quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O gueto sangra — Gutemberg escreve sobre o maior massacre do Rio

   


MASSACRE.


Por Gutemberg F. Loki.


Quem pode fechar os olhos

Para um banho de sangue vergonhoso?

Até quando vão achar que na favela

Só tem criminoso?


Problemas sociais existem

Todo mundo sabe, todo mundo fala,

Mas é burrice querer acreditar

Que tudo vai se resolver na bala


Morreram mais de 60

Foi o que passou na televisão,

Moradores trouxeram mais corpos

Passaram de 100, pega a visão


Foi massacre no Complexo da Penha

Foi massacre no Complexo do Alemão 

Governador,  o sangue dessas mortes 

Não sairá nunca da sua mão


Quem pode fechar os olhos 

Para um banho de sangue vergonhoso?

Na verdade, o Estado é o culpado

Pelo Rio ser tão perigoso


Problemas sociais existem 

Todo mundo sabe,  todo mundo fala,

Mas é burrice querer acreditar 

Que tudo vai se resolver na bala


Morreram mais de 60

Foi o que passou na televisão, 

Moradores trouxeram mais corpos

Passaram de 100, pega a visão


Foi massacre no Complexo da Penha 

Foi massacre no Complexo do Alemão 

Governador,  o sangue dessas mortes

Não sairá nunca da sua mão!


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Título: Século Sinistro

Técnica: Óleo sobre tela

Dimensões: 60 x 80 cm

Artista: Diego El Khouri



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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Sobre a leitura

 Por Rogério Skylab


Se você soubesse que
enquanto cavalgava sobre
a fúria do tempo,
eu também o fazia à minha maneira…

E com a mesma galhardia
que empinava o sexo,
eu também o empinava, rato de biblioteca.
E também era volúvel, também sem cabeça.

E cada capítulo lido, cada poesia,
era como um corpo desnudo
que você tateava, transida.

Pensávamos ser tão diferentes.
Foi só no fim da jornada que vimos:
os nossos caminhos eram os mesmos.




terça-feira, 28 de outubro de 2025

Ápice da dor

 Por: Ivan Silva

As cinzas das chamas de lá chegam aqui
Trazidas pelo vento, tempo e vozes
A Guerra meu amor precipita o fim 
no início não há continuação
só depois
Em meio a destruição é onde as menores artes se tornam ainda mais fortes
e as lágrimas de sangue absurdas se tornam chuva



* Retirado do blog: https://atunalgun.blogspot.com/

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Herança de morte

 Por Amélia  Dalomba

Lírios em mãos de carrascos
Pombal à porta de ladrões
Filho de mulher à boca do lixo
Feridas gangrenadas sobre pontes quebradas
Assim construímos África nos cursos de herança e morte
Quando a crosta romper os beiços da terra
O vento ditará a sentença aos deserdados
Um feixe de luz constante na paginação da história
Cada ser um dever e um direito
Na voz ferida todos os abismos deglutidos pela esperança


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* "Amélia Dalomba (1961) é poeta angolana que une erotismo e rebeldia. Sua escrita transforma o corpo e o desejo em formas de resistência e liberdade."

domingo, 26 de outubro de 2025

família vende tudo

Por Angélica Freitas


família vende tudo

um avô com muito uso

um limoeiro

um cachorro cego de um olho

família vende tudo

por bem pouco dinheiro

um sofá de três lugares

três molduras circulares

família vende tudo

um pai engravatado

depois desempregado

e uma mãe cada vez mais gorda

do seu lado

família vende tudo

um número de telefone

tantas vezes cortado

um carrinho de supermercado

família vende tudo

uma empregada batista

uma prima surrealista

uma ascendência italiana & golpista

família vende tudo

trinta carcaças de peru (do natal)

e a fitinha que amarraram no pé do júnior

no hospital

família vende tudo

as crianças se formaram

o pai faliu

deve grana para o banco do brasil

vai ser uma grande desova

a casa era do avô

mas o avô tá com o pé na cova

família vende tudo

então já viu

no fim dá quinhentos contos

pra cada um

o júnior vai reformar a piscina

o pai vai abrir um negócio escuso

e pagar a vila alpina

pro seu pai com muito uso

família vende tudo

preços abaixo do mercado

Rilke shake (2007)

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sábado, 25 de outubro de 2025

Tríade

Por: Adelaide Crapsey



Eis aqui
Três coisas quietas:
A neve que cai... a hora
Antes da aurora... a boca de um
Defunto.

******************

"Adelaide Crapsey (1878–1914)  — a mulher que mediu o sopro da vida em cinco versos.
Inventou o cinquain, poema breve como um suspiro antes da morte.
Tuberculosa, escreveu com febre e precisão — morreu jovem, mas deixou o eco exato do silêncio."



sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Goiânia, 92 anos...

