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Quando meu útero dói,
eu sinto nele todas as feridas que laceram
há milênios
as barrigas das mulheres.
São dores latentes de um vermelho vivo
nesse órgão que se contrai e se dilata
repetidamente
teimosamente
aleatoriamente
incessantemente.
O sangue verte
e escorre
pelas
pernas.
Eu lavo tudo com água quente e escondo
a vergonha
que não é minha
que me lançaram na face desde o primeiro dia
em que me descobri fêmea.
Gritaram o nojo,
Berraram a culpa,
Amaldiçoaram a vulva.
Eu vejo as faces raivosas e ouço as vozes
distantes
ínfimas
confusas
mudas
inúteis
que somem na escuridão do tempo e da memória.
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Sofro
Mas não me demoro sofrendo
Porque não há sofrimento que não seja sucedido por outro sofrimento
Por isso sofro muito
Mas por pouco tempo
Porque assim eu sinto todo o sofrimento de uma só vez
E quando não aguento mais o ridículo de ser dramática,
Volto ao meu estado de paz
Homeostase
Assisto à birra do sofrimento que não quer se despedir
Assisto à minha birra e ao meu apego ao sofrimento que lentamente se afasta
Vejo-o pequeno, emburrado, distante
Até sumir
Volto para a serenidade e lá não permaneço
Porque tudo que se expande precisa romper
precisa doer.
O parto dói
O sapato apertado dói
A menstruação dói
A maturidade dói
A velhice corta fatalmente
A carne apodrece
E é por isso que a vida pode renascer
E novas vidas podem surgir
Da morte
Que é vida.
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Separaram a mente do corpo
Ambos foram dominados e escravizados
O corpo virou objeto
A mente foi supervalorizada e não pode mais descansar
Deve produzir
Mas nunca criar
Porque criatividade é experiência
do corpo e da mente como uma coisa só
Despertos
Em cada célula
Como uma célula
Trabalha sem chefe
Sem manual
Inteligente e racional como ninguém
Quanto mais livre, mais produz
Sem apego pelo resultado.
Perfaz o caminho de fazer com maestria
E chega sempre aonde deveria chegar
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