quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

ENTRE OBJETO, ABJETO E NÃO LUGARES

Corpos trans fora da binariedade e a falta de qualquer possibilidade de afeto.


Texto e arte: Dayla Gomes




Meu nome é Dayla, sou uma pessoa trans não binária e o que eu vou escrever aqui será muito identificável se você for uma pessoa com o seu corpo marginalizado socialmente. Se descobrir, se entender e se amar é uma grande labuta diária, penosa, mas ao mesmo tempo pode ser bela. É incrível a sensação de poder ser você. Essa, pessoalmente acredito que seja a única liberdade individual que realmente é possível, mesmo que o meu "eu" seja uma construção social e que tudo o que eu pense e acredite seja fruto do meu contexto econômico, político, social e cultural, ainda sou eu. Cada uma das minhas particularidades me fazem uma pessoa única.



Viver no capitalismo é viver entre padrões rígidos muitas vezes padrões de ódio seja contra si, seja contra o outro. O ódio gera lucro. O capitalismo é a indústria do ódio na medida que se aproveitando das raízes colonizadoras que devastaram e impuseram essa forma de viver a várias sociedades diferentes em vários continentes diferentes, principalmente América Latina de onde falo. Dessa forma o capitalismo depende do racismo para se manter na mesma medida que depende do cistema, que é a imposição arbitrária, limitada sobre gênero, empregando assim a pessoas papéis sociais opressivos. O capitalismo não é sobre onde você pode chegar com dinheiro, mas onde mesmo com dinheiro você pessoa marginalizada e sem capital não pode estar e não vai nunca ocupar.



O cistema engloba o patriarcado criando masculinidades e feminilidades que são pautadas mais restrições a indivíduos do que em possibilidades. Cumprir o papel imposto para ocupar as posições de poder ou opressão e mais ainda desumanizar quem foge desse padrão inventado. Essa desumanização parte de todos os meios e afeta a todas as pessoas trans em todos os momentos de sua vida, principalmente nas relações de afeto, ou melhor não afeto.



Para nós parte dessa desumanização está ligada com sermos objeto ou abjeto socialmente falando. Nossos corpos são objetificados de modo que somos apenas reflexo do desejo e curiosidade de pessoas cis, servindo apenas para a pura diversão sexual dessas pessoas sem qualquer possibilidade de afeto. Às vezes a única coisa que nos tira da solidão é aquela transa rápida com alguém que só se interessa pelo seu corpo como objeto sexual. Mas se nos lêem como objeto é reflexo de nos lerem como abjeto. Abjeto é por definição é tudo o que é abominável, desprezível ou sem dignidade. Os sinônimos para abjeto são: "vergonhoso, vil, indigno, ignóbil, infame, reles, torpe, execrável, desprezável, odioso, abominável, imundo, repugnante, repulsivo, repelente, ignominioso, miserável, canalha, tratante."



O único lugar de afetividade que a sociedade nos coloca a ocupar é um não lugar de um não-afeto. Quem se recusa a ocupar esse não lugar acaba por sua vez vivendo a solidão e mais uma vez em um não-lugar afetivamente falando com a sensação de nunca ser o suficiente para nada além de um sexo.





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