sábado, 27 de novembro de 2010

NOITE DE POESIA



Centenário de nascimento do inesquecível Adoniran Barbosa. Assim a poesia me chamou. Entre cacos de vidro, entre a Morte sorrindo, entre os sonhos em combustão. Faltava ainda escolher os versos a ler. Um sarau em homenagem a esse monstro eterno da música brasileira. Uma honra para esse bardo aqui tão bárbaro e tão cheio de cicatrizes. A noite foi de bebedeira. A graciosa e talentosa poetisa autoria do livro Gritos do Mundo pela editora Kelps me chamou para o evento quando bebíamos o néctar da felicidade em um bar do setor universitário em Goiânia.  Nesse dia me roubaram. Levaram minha mochila e com ela meus óculos, livros, estudos e materiais de desenho. Uma bosta! O livro que ganhei autografado da Wanessa Maíra foi junto,  e com ela seus gritos lançado para o vácuo da memória. O sarau ia começar duas semanas depois do convite. A correria  foi grande para a querida escritora. O evento foi organizado por uma empresa de Brasília e pela poetisa. Eram doze poetas além de uma banda de chorinho. Dois poetas de Brasília e o resto de Goiânia. A Wanessa em desespero passou os dias atrás de um Data Show. sempre dizia para ela que não precisava, que era algo inútil, vão. Porém ela sempre me falava que os poetas eram frescos e assim constatei no dia do evento o que ela tanto reclamava. Bando de frescos emaranhados nas teias do puritanismo. Seres sem voz cantando palavras inauditas e hipócritas na sutilezas das palavras impotentes.

Dia 06 de novembro de 2010. Enfim o dia do sarau. Estava marcado para as 19 horas. Cheguei minutos antes acompanhado do poeta e amigo Ivan Silva. Dos dozes poetas apenas três compareceram. Um deles alegou que não estava bem psicologicamente.  Enfim. É isso. O que dizer? Não sei, caro leitor. Apenas me vem à mente aquela cerveja gelada que me descia a garganta feito um deus possesso. Baco iria agradecer. E minha vó pediria uma dose de cachaça. Pela falta de participantes coloquei Ivan Silva também para recitar. A maioria do público que foi eram amigos meus. Foi realizado no Goiânia Ouro, um local que gosto muito pelo espaço que dá aos artistas de Goiânia, e lá como disse a cerveja é sempre gelada.

Uma banda de quarenta anos de  existência chamada Amigos do Samba que tem como proposta imitar os Demônios da garoa abriu o evento cantando uma música de Adoniran. Duas horas de atraso começou o evento. Poucas pessoas foram. Eu subia e descia as escadas toda hora. Cada descida era uma cerveja que trazia. Sempre bebo Brahma de garrafa que descobri a poucos dias que na verdade é chope. A latinha não presta. Já pegou uma Brahma geladíssima (de garrafa, claro) e misturou com vinho? Não?? Faça isso. Irá gostar. E não dá ressaca. Garanto.  Fui no camarim dos artistas. Cadê o álcool? Os cigarros? Só tinha privada! Porra! Aí não! O jeito era continuar subindo e descendo escadas. Já estava cansado disso. As pernas doíam muito. Pensa num sedentário de marca maior fazendo exercícios em pleno sábado! Quase uma viagem surrealista a la Salvador Dali. Agora deveria me comportar. Começou a “bagaça”! Colega minha vinha toda hora com uma latinha de Antártica para mim. Eu bebia intercalando com água. Adoro cerveja com água. Uma mulher muito educada começou a ler. Leu um poema de sua autoria e um da Cora Coralina. Em seguida foi o Luiz de Aquino. Grande poeta goiano. Eu já o tinha visto no chorinho da rua 3 que acontece toda sexta feira em plena rua. Nunca tinha conversado com ele. Leu alguns poemas. Fantásticos. Ele é um grande poeta com um senso rítmico, intenso e  visceral que me agrada. Fala de pelos e poros, bundas e alma numa sutileza e volúpia como ninguém. Ele diz que não, mas sua poesia tem fortes traços feceninos. Em seguida me chamaram. Dei um bom trago na cerva e subi o palco. Me apresentei, falei dos meus fanzines, o CAMA SURTA, o “folhetim coprofágico filosófico desimportante” e o Molho Livre, meu mais novo projeto. Dei uma cutucada na falta de ação dos artistas e li um poema que foi o resultado de uma conversa entre o Ivan e eu sobre a existência, sobre poesia “boa” ou “ruim”, sobre arte, metafísica, etc. o segundo poema foi um chute nos bagos de algumas pessoas reacionárias.

