domingo, 25 de junho de 2023

5 poemas de Carlos Roberto Ferreira

À máxima consciência: Erê


Na parede em branco dos acontecimentos

Aponto o datashow de uma mente inquieta,

Embriagada, viciada. Ansiedade? Não,

Excesso de orgulho. Slides do medo do futuro,


Fotos da última gaveta do escritório de madeira

Mofado, infalso, sem calço. Não há papel dobrado

Para por embaixo ou olhos renovados para as fotos.

Olhos infantis, alheios, equilibradamente melancólicos,


Olhos compaixão. Humano sentado ao escritório

Máquina de julgamento movida a vapor. É medo

O carvão.


Quem sabe, andar de costas. De novo, criança

Compulsivamente alegre, ranhenta, que,

Apesar das broncas, dona de si mesma.


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Denúncia


              - Não, 

Viaja nisso.

Viaja...

Eu tava lá no show da Karol Conká,

Lá na Praça Universitária e, 

Na moral, mano,

Tinha gente pra caralho!

Muita gente.


Mas beleza!...

Aí, acabou o rolê lá,

E tava eu e o Robertin, 

Lá do Riviera.

Aí nois ia vazar lá pra casa.

Aí a gente pensou assim, ah, vamo por aqui, né?

Aí a gente foi.

Aí o Robertin desceu pro Ap de uma mina lá,

Ficava na rua de baixo,

Aí eu fiquei sozinho.

Demorô!...


Mano...

Eu já tava na rua de casa.

Mas quando eu virei a esquina,

Eles já tavam mais lá na frente, a vt.

Aí pensei, 

“Ah, foi isso, né?

Rodei kakkkkakkk.”

Aí rodei mesmo, mano!

Eles me enquadro e pá,

“Cê é usuário, né?”

A fatídica pergunta, né? Kakkakk

Mano,

Tinha nem como disfarçar, tinha acabado de fumar 1.

Falei que sim.

Aí, mano,

Começaram a me falar um monte de ideia torta,

Que um caboquin que nem eu só tem como ser usuário mesmo,

Que eu tinha cara de vagabundo, minhas roupa era tudo errada,

Que eu era um bosta, e pá.

Aí me liberaram, eu fui embora, 

Já tava do lado de casa...


(Quando terminou de fazer sua denúncia,

Todos riram,

Mas a voz do outro preto ecoou.)


- Calma, Buiú,

Seu anjo da guarda ta treinando,

Mas seu exú é graduado!

Relaxa, Buiú,

Se até o Schumacher acordou!...


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Entendi!


Bati na porta, 

Entrei.

Foram lábios que,

Num beijo atordoante,

Me disseram a cor de seu sorriso.


Desisti da tal da verdade.

Sou mais a inexistência,

Algo que some num sopro.


A vizinha fofoqueira sussurrou no meu ouvido:

“Calma,

A vida não é tão preocupante quanto você acha!”.

Sorri e concordei.

Fiquei aliviado,

Tava ficando caduco...


Convidei a angústia e o erro

Para um encontro.

Eles são até legais,

Apesar do excesso de espinhas de um,

Apesar do cc insuportável do outro, 

São simpáticos, juro.

É só deixá-los falarem de seus traumas 

Que o amor acorda

E vai junto tomar um café. 


Dentro do ônibus

Em pé ou sentado,

O engarrafamento (em frente a pecuária

Perto, ali, do Negrão de Lima, sabe?)

É aquisição de malandragem.

Experiência, esperanto.

E nesse caso, até o desagradável me fascina,

Enquanto houver desodorante.


Esqueça meu bafo,

Não justificarei mais minha antipatia.

Ao invés da palma da mão estendida,

Sorria com o meu, também, 

Sorriso.

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Metalinguística 


Dias oprimidos por idealizações 

Nesse corpo que tudo veste 

Tudo compra, força involuntária

Guiada, eu, de novo, entregamos


Silêncio. Esse espelho confuso,

A quem chamam mundo, se fez

Se diminuiu em um trago apressado,

É a água, o copo ou a sede.


Filho do espelho. Nem espelho

Nem filho, o vácuo é meu objetivo.

Leia isto, tateie e não encontre:

Esta escultura é de vento.


Lamento os não entenderes

Do que há de feliz

No sorriso do outro da mesma espécie

Se não sou eu que o sinto.


Por isso, o devaneio, presença

No cenário fixo das quatro paredes

É versos para quem lê

E tudo para quem sente.


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Padre


Lerei, matéria orgânica

Dos dias sentidos em comunhão

Com o espírito perdido, esse

Livro, sem vestes inquisitivas.


Arranquei a batina:

Agora, na sacola

Voadora em um vento seco

De setembro, em direção ao lixo.


No banco, na praça, na alma,

Serei banco, praça, alma.

Não o que poderiam ser

Banco, praça, alma.


A beleza criada,

Introspectivamente sorrateira,

Esfaqueou a beleza, sem consciência e remorso.

Depois de morta, despencada no Meia-ponte.


Rio de vontades, margens de frustração,

Cadáveres de bolso cheio,

Inquisidores sem religião.

Ou meus processos mentais.


Força deifica da faculdade de sentir,

Demonizada pelo eterno “sim” e “não”

Orgulho e compaixão.

Conturbado esforço por aceitação.


Ontem, tive os dedos arrancados um a um,

Hoje, sem dedos.

Melhor criá-los sem serem dedos

Ou, melhor, pra que dedos?


O mundo se fez tudo ao alcance da boca.

E nasci com mandíbulas fortes, honestas, 

Mordo muito bem. Pra que dedos?

Arranquei a batina, e bandeides na mão ensanguentada.




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