Por: Diego El Khouri
Imersa na múltiplas linguagens da arte, Clécia Oliveira desenha seu caminho: uma trajetória de dedicação e entrega, poesia e estudos, inspiração e transpiração. Escritora, produtora, jornalista, revisora, em seu trabalho transparece a imagem de uma pessoa que está realmente afim de colaborar de forma positiva na arte e na cultura do país. Ano passado a entrevistei no canal do youtube da Editora Merda na Mão https://www.youtube.com/watch?v=fNU7HKFVwVw no programa Deu Merda, edição número 24 (hoje o programa já ultrapassou o número 60). Clécia é uma agitadora cultural e uma escritora intensa. Idealizadora do Fio Cultural Produções e tantos outros projetos. Então vamos ler/ouvir o que essa mineira que hoje reside no Rio de Janeiro tem a dizer.
1) Como se iniciou seu gosto pela poesia e quais escritores te influenciaram nesse princípio?
O meu gosto pela poesia começou na infância. Eu me lembro de ter contato logo que aprendi a ler. Eu achava bonito e tentava escrever algo parecido, principalmente pensando nas rimas...rs. Uma história que me lembro é que, quando eu tinha 8 anos, fizemos um livro na 2ª série primária. Foi marcante porque, além de ter vários trechos meus na narrativa, ao final, foram selecionados poemas para compor o livro, inclusive, meus. Desde então, continuei a escrever, até mesmo durante as aulas que eu não estava muito interessada.
Sobre influências, acho difícil nomear porque tive contato com muitos autores que me chamaram a atenção, como Manuel Bandeira, Drummond, Mário Quintana, Fernando Pessoa, Machado de Assis, os beatniks, Edgar A. Poe e por aí vai. Quando jovem, passei a ter mais contato com autoras e me encantei com Cecília Meireles e Cora Coralina, por exemplo. E não paro de conhecer obras e autorxs interessantes. No meu caso, acho que as influências ficam um pouco no subconsciente.
2) O que te motiva a criar?
Acho que é por não aguentar que as ideias fiquem somente na minha cabeça. Acabo transformando, materializando em algo, que pode ser na literatura e em outras artes e produções. É uma forma de desabafo, crítica, de expressar sentimentos, ideias, observações, de mostrar análises sobre algo do cotidiano ou uma viagem, fantasia, etc.
3) Fale sobre a Fio Cultural Produções e os eventos artísticos que promove através dela.
A Fio Cultural atua com base no tripé Cultura-Educação-Comunicação, não deixando de manter a Poesia como fio condutor. Realiza diversas atividades culturais e artísticas, produções editoriais, audiovisuais e outros projetos. Também oferece serviços nas áreas de letras, comunicação e produção. Um dos projetos próprios mais marcantes da Fio Cultural é o Sarau FioMultiCultural, que completa 6 anos em 2021. É um evento multilinguagens onde se encontram manifestações e apresentações em várias linguagens e formatos. Assim como outras atividades da Fio, busca promover reflexões, encontros e trocas entre artes, artistas, produtores, comunicadores, educadores...
4) Como anda a cena artística e cultural no Rio de Janeiro?
Sempre foi muito efervescente, mas, durante a pandemia, está sofrendo drasticamente, assim como em várias regiões. No entanto, vejo muitos agentes culturais/artistas se reinventando com a tecnologia e promovendo atividades on-line, também continuam produzindo suas obras e encontrando outros meios de divulgá-las e de serem remunerados. No entanto, muitos estão passando grandes dificuldades. E está longe de ser o que era a cena artística e cultural. De fato, pelo menos, o movimento continua e a arte e os artistas continuam tentando exercer seus papéis e mostrar seus valores e o quanto são resistentes.
5) Em Julho de 2019 você colaborou na construção do I Encontro de Saraus Rio na OFF FLIP 2019, em Paraty. Fale sobre esta iniciativa.
A ideia veio do desejo de promover encontros, trocas, interlocuções. Há saraus muito importantes e diversificados no Rio de Janeiro, que reúnem artistas que atuam com estilos, técnicas, temas, enfim, com características distintas, o que torna a produção contemporânea muito rica e diversificada na cidad
e. São muitas vozes. A OFFflip, que é um evento paralelo à Flip e que ocorre na mesma época deste evento internacional, é uma forma de conectar artistas e apresentar ao público os que não têm tanta oportunidade de estar na grande mídia e nos grandes eventos. E a proposta do Encontro de Saraus veio para agregar muito a este evento paralelo de resistência.
6) Fale sobre o Sarau D4 - Arte Erótica.
O D4 nasceu de uma conversa entre amigos que produziam obras eróticas e já haviam realizado eventos com o tema. No caso, eu, Vinni Corrêa e Ricardo Mendes. Fizemos o D4, em 2019, e tivemos uma adesão bastante significativa. Foi sucesso de público e, entre os participantes, tivemos diversidade de gêneros, de linguagens, etc. Foi um evento muito rico, com qualidade artística e que também trouxe reflexões sobre censura, mulher x erotismo, liberdade, moralidade, respeito. A repercussão foi interessante.