“Sou poeta porque és a musa que embriaga meus versos” (o público: ÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ, emocionados). Segundo verso: "Anjo de volúpia –nua sempre –" ( o público: ÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ, assanhados). “Tua virtude resume-se ao seio e a bunda” (o público: ???????????????? interrogações na cabeça). “És puta, és deusa, és rainha” (o público – em partes – ahhhhhhhhhhhhhhhhh). O terceiro poema cujo título “ANA E CAROLINA (I) que faz referências a cantora bissexual da MPB chocou algumas pessoas. O poema que fala de um casal de lésbicas que se amam sem pudor “lambendo na insânia o ardor dos desejos intransigentes”, a chama queimando corpos em volúpias na entrega de um desejo sem igual gerou protestos na platéia. A  mais velha, professora de educação física, iniciando a mais nova que estava no 1º ano ainda no amor homossexual. Eu no palco nada percebi. Estava quase em transe mediúnico. Totalmente excitado, filosoficamente excluído e incluído no ambiente. Desci do palco quase a força e percebi minhas irmãs e amigos indignados com um velho da banda de chorinho falando pra eu descer do palco, que aquilo não era poesia e sim uma afronta aos bons costumes da sociedade. Se eu enfiasse em seu  rabo Rimbaud e do chão  saísse o abismo com uma cara enfadonha rindo de sua restrita condição “intelectual”... hum... Mas é isso mesmo. A poesia entra e destrói as bases, quebra tabus e cutuca a ferida. Eu gosto de sinceridade. De ouvir o que pensam sobre mim, mesmo que não gostem  do que faço. Aquela idéia do “homem cordial” exemplificado no livro Raízes do Brasil do Sergio Buarque de Holanda é algo certo. Muitas pessoas pegam meus textos e pela amizade antes de lerem dizem que gostaram. Acho isso lamentável. Já rasgaram meu fanzine e disseram que não tenho talento pra escrever. Isso foi magnífico! Emocionei! De verdade.

Acabado o evento fui conversar com o Luiz de Aquino. Fiquei pensando: “um poeta como esse, forte e intenso, não é possível que é reacionário também, já que sua literatura é tão carregada de lascívia, tesão e sensações alquímicas-físicas, visionárias e bombásticas?" Conversamos bastante. Ele me deu livro autografado e bebemos até 4 da manhã na Pastelarira, um bar que fica no setor Central, próximo ao Martim Cererê. Peguei um livro de outro poeta que participou do evento. Espelhos do Amanhecer do Waldire Laureano. Belo livro! Luiz de Aquino nos contou suas histórias, envolvimento com a arte e outros artistas. Se mostrou um tremendo podólatra ao fazer massagem nas meninas e um grande boêmio com um papo agradável sem ser pedante como muitos “pseudo intelectuais” que andam por aí com suas luvas de pelica. De fato uma grande alma.

O mais interessante foi saber que um outro grande trovador contemporâneo do evento viu o cú do ex presidente Lula, quando este bebia cerveja sentado num bar exibindo para todas as pessoas seu orifício anal.

3 comentários:

  1. Ótimo trabalho
    Um relato digno do grande Hunter Thompson

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  2. Deve ter sido muito bom esse evento.

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  3. Nelson Rodrigues, onde quer que esteja, te aplaude de pé. O ser humano se envergonha de ter um corpo, de exercer seu prazer no escuro. O brasileiro muito pior. Hipocrisia!

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