quarta-feira, 11 de maio de 2011

EDUARDO MARINHO E SUAS REFLEXÕES

(Por Diego EL Khouri)

Eduardo Marinho: artista e  ativista que faz da sua arte função. Um dos artistas que estive em contato  no Rio de Janeiro e que tenho o orgunho e a felicidade de conhecer. Diz aí Eduardo:

                     http://observareabsorver.blogspot.com/

Qual a função da arte?


Cada artista é que determina a função da sua arte. A arte passa pelo filtro da personalidade de quem a materializa e adquire um bocado do seu corpo abstrato, ou seja, seus sentimentos, suas idéias, seus desejos, seus objetivos, sua visão de mundo, suas opiniões e tantas coisas essenciais que fazem parte do ser.

Eu escolhi, pra minha arte, a função de sensibilizar, esclarecer, conscientizar, causar reflexões, questionar valores. Na verdade eu escolhi isso pra minha vida, aos dezenove anos. Nem sabia, ainda, que chegaria a viver de arte.”Vou dedicar minha vida a causar reflexão, a fazer pensar...”, foi o que eu disse, há trinta anos.  Quando comecei a fazer arte, mesmo – não artesanato, de que vivi muito tempo –,  já tinha uma certa vivência e já sabia o que dizer, enquanto seguia aprendendo. Esse aprendizado não termina, é o tempo todo, a vida inteira. É preciso estar atento. Enquanto se aprende, se ensina.





 O que tem a dizer daqueles que  te consideram um individuo que se sente  incomodado pelos ricos?


Não sou incomodado pelos ricos, raramente chego perto de um. O que me incomoda é a ostentação grosseira, o excesso, o desperdício. Toda a miséria que vejo se deve à concentração constante de riquezas, terras, rendas, valores, recursos e poder na mão de poucos, o que traz privilégios às minorias, locais, regionais, nacionais e mundiais. Considero a humanidade uma grande família, é assim que sinto. Mesmo o perverso, o bandido, o delinqüente é um irmão meu, perdido em baixas vibrações, cada um com seus motivos. Não posso ostentar riquezas, nem desejá-las (os que vivem em função de grana e privilégios não podem acreditar nisso), diante do quadro social de miséria e ignorância pra tantos, idosos, crianças, homens, mulheres, a quem se nega os direitos mais básicos por um Estado controlado por poucos riquíssimos miseráveis de espírito.



Se interessar pelo marxismo e odiar os marxistas. Explique essa sua afirmação.


Gostei do marxismo, quando o conheci, porque ali encontrei explicações pras situações que via, de diferenças aberrantes, na minha sociedade. Eu estava numa faculdade pública, em Vitória, e comecei a participar dos movimentos estudantis, ainda na ditadura. Eu não disse que odeio os marxistas. Disse que achei os marxistas péssimos, mas só posso me referir aos que conheci e convivi. E achei péssimos, porque sabiam da estrutura social mas não sabiam falar uma língua que se possa entender. Juntando com a arrogância de conhecer a verdade (reparei que o olhar é muito semelhante ao de um crente fanático), de entender tudo, de querer guiar os outros, tornou o convívio bem ruim. Hoje ainda acho que quem se considera revolucionário deveria conviver com a população, com humildade, e aprender não só a sua língua, como seus costumes, sua sabedoria, seus valores, sua criatividade.  



“Você diz que enquanto não houver estrutura partidária no país não haverá democracia”. De que forma se consegue isso em nossos tempos tão sem esperança?


 Não existe tempo sem esperança. Sai por aí e cê vai ver. Observe os sinais. A fúria dos dominantes vem do desespero. A mídia cada vez está mais desmoralizada, está se formando uma mentalidade de oposição às mentiras cotidianas, muitos movimentos onde antes não havia. Gente conscientizando, contestando valores. Ainda raros, ainda exceções, claro, a humanidade ainda é como um garimpo, muito cascalho, terra, lama, pra cada pedrinha preciosa, pra cada pepita de ouro. Mas há uma diferença fundamental entre o garimpo mineral e o garimpo humano. A preciosidade humana contamina, pega, se alastra.

