sexta-feira, 2 de agosto de 2013

ESCRIVÃO TRAFICANTE


(Por Diego El Khouri)


Pessoas pensantes pensam
no lar expulso do ventre
na paisagem que nunca se desnuda
no calor intenso dos trópicos
na cara banhada de sangue
dos indigentes na sala nobre do inferno.

Pessoas pensantes erram
na tenra infância dos amores
no destino recortado da aurora
na pintura multifacetada de cores
no leite branco que escorre lento de seus corpos
nos astros azuis que choram
na massificação idiota da mídia
no lado oposto onde ratos vivem.

Agora minha mulher, cabelo amarrado,
de calcinha e sutiã,
faz a comida que alimentará minha alma,
a limpeza que tranquilizará o norte;
no instante derradeiro da lua
ela tece cores bonitas no âmago do meu peito.

O cachorro Pingo, louco que é,
inutilmente tenta foder
e surpreendido fodido é
pela sua estrutura frágil e pequena
- me comovo com  a poeira chata
que lambe seu corpo
nessa jacarepaguá de atribulações.

Canto, uma música baixinha no ônibus
- “como um rato de bueiro, como um gato de calçada" -,
indo para Quinta da Boa Vista
desenhar caras, dentes e pernas.

Sou o escrivão do presente, futuro, passado.
Scarlett O' Hara
que se perdeu na roda da vida.
Amante ardente... muitos olhos
grudaram em meu pênis
e nem em Santo Antônio de Goiás 
quando nu lia meus versos
pude ver minha própria sombra...

“O silêncio é uma confissão”.
O meu se encontrou no ventre do lar
na aparição de pus e sangue
nessa família nojenta que me viu crescer.

Sou pai e mãe do meu destino
deus de braços abertos
cuspindo fel e poesia.

Reconhecemos diamantes
e pedras preciosas
pois, anjos encarnados,
somos diamantes e pedras preciosas
queiram ou não queiram.

Ao lado  a  tia punheteira
que me torturava
enquanto sofria de apendicite supurado
num quarto de apartamento anos atrás.

Edu Planchêz diz 
que temos que ter mais tempo
para adorar as flores
“sentar na calçada sem qualquer preocupação,
saboreando amoras bem maduras...”

Estou sentado agora
num tapete de pregos
lendo “assim falou Zaratustra”
pela milésima vez
fumando o cigarro
que nunca mais fumarei,

pelo menos até a próxima estação
até o próximo limite da dor
até que alguém venha me socorrer
e me entregue todo dinheiro roubado
daquele velinho alí na porta do mercado
empurrando seu carrinho de compras.

Se a sombra vil atravanca meu caminho
por que não colocar o pé na frente
e trazer para dentro de meus olhos
as estradas cintilantes que outrora vi na infância?

Por que também não ferir pessoas
cuspir na porta do paraíso
 mostrando a bundinha pra deus?

Eles sabem muito bem o que fazem
esses padres em passeatas
pela diminuição máxima do prazer...

Estou do lado oposto
disposto a tudo (!)
inclusive a negar o sangue
e o dna que me impuseram
 sem meu consentimento.

Meu pau duro segui firme
e não posso voltar atrás
muito menos beijar as bocas carnudas
das mulheres doentes nas esquinas
grávidas da miséria persistente
e muito menos olhar pra trás e ver a cara 
de parentes que me roubaram tudo 
tudo tudo tudo tempos atrás.

Desconecto o cabo, desligo a tv;
não adianta cuspir sóis se a lâmpada queimou
a intensidade inconsequente
que me ensinou a viver.

4 comentários:

  1. Como sempre visceral direto do âmago da realidade!

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  2. Uma odisséia..rs...gostei muito!
    Alexandre Pedro

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  3. Diego El Khouri, porra, caralho de poeta filho mais q puta, vagabundo mais q luz, irmão da trevas iluminadas, te amo.

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  4. Em imersão ao passado...lago escuro e absal do inconciente ferido. Te amo mmais que tudo poeta.

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