quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ENTREVISTANDO FABIO DA SILVA BARBOSA

(Por Diego El Khouri)

Fabio da Silva Barbosa, um dos mais atuantes artistas alternativos do Brasil. Sempre rodeado de projetos, fanzines e tal ele vem compondo sua trajetória de vida com muita arte, inconformismo e luta social. Para se ter uma idéia, um de seus grandes zines (que ele fazia com o Alexandre Mendes e Winter Bastos) O Berro, saiu em livro pela Editora Independente de Brasília. Fora outros projetos como o Gambiarra, Pençá, Impresso das Comunidades, Reboco Caído, ele tem um blog onde expõe toda sua arte, suas vísceras e entranhas.
http://rebococaido.blogspot.com/


Para pedidos do livro UM ANO DE BERRO - 365 DIAS DE FÚRIA.


http://www.bandbook.com.br/ch/prod/1355/0/0/15/um-ano-de-berro---325-dias-de-furia.aspx

Aqui nesse blog enfim coloco uma entrevista que fiz com esse polêmico carioca, a ave rara do mundo underground:




Qual foi o caminho que o levou a se dedicar tão intensamente à cultura alternativa?

Sou intenso em tudo o que faço. Só consigo fazer alguma coisa se acreditar nela. Preciso estar completamente imbuído daquilo. Aí a coisa cresce e vira o ar que respiro. Sempre fui assim. Muitos sentimentos me guiaram até aqui: Insatisfação, inconformismo, falta de opção... E por aí vai. Por vezes bate o desânimo e vem aquela voz tentando me convencer a desistir e me converter a mediocridade. Nesse momento, olho ao redor e vejo o que me resta. Aí vejo claramente que não existem outras opções. O que os outros vêem como chances e oportunidades me soam como uma afronta.  
 
Em um depoimento você diz que sua turma (incluindo você) eram “crianças completamente descontroladas, cheias de raiva da vida”. Em sua literatura, essa noção de transgressão, de sentir-se no abismo e excluído da sociedade foi fundamental para construir sua própria temática artística, pessoal e diferenciada das demais pessoas?

Claro. A infância é sempre algo importante e que nos marca. O lance, é que só acredito na arte que venha do interior do ser. A arte tem de vir do seu íntimo, da sua raiva, do seu amor ou de onde for. Ela tem de ser sincera. Para mim, a arte muito formal, presa aos moldes impostos, não vale nada se não transmite o universo interior. Tem muita poesia por aí que me enche de tédio. Muitas vezes, prefiro um bom papo de botequim a ler algo que venha de um grande nome da literatura ou da academia. A arte tem de ser única, já que cada ser é único. Acredito na diversidade, no plural... Minha arte é desse jeito porque sou assim, não por querer me enquadrar em um estilo. Tudo que aconteceu em minha vida, até então, colaborou para que eu seja assim, logo, colaborou também para que minhas produções sejam como são. Não sei se o que faço tem alguma ligação com arte e não estou nem aí para isso. Faço o que tenho vontade, da forma que acho melhor.
 
Acredita na interferência transcendental e divina no ato da criação?

Não acredito, nem deixo de acreditar. A dúvida é a base de tudo. Quando crio, o que percebo com maior clareza são meus sentimentos. Talvez possamos equacionar da seguinte maneira: sentimentos + caos observado = textos, contos, poemas...   
 
Jovens criavam grêmios estudantis, artistas faziam protestos, lutavam pela liberdade  de expressão, a liberdade sexual, etc. Como você vê hoje, numa época de total liberdade, a  sociedade ainda presa a tabus morais?

Ainda não conquistamos a total liberdade. O que existe é uma aparência de total liberdade. Os jovens ainda são obrigados a se alistarem nas forças armadas, mulheres ainda tem de fazer abordo em clínicas de fundo de quintal, o trabalhador ainda se encontra em uma situação precária... E isso só para começar. Se for falar tudo que ainda nos oprime e agride nossa liberdade, não falaríamos de outra coisa. Mas a sociedade só está do jeito que está porque houve um trabalho para isso. Foi um trabalho feito desde muito tempo. Esse trabalho dos jovens e artistas citados tem de continuar sendo elaborado e posto em prática incessantemente se quisermos mudar o rumo desse barco e atingirmos a real libertação. Essa época que você está falando foi o pontapé inicial. Nós estamos dando sequência a esse trabalho. Claro que levaremos muito mais tempo por não dispormos dos mesmos meios que os donos do capital, mas não adianta se lamentar. O lance é arregaçar as mangas, pois ainda tem muito para ser feito. Provavelmente não veremos o resultado dessa batalha, mas quem sabe... Alguém verá. Só posso afirmar uma coisa: Não estou de braços cruzados enquanto cagam em nossas cabeças. Estou fazendo minha parte sem medir esforços.     
 