A estrutura partidária, eleitoral, farsesca, “vende” candidatos como produtos, maquiados e orientados por marqueteiros. Claro que tratam o povo como imbecil, e de fato o povo sofre um processo de imbecilização, há gerações. Sabotou-se o ensino público, destruindo-o literalmente, controlou-se o ensino privado, voltando-o para o “mercado” e tornando-o competitivo e racionalista, e a mídia faz o resto do serviço, encontrando a maciez cordata da falta de instrução e de senso crítico. Os políticos, em sua esmagadora maioria, são reles fantoches, manipulados pelos seus financiadores de campanhas, grandes empresas e empresários e banqueiros riquíssimos. Como pode haver democracia se o povo mal sabe ler umas frases? Como, se a população não tem acesso a informações reais? Democracia, aqui, só se for entendida como a “cracia” do demo.



A mídia hoje é o maior inimigo da sociedade?

Não. É apenas funcionária de luxo dos verdadeiros inimigos das populações. Encarregada de imbecilizar, suprir as carências emocionais, distorcer a realidade de modo a que não se possa entender ou enxergar, desestimular a reflexão sobre o mundo, a vida e a sociedade, conduzir a opinião pública, atacar os movimentos de resistência, reivindicação, denúncia ou defesa da população e induzir ao consumo compulsivo, ligando valores sociais, pessoais, emocionais e afetivos à posse, à ostentação e ao consumo.



Acredita na influência divina no seu processo de criação?


Influência divina é um pouco demais, pra mim. Se a gente nem conhece o universo, boiando nessa bola mineral, em torno de uma estrela-anã, em meio a uma galáxia de cem bilhões de estrelas, que é uma entre 200 bilhões de galáxias contadas desde a antigüidade, até onde os telescópios de alta tecnologia podem alcançar – e o infinito que existe fora do alcance – como é que pode conceber um criador, um ente supremo do universo? O ser humano é um animal pretensioso, não tem a humildade de assumir sua própria incapacidade de compreender a totalidade. Daí as explicações religiosas, cada uma chamando pra si o privilégio da “verdade” e excluindo todas as outras da paternidade divina.

Descendo deste pedestal, percebemos o relacionamento com o invisível, constante e permanente, através do corpo abstrato, do ser. Consciente ou inconscientemente, estamos todos em relação com as freqüências que sintonizamos, sofremos influência e influenciamos, por nossa vez. Muitos dos meus trabalhos, sinto que foram feitos com participações outras, que não defino, nem preciso definir.



 “O poder real está acima da política".  Explique isso.


 Há muito tempo os donos do poder real, o econômico, perceberam como controlar o poder aparente, o político. Arrasando com a educação pública – para que o povo seja ignorante – e controlando as comunicações – para que a população seja alienada – a política se subordina à riqueza de poucos, que financiam as campanhas eleitorais com regras publicitárias – “vendem-se”  candidatos como se fossem produtos, com imagens calculadas,  mensagens vazias de conteúdo e caprichadas na forma. O poder real é exercido no escuro do mercado financeiro, nas corporações de banqueiros internacionais, nas reuniões dos magnatas das indústrias de armamentos, laboratórios farmacêuticos e outras mega-empresas transnacionais, decidindo as políticas públicas que serão impostas às marionetes políticas. Ao povo, resta assistir a farsa dos bonequinhos, com poucas condições de perceber os fios que os controlam. As políticas públicas são resolvidas entre poucos particulares, sem participação de nenhum eleito – a não ser, claro, e se houver necessidade, como informante ou consultor. No estado de letargia política a que somos induzidos, não percebemos os crimes lesa-povos diários.



Você rompeu com vários valores que seu meio considerava importante. A que se deve essa coragem?


 Não há coragem. Nem rompimento com os valores. Simplesmente fui, aos poucos, percebendo as mentiras por trás dos valores vigentes e eles foram, gradativamente, desaparecendo dos meus valores pessoais. Eu não tinha nada para substituir esses valores, apenas dúvidas, então ficou um vazio à espera dos resultados de uma procura que se acentuou quando tirei das minhas costas o peso da situação social privilegiada, para procurar, por meus próprios meios, uma razão pra essa existência. Não pude achar tais razões para a coletividade, mas encontrei para a minha existência pessoal, no princípio da solidariedade ao grupo humano, à coletividade.