Poucos meses depois, eu e outros dois amigos, Paulo Kajal e Sérgio Gramático Jr., buscamos meios de realizar um sarau erótico com título Dark Room Poético. Também foi multilinguagens. A diferença é que, de fato, teve um “dark room”, mas com toda segurança e respeito. Em janeiro de 2021, a Fio Cultural lançou o livro/coletânea “Fio Arte Erótica”, em homenagem aos dois saraus, e realizou live/sarau de lançamento.
7) Através da UFRJ você trabalhou no Museu Nacional. O museu era um reconhecido centro de pesquisa em história natural e antropológica na América Latina. Em 2 de setembro de 2018, logo após o encerramento do horário de visitação, um incêndio de grandes proporções atingiu os três andares do prédio do Museu, destruindo uma quantidade imensa de peças. O que representa um acidente desses para a memória nacional?
Na época do incêndio, eu estava gravando um documentário sobre o Museu, via Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (FCC), onde eu trabalhava. O Museu é vinculado ao Fórum. Além disso, eu cursava uma Pós-graduação em Acessibilidade Cultural para Pessoas com Deficiências e os grupos de trabalho da Pós estavam preparando projetos para acessibilizar espaços do Museu. Infelizmente, fomos interrompidos, mas passamos a realizar os trabalhos e assistir às aulas no Museu Histórico Nacional. E, em anos anteriores, trabalhei em produções coletivas de unidades da UFRJ que envolviam o Museu.
O Museu Nacional ainda é um reconhecido centro de pesquisa e está se reerguendo. Um acidente desses mostra o quanto a cultura, educação, ciência e instituições públicas não são assistidas adequadamente. Há perdas irrecuperáveis e irreparáveis nesse caso. Muita memória se foi mesmo. Porém, muitos pesquisadores ativos estão procurando recuperar informações e prosseguir, como possível, com as pesquisas. E há, também, planejamento de reiniciar as atividades culturais, principalmente após o fim da pandemia. Não é possível ter peças perdidas de volta, mas sim conteúdos e aquisição de novas peças por meio de doações, além das resgatadas e das que não estavam no palácio na ocasião do incêndio. E, daqui para frente, espero que os trabalhos continuem e que o Museu Nacional seja reconstruído, mesmo que demore. E observo que isto está em andamento.
8) Em tempos de pandemia, como a arte deve se colocar para ocupar espaços sem sair de casa e sem cair no mais do mesmo?
A palavra é Reinvenção. Já estou vendo artistas continuarem suas produções em suas casas, em seus ateliês, estúdios, etc. A forma de apresentar as produções é que muda. E muitos estão buscando as maneiras possíveis no momento e com adesão do público que necessita consumir arte. O diferencial também é o ponto que cada artista toca e como o faz. Estamos vivendo no mesmo caos, mas é possível extrair muitas coisas diferentes disso tudo. E o melhor: é um momento de bastante reflexão, autoconhecimento pessoal e artístico e, ainda, de desafio em manter a arte e a cultura em movimento.
9) A arte vai sobreviver ao autoritarismo?
Claro! Tempos de autoritarismo vêm de longa data. E arte não só sobreviveu como torna as situações extremas objeto das próprias produções. A arte continua resistindo e mostrando seu papel.
10) Uma frase.
Não seja mais um comum num mundo de mortos.
9) Dica de leitura(s)
Leiam os poetas contemporâneos! Há grandes artistas e obras que precisam ser conhecidas e consumidas.
10) Um poema de sua autoria
Alecrim
Um doce sabor nos lábios me recorreu
Ao lembrar-me de dias espectrais
Entre beijos, bebidas, abraços e comidas
Música farta e cantos dos amigos.
Dançávamos sem olhar para os passos
Qualquer tropeço era engraçado
Escrevíamos poesia sem tantos pêsames
E nos abraçávamos todos os meses.
Dormir é descansar para acordar para a vida
Que continua...
É abraçar o próprio travesseiro e ficar mais esperto na rua.
Os dias de verão serão onde quisermos
Nas salas ou nas praias criadas por nós.
E como o teatro não para!
Textos correm as vontades de expressão e interação
E se lançam em todos os lugares
Enquanto nos apresentamos pelos celulares.
O pé de alecrim está crescendo
E diz a cada dia que segue o oposto
Do mundo que está morrendo.
A indignação veio sem autorização
Mas a humanidade não se recolherá
Ainda veremos a vida florir com novos valores
E seremos cheiro de alecrim
Quando as ruas puderem nos recepcionar
E se encherem de verdade (s).
***Clécia Oliveira – Rio de Janeiro, RJ
É poeta, produtora cultural/audiovisual/editorial, jornalista e revisora. Coordena e produz as atividades da Fio Cultural Produções. Alguns dos projetos que atua: Sarau FioMultiCultural (6 anos), FioZines, Cine Fio, produção de livros e documentários. Atualmente, em 2021, está em andamento o projeto “Eu, na Pandemia” – livro multilinguagens, com vários autores, que será o primeiro passo para eventos relacionados ao tema.
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