De que forma você vê a poesia hoje?

A poesia está conseguindo se afastar cada vez mais do estigma que a relacionava sempre com algo chato, pomposo e cansativo. Tem uma galera aí mostrando suas entranhas.  

 
Quais foram suas referências literárias para você construir sua própria literatura?

Minha literatura está em constante construção e mutação, mas acredito que ela seja formada muito mais pelo dia a dia que por outros escritores. Ela é o resultado de meu próprio crescimento pessoal. Não negarei aqui a influência de caras como Álvares de Azevedo, José Louzeiro, Charles Bukowski... Enfim... Esses caras estão entre minhas referências, mas tem muita coisa da música e do cinema também. Tudo que passo tem relação direta com o que crio, logo, tudo vira referência. Seria injusto apontar apenas livros e escritores.
 
Fale de seu passado punk.

É algo muito distante. Era outra pessoa em outra época. O garoto reprimido e humilhado põe o Never Mind the Bollocks na vitrola e um vasto universo abre a sua frente. Passei do punk inconsequente para o consciente e depois fui cada vez mais entrando em sintonia comigo mesmo, descobrindo coisas no interior e no exterior. Fui fazendo outras opções e conhecendo novas coisas que me atingiram de forma tão fulminante quanto os Pistols. Afastei-me de forma tão natural quanto me aproximei. Foi um momento mágico que me ajudou muito. Como tudo que aconteceu comigo, colaborou para eu ser quem sou hoje.  
 
E o  Impresso das comunidades?

O Impresso veio para dar voz as comunidades. É um jornal mensal, de oito páginas, que funcionou por dez meses e teve de dar uma parada devido as dificuldades que dois caras (eu e o Alexandre Mendes) duros e com família para sustentar tem de passar para se manterem íntegros em seu propósito. Tenho esperança que muito em breve estaremos de volta, mostrando a dura realidade que os trabalhadores tem de passar em um sistema onde quem menos trabalha mais ganha.  
 
O que de benéfico e ruim você pode dizer da palestra que você ministrou sobre fanzines no SESC no dia 09 de outubro de 2010?

De bom eu poderia citar a empatia com a rapaziada que estava assistindo, a oportunidade de apresentar uma alternativa de comunicação ao alcance de todos, entre outras coisas. De ruim, sem dúvida, foi que deixei a desejar em alguns momentos. Teve horas que pensei em uma coisa e falei outra e não consegui passar exatamente o que eu queria... Mas isso foi em poucos momentos. De uma forma geral, acho que ficou bom. É que sou um pouco exigente e se entre 1.000 frases 4 não saíram como eu queria, já me aborreço. Mas, isso não é a toa. Sei que aquelas pessoas que estão assistindo, estão ali em busca de respostas e de conhecimento. Não me julgo no direito de chegar ali e passar as coisas de qualquer jeito. Tomara que eles tenham prestado maior atenção nos meus acertos que nos meus deslizes. A próxima será melhor. hahahahha    
  
De que forma  o Berro chegou a uma editora e houve algum tipo de censura no momento da publicação?

Cara, eu sempre disse que O Berro iria virar livro ao completar um ano. Quando estava chegando próximo do aniversário, saí em campo. Não foi fácil, mas encontrei a Editora Independente que topou a parada e agora a bagaça tá rolando por aí. Um Ano de Berro – 365 dias de fúria. Quem não leu ainda e se interessa por esse tipo de leitura, deve dar um jeito de ler. Ficou bacana. E olha que não estou dizendo isso porque fui eu que fiz. Todo material lançado no primeiro ano do zine está ali. Nada foi retirado. Nem o conto Do Padre, que pensei ser um candidato a dar problemas, foi questionado. A Editora Independente foi muito ética nesse ponto. Além do meu material, tem coisa do Winter Bastos e do Alexandre Mendes. Nós trabalhamos muito bem durante esse tempo. Tem textos de alguns colaboradores também. Entre estes estão nomes como Eduardo Marinho, Renata Machado Setti, Francisco Bragança e Tânia Roxo. O Bragança esteve a frente do zine durante uns meses com a gente, mas na época do lançamento do livro ele já estava atuando como colaborador.     
 