As pessoas têm um medo implantado de viver sem “garantias”, sem perceber que isso é fonte de angústias e frustrações. Por isso, é comum eu ouvir que “larguei tudo”, que “abri mão de privilégios”, papos sobre coragem, etc. O que houve foi uma enorme necessidade interna, clamando por uma razão além desse vazio de objetivos, pois buscar privilégios, conforto material, garantias e facilidades, além de me parecer pouco pra querer de uma vida tão passageira, me obrigaria a uma vida de merda, sem sentido. Na verdade, quando fiquei sem nada além de uma mochila nas costas, senti um alívio sem comparação, uma leveza e uma liberdade de movimentação e procura que nunca tinha sentido antes.





E o fanzine Pençá com Fabio da Silva Barbosa? Nos fale desse projeto.


O Fabio tem uma enorme vantagem. Ele entrou na faculdade de jornalismo com vivência de base, conhecia o sistema, trabalhava com radiologia em hospital público, conhecia a falcatrua dos serviços chamados “públicos” e tinha a visão de mundo formada pela realidade da maioria. Isso, com seu temperamento e seu caráter, tornou-se uma fortaleza onde as pressões acadêmicas pela mediocrização pessoal não puderam entrar. O jornalismo se tornou, nele, a expressão da liberdade de expressão. Por isso, ele ficou pelas margens, mas com instrumentação acadêmica para exercer o trabalho jornalístico como ele deveria ser, em regra.

O Pençá nasceu, se bem me lembro, num dos porres que tomamos em algum boteco aqui por perto. Depois, como se fosse um plano autônomo, o Pençá começou a andar, meio aos trancos e barrancos, até o terceiro número. No momento está em hibernação, devido a vários acontecimentos da vida, e pretendemos que se torne aperiódico, para termos mais liberdade. Afinal, nem ele, nem eu temos facilidades na vida – é o preço para manter o respeito próprio, sempre na expectativa de que a situação melhore, pelo menos no meu caso. No dele, acho que ele espera que o mundo se acabe em podridão, na sua visão de que “o ser humano é uma merda”. rs



O que tem a dizer sobre o governo querer desarmar novamente a população?


Isso é jogo de bastidores, teatro no pior sentido da palavra. Os interesses que sustentam esse movimento nem me interessam. As forças de segurança cada vez mais atacam a população. São forças de contenção popular, travestidas de segurança pública. Eu me solidarizo com os bons policiais que têm, em seu coração, a crença de garantir a paz e a segurança de todos – eles acabam deixando a corporação, desiludidos, ou pedem pra ficarem nos serviços internos ou, ainda, se tornam amargos e céticos, aguardando o momento da aposentadoria para esquecer tudo. Pobres vidas dilapidadas, pobres sensibilidades destruídas, pobres humanidades enganadas, brutalizadas e corrompidas.



Revendo sua vida, existe algo que não faria de forma alguma?


Claro. Muitas. Não mandaria ninguém atirar, quando me apontasse uma arma. Não teria filhos antes de ter, pelo menos, onde morar. Não chamaria um juiz de corrupto em público, com o dedo na cara dele. Não demoveria nenhum crente da sua crença. E muitas outras coisas, embora só tenha me arrependido, mesmo, dessa última. O cara largou da família – sua mulher permanecia crente e revoltada com ele -, saiu viajando pelo nordeste e foi morto por policiais, em Alagoas, que o viram vendendo seus anéis de prata e pedras preciosas e o roubaram, antes de matá-lo. Amarguei uma culpa sem tamanho.


6 comentários:

  1. Valeu, meu cumpade, repostei no obs/abs, só pra ver o que dá. Grande abraço.

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  2. Certamente, quem escuta / lê Eduardo Marinho cresce muito enquanto ser humano. Seu grande mérito é nos provocar reflexão.

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  3. estou impressionada com a sensatez desse cara,espero poder conviver com um ser humano assim algum dia.

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