terça-feira, 31 de maio de 2022

Fabio da Silva Barbosa e sua poesia porrada

  Vazio de emoção

 

Um homem rezava a bíblia

Enquanto outro pedia perdão

Estão todos perdidos

Achando ter razão

 

Esperam pelo paraíso

Enquanto o mundo desaba

Temem a escuridão

E trancam-se em suas conchas

 

Achando que precisam

Desprazer em te conhecer

Não me venha com bom dia

Não minta novamente

 

Fico o mais longe que posso

Das certezas e respostas

Não suporto suas histórias

Pra você eu viro as costas

 

Então me teletransporto

Pro mundo da ilusão

Onde não existe

Essa maldita convicção

 

Mas ainda é como nadar

Naquele mar de giletes

Agulhas e estiletes

Perfurantes e cortantes

 

Arde como a vida

Dói como a memória

Não existe o tal futuro

Já não acredito em solução


...


Sem ponteiros

 

Um céu escuro

cinza e completamente sem luz

nesse frio insuportável

que congela nosso peito

e mata nossa alma

sufoca nosso grito

e ninguém entende

algo de tudo que falamos

e ainda tentamos explicar

mas já não temos tempo a perder

com ouvidos surdos

ou mentes enlatadas

Tudo o que resta

é o nada

sem cheiro, sem gosto e sem sentido

sem perspectivas e sem futuro

Nada mais faz sentido

E quando é que fez?

Os parasitas chegam pra sugar

o que ainda resta

e os carniceiros já aguardam os meus restos

e nossa existência inexistente

não permite que esqueçamos

do vazio que nos preenche

Estamos tão áridos

que nosso solo já rachou

Nada mais nasce aqui

nessa terra devastada

E até os cegos podem ver

mas eles também duvidam

Afinal

acreditar

virou apenas mais uma forma de mentir

É apenas a lembrança

dessas plantas

que há muito

já morreram

e não adianta mais regar

e não adianta querer dançar

se as pernas já caíram

Como ovos podres

eles tentam

nos convencer

que só querem ajudar

mas a vida já passou

e a memória se esqueceu

o tempo se arrasta

e a hora nunca chega


...


Não aguento mais


Não aguento mais

sem dinheiro no bolso

amor no coração

ideias que me convençam

ou ao menos uma ilusão

 

Apenas aguardo que me perfume

a doce fragrância da putrefação


...


O descer

 

Estou aqui

Me derretendo em fezes

Já escorreram as entranhas

E coisas que me parecem estranhas

Se foi isso que comi

Está cheio de moscas e vermes

 

É como uma corrente elétrica

Que percorre meu corpo

Causando  convulsões e espasmos

Desligando meu cérebro

Parecendo o fim

Levando-me ao necrotério

 

Mas é apenas uma condição natural

Algo de nascença

Já me sinto fadigado

Minha cor esverdeada

Minha língua mordida

Minhas veias exaltadas

 

Os olhos ardem

E o gosto é amargo

Acho que isso é um pedaço do pâncreas

Acho que isso não é mais nada

Mas se isso não é meu fígado

Então é algum dente

 

O pulmão já é um saco preto

Murcho e sem vida

Parecendo uma uva passa mofada

Uma carcaça atropelada

Um monte de nada

Uma porra gozada

 

Sugado pelo buraco negro

Que consome a pouca energia que me resta

Jogam fora os meus restos

Dizendo que nada aqui presta

Que começará o funeral

Que comece a festa


... 

