quarta-feira, 23 de novembro de 2011

POR MIM, PELO MUNDO, PELO SER HUMANO

( Por Eduardo Marinho)






          Quando fui exilado da família, como traidor, passei a considerar minha família a humanidade inteira. E, vivendo entre os mais pobres, mais discriminados, mais maltratados da sociedade, durante muitos anos, passei a questionar essa estrutura social que deixa tantos dos meus parentes em situações tão injustas, de ignorância, miséria e pobreza, de exclusão, discriminação e preconceitos, desrespeito, humilhação e violência.
          Como se permite tanta fragilidade sem proteção? Como se maltrata os períodos mais frágeis da vida, a infância e a velhice? Como ficar indiferente diante de tanto horror e barbárie? Como podemos, nós todos, como grupo humano, aceitar conviver com esses absurdos, sem questionar as causas?
          Não posso respeitar uma sociedade que não respeita a minha humanidade, que produz seu próprio câncer e usufrui dele, com avidez vampiresca. Não posso assimilar, nem compartilhar dos seus valores, que se desmoronam à primeira análise.
          O produtivismo europeu deliberou e implantou o consumismo, através de técnicas de publicidade e propaganda. O consumo e a posse foram transformados em valores sociais máximos. A miséria é encarada como uma lástima inevitável e inexplicável – pois é uma necessidade desse sistema perverso. A propriedade é símbolo de valor pessoal. Honestidade, solidariedade, lealdade, compaixão, afetividade são qualidades para serem hasteadas em bandeiras, formando um cenário de aparências, sem relação real com as práticas cotidianas. Deus é prisioneiro das igrejas.
          O império estadunidense é o discípulo que superou o mestre – claro que se aproveitou de um momento de fraqueza, quando o mestre estava estropiado de tanta porrada que tomou, na 2ª guerra mundial. E, ainda assim, precisa da sua aliança contra os povos do mundo, em busca das riquezas dos seus territórios. São os impérios do norte.
          Com suas mega empresas transnacionais, industriais e financeiras, e seu poderio econômico e militar irresistível, interferem nos poderes locais. Infiltram-se em todas as áreas estratégicas dos países, através de elites locais cooptadas e regiamente recompensadas. Sabotam todos os investimentos nas populações, chamando-os de “custo social”. Tomam as comunicações através da mídia privada, criminalizam todos os movimentos em defesa dos interesses dos povos e constroem valores de consumo, valores culturais e objetivos de vida, com o massacre midiático. Seus representantes, defensores e servidores locais nutrem um ostensivo desprezo por seus compatriotas e uma subalternidade igualmente ostensiva pelos senhores estrangeiros.
          Colocar-se contra a corrente é despertar contra si a estranheza e a discriminação. É ser qualificado de louco ou nocivo, ser banido e evitado. É sofrer o assédio das tentativas de recondução, é ser suspeito de psicopatia ou influência demoníaca. Colocar-se a favor é trair os mais fragilizados, é abrir mão da própria dignidade, ganhar em matéria e perder em espírito, em sentimento e moral, é escolher uma vida suja e sem sentido, fantasiada de ostentação, desperdício e falsa superioridade. Como os cães em grupo, sabe-se pra que lado se arreganha os dentes e pra qual se abana o rabo e se dobra a coluna.
          As opções estão postas. Eu me recuso a participar de grupos favorecidos com essa estrutura, tenho vergonha de ostentação, não gosto de lugares com seguranças e tenho nojo das salas VIP. Não estou aqui pra curtir a vida, estou pra ser curtido por ela.
          E que ninguém pense que condeno os usufrutuários dos benefícios em que se transformaram os direitos tomados da maioria. Os sentimentos de superioridade, a arrogância grosseira e o usufruto excessivo cobram seu preço ali na frente, no corpo afetivo-emocional, na insatisfação permanente, nos incômodos de consciência reprimidos, em angústias sem explicação aparente. Estes beneficiários existem porque a estrutura assim o permite. Mas quem sustenta os poderosos são os subalternos, os explorados. A submissão permite a opressão. Se os explorados não colaborassem com os exploradores, a exploração desapareceria.
          Por isso a mídia se esforça tanto pra desagregar os movimentos, distorcer a realidade, gritar contra qualquer mudança que favoreça o povo. Pra que não se tome consciência da realidade, pra que se mantenha o poder econômico no comando do mundo e das sociedades, pra que se mantenha a barbárie contra a maioria.
          Como impedir mudanças, porém, se tudo muda, até os minerais? Os avanços ocorrem em movimentos ondulatórios e sem controle, embora haja interferências sutis e violentas, diretas ou indiretas, para a contenção. Temos exemplos disso, na América Latina. Enquanto a mídia vocifera, histérica, os processos caminham com suas próprias pernas. Não desanimemos, todos os que trabalhamos por essas mudanças tão necessárias na formação da mentalidade, da sociedade e da própria humanidade.
          Não sei quando a sociedade se tornará mais humana e solidária. Não sei quando se tornará inadmissível um ser humano em condição de miséria, se daqui a dez, duzentos, quinhentos ou mil anos. Sei que trabalho nesta direção, desenvolvendo valores que considero humanos a partir de dentro de mim mesmo e, só daí, para o mundo – pois creio que, se você não vive profunda e sinceramente aquilo que você acha que todos deveriam (embora sem cobrar de ninguém), seu ser perde a força da sinceridade e o trabalho perde alcance - não em número, mas em profundidade.
          Não trabalho para ver os resultados. Trabalho pra dar valor à minha vida. Por mim, pelo mundo e pela minha família humana.

                                                                                                  

3 comentários:

  1. Diego, Eduardo Marinho descreveu muito bem,
    com muita propriedade coisas, que não estão
    escritas, mas, infelizmente parece ter uma
    força intransponível.
    Pontos que entendemos, mas não conseguimos
    explicar.
    Amor ao próximo, por parte de todos os cidadãos
    do mundo - na minha visão, seria a solução.
    Mas, somos ainda tão pequenos.
    Tão egoístas, tão materialistas...
    Entretanto, não devemos nos desesperançar de
    todo com relação aos homens.
    Temos vivido sob quedas constantes,
    mas haveremos de nos levantar.

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  2. Enquanto estivermos inertes consumindo, lendo, assistindo, etc., o que o sistema nos impõem seremos e continuaremos engolindo nossa indignação. A luta hoje não deve ser de armas e guerras. A nossa revolução deverá ser de idéias, atitudes e hábitos. E haverá de levar tempo, transformar culturas o opiniões.

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  3. Fiquei até sem palavras ao ler esse texto, mas acho que se idéias assim forem difundidas e conseguirem tocar o coração das pessoas mesmo que lentamente e de gota a gota teremos alguma mudança. Somos indignados e que nossa indignação mova o mundo.E saber que existem pessoas que pensam como nós, nos levam a ter esperança e vontade de nos mudar, nunca aceitar a sociedade como ela é, e tentar como podemos, mudá-la nem que seja a partir de nós mesmos, internamente.

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