sábado, 9 de abril de 2022

Resenhando um gibi ousadão: O Melhor de Crumb, vol. 1, da L&PM

  1. Por: Winter Bastos

    No inverno de 1990, a editora L&PM, de Porto Alegre-RS, publicou aqui em terras tupiniquins a revista em quadrinhos O Melhor de Crumb - volume 1. Trata-se duma seleção de histórias do audacioso quadrinhista estadunidense Robert Crumb, em tradução de Nathaniel de Moura Giraldi. São 61 páginas de pura provocação (e humor). Desenhos em preto e branco, em que estão presente elementos fantásticos, escatológicos e zombeteiros. 


    Crumb consegue a proeza, inclusive, de zombar de si mesmo ao se colocar como personagem nas historinhas muito doidas que vai criando com uma liberdade impressionante. Na primeira delas, chamada "As confissões de R. Crumb", somos postos numa atmosfera de sonho, em que o quadrinhista sacaneia a si próprio, retratando-se como imaturo, chorão, tomado dum complexo de Édipo daqueles mais intensos (e risíveis). Groucho Marx dá um chute na bunda dele, atirando-o por um fosso mágico, escuro, um limbo. Crumb, então, transforma-se num bebê barbado e escapa pela abertura mágica que é a vagina duma mulher, que o acolhe amorosamente, duma forma que faria enrubescer até o próprio Sigmund Freud. O casal edipiano é pego no flagra. E o pequeno Crumb choraminga (gemendo "mamãe!") ao ver o marido da mulher com quem se agarrava. O traído chegara inesperadamente da guerra,  ameaçador, envergando um lustroso uniforme militar...


    A história seguinte se chama "Crumb Contra as Feministas" e, nela, o quadrinhista se retrata como um fracote. Após esguichar tinta no rosto duma garota, usando um mecanismo embutido numa flor de plástico, ele é denunciado a um grupo feminista pela brincadeira de mau gosto. Apesar de fazer piada usando o Feminismo (sabemos que o cara sempre atira para todos os lados), em momento nenhum veremos piadas machistas, daquelas do tipo: "se a sua mulher quer dirigir, dê um fogão para ela pilotar". Se em suas histórias nada é sacralizado, também nada é clicherizado e muito menos utilizável para reforçar o status quo. Só lendo mesmo para sacar qual é a das histórias do cara, em que a ironia está, aliás, sempre presente também.


    Muito boa a história seguinte, "A História do Triunfo de Robert Crumb", em que a gente vislumbra uma zoação com a ideologia da meritocracia e do sucesso pessoal apregoada pelo Capitalismo, principalmente nos EUA. Notamos também umas muito justas alfinetadas em certas teses da esquerda autoritária (maoístas e assemelhadas), que tecem camisas de força sob medida para artistas e contestadores.


    Em "Whiteman encontra a Big Foot" a avacalhação é com os ridículos valores puritanos dos brancos anglo-saxões protestantes. O casamento careta, os convencionalismos, os padrões pequeno-burgueses pré-estabelecidos, tudo isso é posto em cheque quando o personagem Whiteman encontra uma espécime duma raça que se achava mitológica, o chamado Pé-Grande, que seria o elo perdido entre a humanidade e seu passado animalesco. Pois é: Whiteman encontra uma fêmea de tal espécie, descobre que ela não é uma simples lenda. Alías, descobre que ela não é tão monstruosa assim. Hummm... até que é bonitinha, pensa Whiteman. Já dá para imaginar no que isso vai resultar, não é mesmo?


    Ainda temos as boas histórias "Assim é a Vida", que narra os percalços dum miserável músico de Blues; "Robert Crumb's Modern Dance Workshop", em que o despótico diretor de dança Crumb (ele mesmo) leva um monte de chutes de suas alunas numa performance de dança moderna e acaba todo dolorido enquanto elas caem na gargalhada. Depois temos "The Adventures of Robert Crumb Himself" (mais sexo, nonsense, violência, escatologia e confissões pra lá de vexatórias). Fechando o volume, vem a historinha "Patrícia Pig Fica em Casa", uma HQ sem palavras, e com interpretação livre a ser dada por nós.


    Mentes livres, das chatices nos livremos. Livre leiamos, livre pensemos e, a partir daí, gostemos ou não, livremente.


    O MELHOR DE CRUMB

    FORMATO: 20 x 27cm

    ISBN 85-254-0288-5

    LETRAMENTO: FÁBIO COELHO

    REVISÃO: L&PM EDITORES

  2. * Retirado do blog Expressão Liberta: http://expressaoliberta.blogspot.com/?m=1


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