Fale sobre seus novos projetos.

Sou completamente maluco no que diz respeito a novos projetos. Sou surtado mesmo. Me torno obsessivo quando o papo é esse. Tô sempre imaginando um novo projeto para tocar. Prefiro nem começar a falar sobre, porque muitos não tenho tempo de fazer ou me faltam condições financeiras e estruturais, aí as pessoas ficam me perguntando e eu angustiado de não conseguir fazer. Vai acompanhando pelo Reboco Caído que tô sempre colocando as coisas lá.
 
Seu livro de cabeceira.

Sempre acho difícil escolher apenas um de qualquer coisa. Tem muita coisa boa rolando. Mas... Deixa eu ver... Hahahahaha... Claro... Um Ano de Berro – 365 dias de fúria. 
 
Um instante de dor.

Muitos. A dor tá sempre por aí nos assaltando. Mas não dou confiança a ela. Normalmente, aproveito esses momentos para aprender. O sofrimento costuma ser um ótimo professor. Tem até algumas dores que eu curto. Tem umas dores sinistras. Algumas que beiram o insuportável. Tem dores que eu realmente abomino. Momentos desgraçados no sentido exato da palavra. Assim como o livro de cabeceira, fica impossível selecionar apenas um. 
 
Um momento de alegria.

Esses acontecem bastante também. Acho que a gente lembra menos porque preferimos lembrar das desgraças. Será? Não sei. Talvez. Mas, vou destacar um momento ótimo que aconteceu agora. O Toni Platão acabou de marcar um encontro comigo para fazermos uma entrevista. Vai ser muito legal encontrar essa voz que tanto me inspirou a frente do Hojerizah (se escreve assim mesmo). 
 
Fim.

Fim nada. Estamos apenas começando. Temos muito que botar pra fuder ainda. Podes crer.

5 comentários:

  1. Excelente entrevista. Parabéns aos dois, grandes monstros da cultura subterrânea.

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  2. Como sempre, acho que deixo a desejar em alguns pontos. Vejo um deslize aqui e outro ali... Mas... Ficou bacana. Faz parte da minha neorose me auto criticar. hahahahaha... Uma alegria ser entrevistado por uma criatura tão especial como o Diego. É isso aí Dieguito. Vamo que vamo. Tamo junto mano.

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  3. Fábio, coragem que nunca acaba! E sempre fiel ao espírito do underground e preservando a dignidade! Longe de ser exibição de desenhinho de playboy, o underground já formou uma geração bem crítica. Isto é fanzine, Fábio!

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  4. Meus parabéns a ambos! Ao mestre Diego por sua intensa busca em trazer à luz os grandes nomes da poética e do pensamento subversivo underground e ao Fábio, por seu grande interesse em fazer da existência - sua e da sociedade - algo além do constructo inerte e estéril ao qual muitos se acostumaram. É interessante ver um pensador falar sobre a classe trabalhadora, o que inspira a permanecer averso à logotipia corporativa mundial e simpático ao ativismo social.
    Vida longa ao adbusting, à culture jamming e aos mestres de sua disseminação, como os dois supracitados!

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  5. Tenho muito orgulho em ser amigo pessoal do Fabio há mais de 15 anos (é possível que a gente já se conheça há uns vinte, na verdade).
    Na primeira metade da década de 1990, já fazíamos o fanzine quadrimestral "Terceiro Mundo: o submundo dos ratos", o qual saíamos vendendo pelo meio da rua pra qualquer desconhecido que encontrássemos - a gente percorria tudo quanto era bairro da cidade a pé, durante horas e horas; era brabo, mas divertidíssimo!
    Neste século 21, viemos a produzir "O Berro", zine que estou tocando até hoje.

    Fabio hoje faz os excelentes "Pençá" (junto com o artista plástico Eduardo Marinho) e "Reboco Caído" (sozinho).

    E a peleja continua, turma!

    (www.expressaoliberta.blogspot.com)

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