— Percepções sobre a HQ Mulher-Diaba no rastro de Lampião, HQ escrita por Ataíde Braz e ilustrada por Flavio Colin —

O
meu nome é Virgulino
O
lagarto nordestino
Ouça
bem o que lhe digo
O
cangaço é meu quintal
Meu
sobrenome é perigo
Sandro
Kretus
Justiceiro
para alguns, bandoleiro para outros. A
imagem agreste e desoladora do nordeste. Bela por si só e rica em
cultura e história. Óculos de 15 quilates na face queimada pelo
sol. Cabelos à altura dos ombros. Aproximadamente 1.79 de altura em
um corpo magérrimo. Fala mansa. Exímio
sanfoneiro nos acampamentos. Poeta de olhar febril e intenso.
Dançarino das rodas de boemia. Em alguns momentos era rápido e em
outros momentos, devagar. Dedos
enfeitados com anéis de ouro. Armado
até os dentes. Estilista
de sua imagem.
Cabra macho e amante de belas mulheres. Justiceiro e politicamente
incorreto. Religioso e supersticioso. A
imagem mítica de um Brasil que se perdeu, ou melhor, se esqueceu de
sua própria história.
O
cangaço (que é o “nosso parnaso no universo”) trás em si
características marcantes e que foi muito
retratada
pelo cinema. Quem não assistiu, por
exemplo,
o filme “O auto da compadecida” dirigido por Guel Arraes e
baseado na obra do
Ariano Suassuna?
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, carrega em seu peito a aura
cultural do Brasil.
Mulher-Diaba
no rastro de Lampião,
HQ escrita por Ataíde Braz e ilustrada por Flavio Colin retrata de
forma fantástica todo esse mundo repleto
de poesia, violência, magia e intensidade. O
traço do desenhista parte de sutilezas, recriação do espaço,
geografia e poética. A dita “língua errada do povo” perpassa
pela obra dando
uma carga fidedigna
ao
trabalho. Bom mesmo é a “língua errada” do povo, já
o que fazemos é “apenas macaquear a sintaxe lusíada”.
Colin
acredita na pesquisa. Acha inclusive que é fundamental para se criar
qualquer tipo de arte. Segundo ele, “a pesquisa te leva, não só a
valorizar o trabalho e passar uma informação mais precisa e
correta, como também a aprendemos. É subsídio para nossos futuros
trabalhos”. Há um diálogo forte nessa
HQ
em parceria com Flavio entre o verbal e o visual. A expressão dos
personagens (mesmo utilizando muito pouco de rachuras e sombra) dão
uma toque expressivo para a obra. A falta de sombra tem justamente
essa ideia: o
clarão abraçando todo o espaço, um sol escaldante e característico
do ambiente em questão. O
Nordeste representado pela realidade e pelo sonho. O onírico é um
dos tentáculos que os roteiro
se
utiliza muito bem ao longo da narrativa. Uma
tendência cada vez mais forte entre os quadrinistas nordestinos,
como
por exemplo, Bruno Marcello, Rodrigo Xavier e leandro Moura.
Outra
característica importante e que vale ressaltar é a influência do
cinema nos traços dessa
HQ. No primeiro quadrinho da página cinco fica bem claro isso.
Aquela cena dos cangaceiros sobre seus cavalos, armados, de frente a
uma casa, é uma imagem recorrente nos filmes inspirados no Lampião
e também nas películas produzidas nos Estados Unidos que
representam o faroeste, filmes
estes também chamados de cinema western (que significa
“ocidental”) e que refere-se a fronteira do Oeste Americano
durante a colonização. Região também chamada de
far west
(extremo oeste).
E
a narrativa vai se construindo dessa forma. Os enquadramentos, as
vestimentas da personagens, o jogo forte de luz sobre todo o papel,
as onomatopeias (que resgata a tradição do estilo nas
produções impressas dos gibis),
o movimento voraz das cenas, a
geografia da caatinga, que é um bioma exclusivamente brasileiro,
marca a obra
Mulher-Diaba no rastro de Lampião
como
trabalho genuinamente nacional (um tipo diferente de contar histórias
e que pode sim atingir outros locais fora do país).
O
fantástico assume caráter mitológico quando este retrata o mágico
delirante que dança na mente das pessoas do local. Nesse
sentido, a cultura está no cerne da questão. O
mágico e o fabuloso tem uma áurea genuína. Nele o “abstrato
real” cria camadas de poesia e as metáforas contam histórias.
Histórias com um fio condutor que unem as crenças, os olhares e as
sensações. A HQ é feliz nisso. Nessas sutilezas que perpassam o
imaginário humano e, principalmente, esse imaginário dentro de uma
cultura determinada cria potência e é um resgate certeiro na
ancestralidade. A hemoglobina dança sinuosa no ósculo vertiginoso
da pretérita memória presente de um passado que nos une como
cidadãos de uma mesma orbe.
Ler
Mulher-Diaba
no rastro de Lampião
é
mergulhar na nossa própria história.
Muito legal a resenha!
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