge. Além da idéia de movimento, da repetição, o que mais sustenta sua arte?


A minha arte recebe influência de todos os lados, vem de dentro, vem de fora. Copio, invento, perverto. Não persigo unidade nem coerência, faço o que me dá na cabeça


A fotografia e a pintura são duas artes que por vezes se estranham. Uma fronteira difícil de romper, porém a todo momento você faz essas interferências.  Desenho com fotografia, pintura e fotografia, etc. Como trabalhar com fronteiras tão diferentes?

Na minha fotografia tem uma fase em que copio os modelos da História da Arte, criando uma tensão nas imagens clássicas, fazendo algumas interferências externas, mas procurando manter as cores da pintura, as poses. Isso se consegue com a fotografia. Na verdade, aquela primeira pintura foi cópia de um modelo vivo, e a fotografia é a cópia dessa cópia. Então, as  fronteiras acabam se  esbarrando, já que tudo é cópia e o original tá morto. Eu misturo tudo, ligado pelo mesmo fio condutor.



Nós fale da obra que fez você levar o prêmio no LVI Salão 
no Paranaense.

Ah essa aí, tenho uma certa dificuldade em falar dela. É um trabalho muito abstrato embora  o objeto, o boneco, seja figurativo. É um trabalho que fala do feminino, mas não só. É uma série onde o personagem (boneco) vai colocando as entranhas para fora enquanto uma fenda cada vez maior vai  se abrindo à sua frente. Fala do esvaziamento, do buraco  que todos nós  algum dia entramos ou entraremos, é inevitável. Fala também do próprio ato da criação em que você vai botando tudo prá fora e no final fica um vazio até começar tudo de novo. Viu? Acabei falando muito...


Você diz que  durante um bom tempo na EAV (Escola de Artes Visuais do Parque Lage)  foi uma  ouvinte constante  das palestras ministradas por Paulo Sérgio Duarte, Fernando Cocchiaralle, Ana Bella Geiger e Charles Watson. De que forma eles influenciaram sua arte?
 
Como eu disse mais acima, a influência vem de todos os lados. Então, receber informações também é  super importante pra ajudar a entender e a formar o discurso, mas na hora da criação  o que conta é o embate   de você com você mesmo, com a obra que tá sendo parida. E aí ninguém te salva... Não tem filosofia, não tem história da arte.
 
Há  uma discussão atual sobre o que é arte boa e ruim. Uns apontam a arte como função, outros como entretenimento. Você fica de qual lado? Há outros caminhos além desses?

Pra mim a arte não tem finalidade nenhuma, é um delírio do artista que precisa colocar pra fora suas ansiedades criativas. Primeiro faço pra mim, depois  é que sinto necessidade de mostrar ao outro. Se você quiser  muito atribuir um sentido, poderia te dizer que  a função da arte é fazer pensar. E aí, arte- entretenimento tá fora. Um vídeo do Bill Viola, por exemplo, mais incomoda do que diverte . Sou a favor da arte que causa desconforto, o que pouco se vê hoje em dia onde  tudo tá pasteurizado e politicamente correto. Vou a uma  coletiva  de arte contemporânea e raramente saio impressionada .É  tudo dejà vu, o discurso tenta substituir o trabalho em nome do conceito. Não que eu seja contra trabalhos conceituais . O Duchamp, mestre maior, pouca visualidade tinha em seus trabalhos. O que tem um urinol de ¨visual¨? Mas a idéia era genial. Ou você tem uma idéia genial que vira um trabalho ou então parte para um trabalho orgânico, visceral. O que fica no meio do caminho é uma merda.


O cabelo e o pêlo estão  presentes em sua arte quase sempre. Uma idéia explicita do erotismo, aquele erotismo às avessas, estranho e intenso. O que pretende com isso?

Não sei  bem o que pretendo. Você falou bem  quando disse erotismo às avessas, um  curador falou em erótico-não erótico, em buraco do corpo. Gostei dessas expressões. Na  verdade, o pelo é só mais um elemento, um material que uso. Acho que a questão presente no meu trabalho ta ligada ao corpo, identidade, sexo e morte, entre outras. Eu tenho outros trabalhos onde não tem pelos e são feitos com carimbos sobre papel e desenhos. Também já fiz muitas pinturas enormes,a maioria se decompôs, mofou. Mas o  corpo e suas questões  está no centro de tudo .  
 
Como você vê essa geração sem utopias?

Os utópicos são muito ingênuos. Essa geração é mais safa. Eu mesma fui muito boba e acho que ainda sou. Os meus sobrinhos, por exemplo, na faixa dos 14, 15, 22, são super espertos, sabem de tudo. São crias da Internet, recebem informações de todos os lados e não acho isso ruim, não. Acho que o  melhor tempo vai ser sempre esse em que estamos vivendo. Não sou saudosista não. Se você tem sede, vai buscar na fonte. Seja em qualquer geração, tem que  fazer suas escolhas. Tem espaço pros sonhadores e também  pros suicidas...


Praticamente todas as capas dos CDs do músico underground Rogério Skylab (seu marido) foram feitas por você. Falar de Skylab e não falar dessas capas é quase impossível. Como foi a produção dessas capas, desde a escolha do tema até a  forma de utilizá-las ?

 
Eu não escolhi nada, nem fiz os trabalhos pensando nas capas dele. Com exceção do Skylab 5 e 6. Eu fazia meu trabalho e ele sempre acompanhando tudo, acabava escolhendo algum para a capa dos seus cds. Simples assim. Quanto aos 5 e 6, as fotos foram feitas, especialmente, para aquele fim. O tema do nosso trabalho tem afinidade, daí  a escolha das capas, eu acho.

O que te motiva a criar?

Uma pulsão interna  nos leva a criar e o racional organiza isso dando o nome de arte. Senão seria só loucura.
  
Ainda vivemos sobre o signo da contracultura?

Não. Não acredito em  contracultura, malditos, underground. Hoje é cada um por si e Deus contra todos. Vivemos sob o signo do bizarro.

 Como deseja morrer? 


Abraçada ao Rogério.