Outubro ou nada 

(fragmentos capitais)


Por Pio Vargas


Goiânia,

foi-me dado

o direito de falar contigo,

não pela língua dos jornais

ou dos livros,

mas pela janela deste outubro

que nos ameaça com seus olhos

de futuro

e a dor das flâmulas boiando

nos flamboyants

não direi dos becos

da saudade de beca

dos rios sujos

das margens secas

dos gabinetes

dos shoppings

ou do césio

ardendo nestes dias atônitos

não direi dos pêndulos

dos vincos

de Pedro Ludovico

inscrito no silêncio

dos monumentos

(o eterno da história

é o momento).

II

venho ó Goiânia,

visitar o intestino

de tuas ruas desertas

e abastecer as viagens

do olhar nos andaimes.

venho compor memórias

a partir do teu rosto

tecido pela ventania

vertical das construções.

venho avistar-me,

habitante urbano

de teus enigmas;

reconhecer tuas lendas

plantadas na paisagem

de campinas distantes;

supor a notícia nova

nos anais de teu sangue

abrir-se num sonho

e gritar entre adjetivos

e perfumes: G-o-i-â-n-i-a.

venho desnudar-me

em voláteis retratos

“gastando a sola dos Bandeirantes”

pelo rumo dos sapatos.

venho, sobretudo,

no disfarce pretérito

dos projetos:

Goiânia é alguém se gerando

no abrúpetro caos dos relógios.

III

Goiânia:

a nos dizer

que asas são algemas

pra quem sobe

mas não sabe descer;

a nos informar 

a exata dimensão 

do peso nos ombros

(dos rombos)

e das cordas do relógio

ruflando nos biombos do peito?

a riscar o lívido

de nossas praças

a medrar os punhos

pra medir toda desgraça;

a tomar-nos por filhos

na mesa de todos bares

e a beber conosco

no reservatório

dos pesares;

a sondar os sinais de trânsito

indo e vindo com a multidão

crescendo entre o verde

e a sombra dos anos.

IV

Goiânia, há muito que dizer,

mas eu fecho os olhos

pra recordar a última voz

de teu silêncio:

“eu vim do milagre

de fluir entre a memória

e o futuro”.

(efêmero é o poema que tente desnudá-la

Goiânia).



****************


"Pio Vargas (1964–1991) foi um poeta goiano nascido em Iporá e figura marcante da cena literária de Goiânia nos anos 1980. Autor de livros como Janelas do Espontâneo e Anatomia do Gesto, uniu lirismo, ironia e existencialismo com influência da geração beat. Viveu intensamente a experimentação e era, antes de tudo, um leitor voraz. Morreu jovem, aos 26 anos, de forma trágica. O ruim é ver em Goiânia tanto poeta preguiçoso seguidor de Pio, sem compreender a inquietação e o rigor que moviam sua escrita."


Para conhecer mais poemas do Pio:


PIO VARGAS (1964-1991) - O METEORO DA POESIA INSUBMISSA:

http://molholivre.blogspot.com/2011/11/pio-vargas-1964-1991-o-meteoro-da.html



Fotogrado pelo olhar poético  de Diego El Khouri, o outsider da galáxia de Parnaso. Goiânia, GO, Brasil. Ano: 2017

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Poema escrito há 52 anos, sob o clima terrível da ditadura militar:

 Por Edival Lourenço


Averiguações

piso um passo no espaço
e procuro um piso duro
que eu possa passo-a-passo
pisar em piso seguro
forte como fiz e faço
um espaço pro futuro.
pra pisar em piso escasso
vazar espaço sem furo
faço imaginário traço
de piso-ponte seguro
pra ver o que falo e faço
do lado de lá do escuro.
piso um passo no seguro
e procuro um piso-passo
forte como fiz o furo
sobre o incisivo traço.
vazar espaço sem furo
pisar em piso escasso
e, do lado de lá do escuro,
conferir o que falo e faço.
pra ver o que falo e furo
no escuro piso-espaço
traço imaginário duro
do futuro em descompasso.

Havia recém-tomado conhecimento do conceito de poema-processo, uma forma de compor em que o poema dá a impressão de que vai se desdobrando, saindo de si mesmo.
Edival Lourenço


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Pinturas de Diego El Khouri inspiradas em fotos tiradas no período da ditadura militar:











https://elkhouriartes.blogspot.com/

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

UM HOMEM SOLITÁRIO.

 Por Gutemberg F.  Loki.


Um homem solitário

Não precisa ser solteiro, 

Às vezes,  a solidão 

Te acompanha o tempo inteiro 


E ninguém sabe

E ninguém percebe 

E ninguém sabe 

Por que você tanto bebe


Às vezes,  até parece

Que é charme ou diversão,

Mas o que acontece, 

A felicidade não estende a mão 


E ninguém sabe 

E ninguém percebe 

E ninguém sabe

Por que você tanto bebe. 