 

 Encontro no campo

 

Que se foda essa porra

gritava ao virar a mesa

atirando coisas para o alto

e coquetéis molotovs  nos tanques opressores

que chegavam atropelando sua vida

 

Membros espalhados

decorando até o alto das árvores

Você sabe como funciona o circo

o horror apreciado em meio a papéis e  supostas soluções

impostas por vampiros e maníacos que decidem quantos mais irão sofrer

 

Mas vamos lá

dizem eles que não estão lá

 

Vamos lá

repetem eles que não estão lá

 

E é nesse momento que João pega sua arma e mergulha no inferno

arrancando cabeças e destruindo vidas

o show não pode parar

 

Vamos João

um assassinato não é nada comparado a glória dos mortos

E é nesse momento que João encontra o cara dos molotovs

Ambos param ao reconhecer o irmão

Mas João não pode parar se não acabará o show

E toda aquela lavagem cerebral não poderia ter sido em vão

E o cara dos molotovs tentou acordar o irmão

mas João já havia morrido então

Era apenas um corpo com uma arma na mão

E o dedo treinado para disparar a munição

 

Mate seu irmão

Mate seu irmão

 

Mas os que planejaram tudo brindavam e comiam

Os que planejaram tudo riam e dançavam

enquanto o encontro fatal dos que sangravam

acontecia em meio a carnificina

 

Entranhas

ventres abertos

o show o show o show

apenas um grande negócio

 

Vamos explorar

invadir

e roubar o que conseguir

 

Mas a resistência

irá sangrar

sem nunca desistir

 

Eles não vão desistir

Eles não vão desistir

Até quando irão resistir?

 

Mande um reforço de Joãos para fortalecer o grande show

Mandem olhos que já não enxergam e consciências mortas

Ninguém precisa entender

 

O cheiro de pólvora e carne é o óleo da máquina de extermínio

 

Fechem os ouvidos

Causem pânico

Deixem de sentir

É apenas mais um filme de entretenimento

O arco-íris de fogo ilumina

enquanto eles gritam

Vamos lá João

Vamos lá João

Mate ou subjugue seu irmão

De preferência mate

De preferência mate

Homens transformados em máquinas

agem como bestas sedentas

A mente morta

já não pensa

 

Olá João

Lembra de quando éramos crianças?

Eles estão usando você contra os seus

Deveríamos estar lado a lado contra estes malditos hipócritas

 

1, 2, 3, 4

João já não pode ouvir

sentir

refletir

Já é um cadáver e não respira

 

LEMBRE

 

As balas já estão voando

contra os corpos

de seus iguais


...


Docinhos de fel 

 

Quanto mais a vida passa

muito menos me agrada

Cercado por falcatruas mil

desde o dia em que nasci

aprendi a sobreviver

na selva oligofrênica

aprendi a odiar

Não gosto das pessoas em geral

Não vão me enganar

Aprendi a contestar

Aprendi a confrontar

Não vou me conformar

Não vou me encaixar

Querem me iludir

Querem me enquadrar

Mas não vou me acostumar

Não vou me acomodar

Eles mentem sem parar

Querem te adestrar

para torná-lo inofensivo

ou então acorrentar

Mas não vão me parar

nem o pensamento enjaular

Parem com esse papinho

que não vou acreditar

E você diz que me amarra

pra poder me proteger

E você diz que me castra

pra eu não enlouquecer

E me impõe suas verdades

E me empurra suas verdades

pela garganta abaixo

sem deixar minha voz

dizer o que penso

dizer o que acho

Aprendi a discordar

Aprendi a protestar

Até que me reste só a caveira

um crânio

uma ossada

irei resistir

Já não posso desistir

Impossível é continuar assim

Tudo chega ao fim

E essa estrada cheia de dor

desespero sem sabor

Já cortaram minha língua

e quebraram os meus ossos

Já furaram os meus olhos

e soldaram meus ouvidos

Mas ainda posso continuar

nem que seja a última coisa

nem que seja o último ato

Nunca me adaptarei ao sistema

prefiro ser mais um problema

que entrar no esquema

Ser uma afta incomodando

uma  tensão sempre a pairar

Não abra mão

da sua capacidade de pensar

sem abandonar a imaginação

Se não pode ser questionado

fique alerta e tome cuidado

pois é mais uma armação

para te esmagar

imobilizar

domar

incapacitar

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