sexta-feira, 23 de setembro de 2016

4 POEMAS DE CLÁUDIO WILLER

"Cláudio Willer (São Paulo, 2 de  dezembro de 1940) é um poeta, ensaísta, crítico e tradutor brasileiro. Como poeta, Willer distingue-se pela ligação com o surrealismo e a geração beat. Ao lado de Sergio Lima e Roberto Piva, é um dos únicos poetas brasileiros a receber menção do periódico francês La Bréche - Actión Surrealisté, dirigida por André Breton em fevereiro de 1965."




SOBREVIVEREMOS
(RUÍNAS ROMANAS)


Quantos poetas já não estiveram aqui
quantos já não escreveram
sobre a ofuscante aniquilação
diante desses dramáticos perfis minerais
quase natureza
reduzidos a não mais que montanha
tão perto da pedra original
barro anterior à forma
fronteira da mão que trabalha, do vento, da água
neles ressoa a ensandecida voz do oco, do cavo, da fresta
os silvos do vento
no silêncio matizado de sussurros
e agora também sou dos que enxergam
o informe
monstruoso passado
escultores do avesso os reduziram a isso
os autores do cruel teorema
que nos condena ao presente
e repete que nada sabemos e nada vale a pena
pois passado e futuro só existem
como passo para a informe eternidade
a custo divisamos lá fora a realidade logo ali
outro lugar
onde existiremos menos ainda
nós é que somos os fantasmas
e a solidez é o que está aí,
nas ruínas
a dizer-nos que isto -
nada
- é tudo o que temos


VULCÃO (fragmento)

II

O grande círculo aproxima-se
e aí você não entenderá mais nada
sobrarão algumas perguntas para serem feitas
um certo desequilíbrio 

verde verde verde
outro tempo
aproximadamente ontem/agora fábulasexorcismo
antemanhã
fantasma de bronze
cantos perpétuos
sobrenadando a madrugada
então ninguém conseguirá entender mais nada
uma sortida temerária
libélulas
traços sem destino na curva dos dentes 
À TARDE

olhar com o olhar espantado
o vôo do primeiro pássaro noturno
e saber que em breve
haverá algum tipo de confronto
de alucinação coletiva, uivo geral
saber
que por trás do olho
guardamos uma planície de risadas
dobrada em algum desvão da alma

— a sensação lisérgica de estar aí
e perceber
    a fumaça dos últimos acampamentos
    a casa na encosta do morro
    o albatroz que arrepia sua trajetória
    os mosquitos que zumbem e que zumbem e que zumbem
nesta tarde
em que três petroleiros encaram-se
e trocam sinais ao largo
e uma memória nos persegue
de rios, cataratas e pororocas
nesta praia
que é fim e começo
de qualquer coisa já sabida e possuída
e oculta
no oco da última fibra nervosa


MAIS UMA VEZ

mergulho no amor
com a cega convicção dos suicidas
penetro passo a passonesta região misteriosaturva
opaca
aberta pelo encontro dos corpos
e sintooutra familiaridade nas coisasesta calma permanência dos objetosagora formas de lembrar-seo mundoque se reduz a traços da presençaa realidadeque fala ao transformar-se em memóriatudo é conivência e signo
o espaçouma extensão do gestoas coisasmatéria de evocaçãoqualquer coisa treme dentro da noite como se fosse um som de flauta
e a cidade
se contorce e se retrai
MAIS UMA VEZ
ao abrir-se................................. para este turbulento silêncio

de olhar frente ao olharpele contra pelesexo contra sexo


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