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

HQ O FILÓSOFO DA MACONHA chega ao PLANET HEMP — um encontro entre tinta, fumaça e desobediência

 









 Ontem, missão cumprida: enfiei nas mãos do Marcelo D2  alguns exemplares da HQ O Filósofo da Maconha logo na saída do show do Planet Hemp  em Goiânia. Foi rápido, mas o suficiente pra entregar a dinamite canábica da Editora Meerda na Mão  direto pra banda mais maconheira do planeta.


🔥 A Última Ponta é o nome da turnê — e também o pavio aceso de uma era. Agora o Planet Hemp tem em seu acervo uma HQ chapada até o osso, cuspindo tinta, poesia e fumaça.


* O Filósofo da Maconha tem roteiro de Fabio da Silva Barbosa, desenhos de Diego El Khouri  e prefácio do  Ciberpajé, publicada pela Editora Merda na Mão — editora independente com 5 anos de estrada, imprimindo contracultura, suor e alucinação nas páginas da arte brasileira.



 O planeta é todo hemp.

E que se fodam os fascistas e os conservadores que tremem quando encontram arte com coragem, raiva e alma!








sexta-feira, 17 de outubro de 2025

TEIMOSIA

 Por Sérgio Vaz


Não adianta
quebrarem minhas pernas,
furar meus olhos
ou falar pelas costas.
O que sustenta meu corpo
são as minhas ideias.
Braços descruzados,
tenho um cérebro com asas
e sou todo coração.
Se me proibirem de andar sobre a água,
nado sobre a terra.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Riso Frenético

(Memórias de um feto no ventre de Deus)

Anjo desnudo em frente do espelho
(nu em pelo)
como um feto entalado no ventre
como a Morte vomitando desespero.
Como uma poesia submersa
amassada no bolso esquerdo da calça.
Como a vitamina e os remédios
espalhados na escrivaninha do quarto.
Além disso tudo um câncer entalado no pâncreas,
e no pâncreas a vida cessando,
a vida nos olhos devorando.
E ele ri e ri e ri compulsivamente
nu em pelo
como um feto entalado no ventre.
(Diego El Khouri — 10 de abril de 2009)

Postado originalmente nesse blog no ano de  2009: 

domingo, 12 de outubro de 2025

Molho Livre: quinze anos acendendo ideias nas sarjetas do ciberespaço — um blog que respira desobediência e jamais pediu licença pra existir

O blog cultural Molho Livre, criado pelo artista goiano Diego El Khouri, completa hoje, 12 de outubro de 2025, 15 anos de existência, resistência e contracultura na veia da arte independente — somando até hoje o número impressionante de 390.325 visualizações e 1.443 postagens, algo ainda mais surpreendente por ter sido criado por um artista tão outsider, movido pela força marginal da criação livre.


https://molholivre.blogspot.com/




sexta-feira, 10 de outubro de 2025

TUDO AQUI É UM EXÍLIO

 Por Lubi Prates


apesar do sol
das palmeiras
dos sabiás,

tudo aqui é
um exílio.

tudo aqui é
um exílio,

apesar dos rostos
   quase todos negros
dos corpos
   quase todos negros
semelhantes ao meu.

tudo aqui é
um exílio,

embora eu confunda
a partida e a chegada.

embora chegar
apague
as ondas que o navio
forçou no mar

embora chegar
não impeça
que meus olhos
sejam África,

tudo aqui é
um exílio.


quinta-feira, 9 de outubro de 2025

QUEREM NOS CALAR

 Por Mel Duarte


Aqui estamos nós, donas de nossas próprias palavras, revolucionárias do cotidiano, regando a terra outrora batida por nossas antepassadas,

firmando nossas pegadas, sabendo que hoje, cada vez que nossa fala se propaga, equivale a dez que antes foram silenciadas.

 

Mulheres de uma geração atrevida, filhas dos saraus e das batalhas de poesia,

alquimistas, libertárias, propagandistas da oralidade,

compartilhando nossas travessias,

bradando nossa realidade!

 

Sempre semeando essa terra verbo fértil,

perpetuando nossa existência através de versos,

escrevendo quantos poemas manifestos forem necessários por dia

pra cada vida interrompida ter mais valia.

 

Não mais invisíveis, não mais mercadoria.

 

Se querem nos privar, ocuparemos espaços!

Se querem nos apagar, escreveremos livros!

Se querem nos calar, vamos falar mais alto!

 

(Livro “Colmeia- Poemas Reunidos” (2021)

Capítulo Favo, pg 115

Editora Philos)